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sexta-feira, 4 de julho de 2008

Capítulo VII

“Lisa é linda” pensou Jô enquanto via a amiga caminhar lentamente até a mesa. Não se tratava daquela beleza impactante, mas da que vai além do exterior. Nela, através dos olhos, se via a alma. E, nesse momento, Jô lia neles arrependimento, cautela e um brilho diferente de todos que já vira antes. “Que será que passa na cabeça dela?” Sentia a raiva toda sair de seu corpo e, em seu lugar, surgir uma expectativa enorme. Notou ao vê-la se sentar e evitar olhá-la diretamente o quanto a amiga estava constrangida, pois odiava escândalos. Bem, quem anda com ela tem que se acostumar a eles. Observava calada a amiga apertar a testa, sinal que estava nervosa, e morder os lábios. Lábios... Baixou o olhar a eles. Eram carnudos, o inferior mais cheio que o superior. O sorriso era, depois dos olhos, o que tinha de mais bonito em seu rosto. Pensando bem, não tinha por onde ela ser feia. Era uma beleza pura, natural, sem muitos artifícios. Sorriu mais irônica, com o pensamento de como toda aquela suavidade tinha a língua ferina quando perdia a cabeça. E pra seu azar, era sempre ela que estava no caminho nesses momentos infelizes. Ou ela quem fazia o caminho? Sorriu mais largo, “que poder Jô, que poder!”

Lisa viu Jô sorrir irônica, “que se passa nessa mente louca?” Evitava olhá-la diretamente nos olhos. Sempre era aquela a ceder, sempre. “Que raiva!!!! Jô tem o dom de me deixar desarmada.” Se bem que desta vez reagira sem controlar as palavras. Sentia arrependimento e apertava a testa com a mão, “também ela faz tudo para me deixar louca. Que tem que falar de Fred? Insinuando que só conseguia tipinhos desagradáveis? Ela que os vê assim, oras bolas. Só não namoro porque não quero”. Olhou rapidamente para Jô e viu o sorriso em seu rosto se alargar. O coração disparou. “Jô é tão linda! Como alguém pode ser tão bela? Se Mariana puxar metade da beleza da mãe ela não terá do que reclamar.”
- Lisa olha desculpa eu não quis gritar... Mas você pegou pesado.
- Eu? Você também pegou, tem dó né.
- Ihhhh, mas nem desculpa sabe aceitar. – Jô virou os olhos para cima - Você nunca vai mudar! Ôh orgulho!
- Olha quem fala! Orgulho! Já se olhou no espelho?
- PÁRA! - Lisa quase pulou da cadeira com o grito – Pô, Li! Até para fazer as pazes tem que fazer um cabo de guerra!
- Eu? - Lisa olhava indignada para ela.
- Você sim – ergueu o corpo e bateu as palmas das mãos na mesa – dá pra aceitar ficar na boa comigo e a gente conversar legal sem showzinho?
- Eu? Eu, fazendo show, que beleza! - Riu irônica e, pela primeira vez, a encarou nos olhos. Seu rosto estava avermelhado e os olhos fulgurantes. Jô imediatamente se sentou, sentindo o impacto daquele olhar. Lisa lhe acompanhou o movimento e as duas se encaravam, agora caladas. Pareciam medir forças. Aos poucos o olhar de Jô se modificou e desceu em direção aos lábios de Lisa. Esta estremeceu e sentindo a boca seca, a umedeceu com a ponta da língua. O silêncio agora imperava na mesa, as duas dispersas em seus pensamentos. Jô desejando sentir o sabor da boca de Lisa; Lisa ansiosa com o olhar de Jô, esperando uma atitude que nem mesmo em pensamento ela teria coragem de por em palavras. Lentamente Jô ergueu o olhar.
- Lisa... Her... Eu... Lisa, preciso falar com você.
- Jô...
- Lisa – Jô interrompeu a amiga e sentiu a boca tremer só em pensar o que iria dizer. Lisa imediatamente desceu o olhar para sua boca e mordeu os lábios. – Ai Deus, Lisa... Eu... Bom. Lisa, eu... - Coçou a cabeça, meio perdida - Eu não sei como dizer isso, nem me pede pra explicar, mas eu tô apai...
- Hei vocês por aqui?? - As duas se viraram assustadas com a voz que soou perto da mesa.
- Júnior? - Disseram juntas – Que faz aqui??? As duas sentiam vontade de matá-lo. Lisa não acreditava que via seu irmão chegar ao momento mais importante de sua vida, em que sentia que toda a sua história iria mudar e dizer “Hei, vocês por aqui?”. Seu instinto assassino veio todo à tona. Estava imaginando mil formas de tortura antes do desfecho final. Afogá-lo nas próprias palavras, tirar o sorriso bobo de seu rosto com um belo soco de direita, arrancar seus olhos que não se desviavam de Jô que, aliás, lhe sorria como que abobada e fascinada com a sua inesperada presença. “Mas o que o retardado está fazendo aqui? Que drogaaa!”, pensava Lisa voltando a segurar a testa – “droga, mil vezes droga!”

Jô sorria estática para Júnior. “Mas o que o irmão de Lisa fazia ali?” Não acreditava nisto.
- Júnior... Nossa, olá, você por aqui. Que surpresa! – “desagradável”, completou em pensamento, olhando de esguelha para Lisa e vendo-a por a mão na testa. Não que Júnior fosse má pessoa, longe disso, era um cara super legal, mas sinceramente não era hora dele aparecer.
- Surpresa mesmo, meninas! Posso sentar com vocês? - Disse já puxando a cadeira.
- Já sentou. - Disse seca, Lisa. Júnior a olhou surpreso.
- Estou incomodando?
- Que isso! Nada Juninho! É que a Lisa e eu tivemos um pequeno bate boca – e olhou séria para a amiga apertando os olhos. Lisa a ignorou desviando o rosto para o lado e apoiando o queixo na mão.
- Ah, se é isso nem vou ligar! – Júnior riu – Logo vocês estão de boa. E aí o que pediram?
- Hã, Júnior que faz aqui no shopping? - Lisa perguntou contrafeita.
- Aqui? – Gaguejou - Bom... Ah o Marco lembra-se dele? Pois é combinamos aqui, mas parece que levei bolo. Ele tava com uns problemas aí, mas sabe como é né? Não dá pra falar. – sorriu meio constrangido. - Homens com problemas, eu fujo deles – disse Jô, rindo – melhor, fujo de qualquer um que aparecer na reta. Não quero nem ver sombra deles por muito, muito tempo.
- Que isso Jô, tá doida? - Junior a olhava surpreso - Nada a ver! Não é porque um cara foi sacana com você que todos serão não é mana? – Olhava Lisa, esperando apoio em suas palavras, mas ela cruzou os braços e o observou irônica, em silêncio. Sem graça e sem entender a atitude da irmã, olhou novamente para Jô. – Olha Jô, eu mesmo nunca faria nada que te prejudicasse. Pode ter certeza que seria muito feliz comigo. Surpresa. Jô olhou para Lisa, mas esta nem a observava. Estava no momento, olhando o irmão estupefata, sem acreditar que ali, na sua frente, ele cantava descaradamente sua amiga. Sem graça, Jô sorriu constrangida para Júnior.
- Bem, tenho certeza que não Júnior. Her... A mulher que tiver você como namorado, marido, sei lá o que, terá muita sorte. – “Ai meu Deus, me diz que ele não está me cantando. Não agora, não aqui” pensava em desespero.
- Acha Jô? - Júnior sorriu feliz. – Bom o que vocês estavam pedindo? Faço questão de pagar. E aí Lisa, vai uma pizza? Lisa sentia os pensamentos ficarem cada vez mais nublados, sem sentido. Seu irmão acabara de cantar sua amiga, ou melhor, cantara Jô, sua... Mulher!! Levantou tão rapidamente que a cadeira caiu para trás.
- Olha, lembrei que tenho um compromisso. Tenho que ir.
- Como ir? Não tem compromisso nada – Jô a olhava em pânico. Não acreditava que Li iria lhe deixar ali com aquele -  olhou para Júnior -  problema.
- Lisa, que isso, para com isso, senta aí - segurou o braço da amiga que se desvencilhou dela.
- Já disse Jô, esqueci de um compromisso... o... o Fred é isso, vou encontrar com ele – olhou-a quase em pânico.
- Quêê??? Aquela... coisi... – lembrou do irmão da amiga que estava ali olhando as duas sem entender nada e emendou - Aquele cara da escola? – sorriu contrafeita.
- Ele mesmo. Júnior, tu fica aí com ela, né? Já que está só - Disse o olhando com um olhar angustiado que ele não percebeu, tal a felicidade que se encontrava.
- Deixa comigo mana - respondeu extasiado, pois era tudo que ele queria. Ele se voltou para Jô sorrindo, mas esta nem nota. Estava em choque com a atitude da amiga. Lisa a encarou, mas logo baixou o olhar, mas não a tempo de Jô não notar as lágrimas em seus olhos.
- Vou nessa – falou enquanto saia apressada. Joyce angustiada, em silêncio via a amiga se retirar da praça da alimentação. Sentia o coração apertar e esfregou os braços, como se sentisse um frio repentino.
- Frio Jô? -Perguntou Júnior, preocupado. Ela o olhou meio perdida. Como explicar que a ausência da amiga lhe dera um vazio na alma? Como dizer que ele estava ali, mas não era quem deveria estar? E pior, como dizer a ele que não se enamorasse dela porque ela só tinha olhos para a irmã dele? Lentamente baixou a cabeça e a apoiou nos braços sobre a mesa. Sua vida parecia ter virado de cabeça pra baixo. Júnior não sabia o que fazer. Ficara feliz quando a irmã lhe dera oportunidade de ficar a sós com Jô, mas esta estava tendo uma reação no mínimo estranha.
- Jô, você está legal? – perguntou tocando delicadamente sua cabeça. “Que cabelos macios, tão negros!”. Ele nunca quisera dizer a ninguém, mas desde que Jô tinha treze anos, e ganhara formas de mulher, se fascinara com ela. Sempre dava pequenos toques, mas esta nem notava. Quando ela começou o namoro com Daniel ele sofrera muito. Em um destes momentos de angústia contara tudo a sua mãe que lhe aconselhara esquecer Jô. Mas, sempre em sua fantasia de adolescente pensara que os dois eram destinados um ao outro. E quando ela engravidara e o cara tirou o corpo fora, ele viu tudo isso como uma segunda chance. Mariana viera a cara da mãe, só que de olhos verdes, e isso foi suficiente para ele se apaixonar também pela filha. E agora, ele estava disposto a investir nesse sentimento e despertar o mesmo em Jô. Jô ergueu a cabeça para Júnior. Ele era incrível. Reparou melhor seu rosto e percebeu que ele tinha os olhos da cor dos da irmã. “Lisa, o que deu em você? Por que me deixou aqui só?”
- Eu... estou legal, Jú, só fiquei preocupada com a saída repentina de Li – “na verdade enlouquecida, só falta aquela idiota procurar mesmo o trocinho!”, pensou irritada.
- Fica tranquila, se tem algo que não podemos deixar de falar de Li é que ela é super ajuizada.
- Eu sei... eu sei. Júnior olha, desculpe, mas eu não estou legal. Queria ir pra casa. Não se chateie comigo tá?
Sem disfarçar a decepção, Júnior consentiu. “Será que ela nunca vai me ver como mais que o irmão de Lisa”, pensou angustiado.

- Ok, Jô, te acompanho até em casa, tudo bem? Assim aproveito e vejo Mariana.
- Ok, tudo bem, vamos - Levantou e se retirou acompanhada de Júnior, enquanto um garçom indignado os olhava e resmungava: “Praga de adolescentes, vem ao shopping, dão escândalo, risinhos, caras e bocas e vão embora... sem consumir nada!!!!”

 "Se você não encontra o sentido das coisas é porque este não se encontra, se cria.”
Antonie de Saint-Exupéry

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