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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Capítulo XXVI – Final da 1º parte (Traição)

O sábado começou triste para ambas, Lisa e Joyce. Joyce, sem ânimo para sair, observava a mãe se arrumar para passar o dia num clube local. Voltou o olhar para Mariana que tentava ler as palavras no jornal, rindo dos próprios sons que fazia. Tinha tanto! Por que então se sentia tão derrotada? Porque faltava Lisa, concluiu colocando os cotovelos sobre a mesa. Novamente olhou a mãe que já estava pronta para sair. Nada fora comentado entre elas sobre a noite passada. Melhor assim.

Lisa arrumava-se devagar. Escolhe aleatoriamente uma blusa para usar com o jeans sem se preocupar em colocar um sutiã. Sabia que tinha que tomar uma atitude, ver Joyce. Tentava inconscientemente adiar o confronto de ambas. Estranhou que não chorara. Sentia uma ansiedade enorme, uma imensa angustia pelo que podia acontecer, mas não sentia vontade de chorar. Queria ouvir o que Joyce iria dizer para justificar o que vira no bar, ao mesmo tempo, porém, sentia raiva. Muita raiva. Como se todo sofrimento pelo qual passara tivesse sido em vão.
- Bom dia, mãe.
- Bom dia, Lisa. Tudo bem?
- Não mãe, mas vai ficar - sorriu tristemente dando-lhe um beijo no rosto e caminhando em direção à porta da rua.
- Não vai tomar café, Lisa?
- Não mãe, to sem fome. Vou... resolver algo que to adiando há muito tempo. Abriu a porta e, antes de sair, virou-se para a mulher mais velha. - Mãe... Eu sei que ainda não lhe disse, mas... Obrigada. Eu amo muito você.

A campainha tocou e Joyce se ergueu lentamente. Sabia, na verdade, sentia ser Lisa. Abriu a porta e as duas se encararam. Em ambas, uma postura de sofrimento e angustia. O amor aflorou dentro delas e uma ânsia de se tocarem se faz presente. Então a loira, vencendo este sentimento, cortou o contato visual e se abaixou para beijar Mariana, que lhe sorria.
- Olá Mari, que saudades!
Jô observou Lisa abraçar sua filha com carinho e sentiu um aperto no coração. Precisava ser forte. Pediu à filha que fosse para o quarto. Mariana relutou, como a querer impedir a conversa, mas se retirou, não sem antes olhar para trás. Os olhos verdes se encontraram com os de mel e Lisa lhe sorriu tranqüila, com um olhar doce. Não importava o que pudesse acontecer, elas nunca se perderiam.
O silêncio entre ambas parecia interminável. Joyce passou a mão nos cabelos.
- Eu... Lisa... sei que deve estar com raiva...eu...
- Jô, sua mãe disse à minha que está namorando - interrompeu Lisa. - É verdade? O que vi ontem... É verdade? Joyce encarou Lisa, angustiada. Não esperava um ataque tão direto. Não era assim que queria as coisas.
- Não é bem assim, Li. Loirinha eu...
- Não me chame loirinha, ok.
- Eu... Li... não... bom... Eu to saindo com Carlos.
- Carlos é o nome dele, então. Lisa a encarou séria. Jô não sabia como lidar com a mulher que surgia à sua frente.
- Lisa. Eu... errei. Eu to mesmo saindo com ele, mas é como uma fuga! Eu tentei esquecer você, mas não dá. E mesmo assim vou tentando, tentando. O beijo... não foi o primeiro - levantou os braços, desanimada. – É tudo para esquecer você.
Lisa passou a mão na testa e baixou o rosto. Joyce a traia, só isso conseguia entender.
- Quanto tempo?
- Quanto tempo o quê?
- Quanto tempo me trai?
- Lisa, não é assim - Joyce sentiu uma tristeza enorme no coração. Lisa ergueu o rosto repentinamente para ela e lhe apontou o dedo.
- Aquele dia... o dia que saiu... que lhe contei de minha mãe, tudo. Foi com ele que saiu não foi? Responde! Joyce a encarou culpada. Foi quando Lisa perdeu totalmente o controle.
- Você tem noção do que me fez, Joyce? Que merda você fez? Meu Deus, você já me traia antes de toda a briga! - passou a mão no rosto. - Você me traía!
- Calma lá, Lisa... eu não namorava ninguém . Foi a primeira vez que saí com ele, ok. Você me soltou a bomba naquele dia e eu fiquei sem saber o que fazer. Eu...
- Sei!!! SEI. E isso justificou você ir trepar com um cara!
- Eu não trepei com ninguém! Que isso, Lisa! Qual é! Só porque você resolve se assumir quer que eu siga o mesmo caminho? Sempre assim, né! Acha que é dona da verdade! Nunca erra Lisa? Nunca?
- Erro. Erro! - Lisa gritou. - Errei de amar você, sua idiota, egoísta. Com que direito me trai assim? Fosse mulher! Assumisse suas atitudes!
- Atitudes? Atitudes! - Joyce abriu os braços. – E viva a senhorita virtude. Sempre certinha, tomando atitudes corretas. Nossa! Pôs a mão no rosto, irônica. – Como ela pode ser sapata?
- Sua falsa! Você é tanto quanto eu! Ou pensa que eu estive sozinha todos esses anos, comendo um fantasma?
- Maneira o palavreado, Lisa! Eu não disse que não gosto. Apenas não sou como você, entendeu. Não quero essa vida para mim. Lisa a olhou incrédula.
- Como assim? Esta abrindo mão de mim? Vai se casar com o babaca porque não quer ser... sapata? Joyce passou a mão no cabelo e caminha impaciente pela sala. Olhou para o corredor e espiou se a porta do quarto de Mariana estava fechada. Voltou-se para Lisa e respondeu.
- Lisa... Eu amo você. Amo mesmo. Por favor... eu sei que estou errada, mas... Deus, é tão difícil! Tento de todas as maneiras fugir disso. Tenta entender. Eu não sei lidar com isso! - terminou gritando.
Lisa a observava. Desviou o olhar de seu rosto e passeou por seu corpo. Como era linda! Porque lhe fizera isso? Sentiu os olhos lacrimejarem. Joyce percebendo seu momento de fraqueza e seu olhar de desejo não hesitou. Agarrou-a ali mesmo, na sala e a beijou profundamente. A loira não resistiu e se entregou aos braços da morena. Passou os braços pelo seu pescoço e se deixou levar pelo desejo que despertou em seu íntimo. Sentindo sua entrega, Joyce segurou - lhe os seios pequenos apertando-os enlouquecida. Que saudade daquele corpo, de seu calor. Levantou-lhe a blusa e levou a boca aos seios alvos. Sua loirinha...sua. Segurou seus quadris apertando-a mais junto a si. Lisa gemeu apertando-se ainda mais a morena. Buscou - lhe novamente a boca, exigindo, tomando, buscando esquecer  todo o sofrimento que lhe ia na alma.
- Lisa... Lisa. Como te desejo, Li! - Jô passou as mãos pelo corpo esbelto e suspirou profundamente. Lisa, como que acordando de um sonho ao som da voz de Joyce, se afastou. Tremula, abaixou a blusa e passou a mão na testa.
- Isso não era para acontecer... não era.
- Amor... loirinha. Olha para mim. - Mostra-lhe as mãos tremulas - Vê?  Eu te amo. Nós nos amamos. Você não pode nos privar disso! Vamos ficar juntas. Pare de querer tanto. Podemos ter tudo se você aceitar as coisas.
- Jô... como? Não vejo aonde quer chegar. O que quer dizer? - Lisa a olhava sem compreender nada. Joyce respirou fundo. Era a cartada final. Lisa a amava. Iria dar certo.
- Lisa, podemos para sempre sermos amigas... amantes. Entende? Sem ninguém saber. E... casar... casamos agradamos a sociedade, nossas famílias e...
- Espera. Quer que eu seja sua amante... enquanto casa, tem filhos, etc? Ser a outra?
Joyce a olhou sem graça. Ficou estranho dito assim, em voz alta, pela boca de outra pessoa.
- Não é bem assim, Lisa. O que não quero é ser apontada como a sapata do bairro.
- Vá à merda, Joyce! Nunca aceitaria isso. Quero amor, não ser uma... uma... amante. Quero alguém que me ame e para quem eu seja sempre a primeira! Eu mereço isso! Você é uma idiota! Abre mão do nosso amor por causa de pessoas mesquinhas e preconceituosas.
- Então me recusa, é isso? - Joyce sentiu o peito se oprimir.
- Sim! - Lisa a olhou triste, mas decidida. - Assim não quero, Jô. Quero você completa, sendo só minha. Joyce apontou o dedo a ela, inflamada.
- Diz isso porque sua família te apoia. Acha mesmo que o mundo vai te bater palmas, Lisa? Acha? Pois saiba que te hostilizarão. Virarão a cara para você, terão nojo de teu toque. Perderá oportunidades, empregos, amigos. Quer mesmo isso?
- Pode ser, Jô. Sofrerei muito, pagarei por minhas escolhas. Mas serei autêntica, não um fantoche social como você.
Joyce a olhou, sentindo-se agredida e, com a língua cheia de veneno, revidou suas palavras.
- Pois saiba que assim não quero também. Acha mesmo que não gosto de homens? Pois saiba que adoro estar com eles. Não sou sapata. Sapata é você. E não passará sempre de uma sapata. Uma sapata de quem tenho vergonha e que jamais assumirei como alguém que faz parte de minha vida. Tenho nojo de você!
O som do tapa ecoou por toda a sala. Joyce calou-se levando a mão à face sem acreditar que Lisa lhe esbofeteara. Ainda segurando o rosto, sentiu um calafrio percorrer toda a extensão de seu corpo ao ver o olhar da loira. Nunca em toda a sua vida vira os olhos de Lisa tão claros. Não mais expressavam aquele amor, aquela suavidade que aproximava as pessoas e as cativavam. Ao contrário, estavam frios, vazios, sem nenhum calor humano. Não conseguia dizer nada, parecia que suas cordas vocais estavam paralisadas. Sentia como se o chão se abrisse sob seus pés e uma escuridão tomasse conta de sua alma. As duas se encararam por vários minutos. Na sala, só o tic tac do relógio parecia anunciar os últimos segundos de duas vidas que a partir dali tomariam rumos totalmente diferentes. Lentamente, com uma calma que deixou Joyce ainda mais angustiada, Lisa virou-lhe as costas. Abriu a porta da saída e se retirou, sem um único olhar para trás. As pernas de Joyce fraquejaram e ela se deixou escorregar pelo chão da sala. Um sentimento de perda gigantesco tomou conta de seu ser e ela solta um grito dolorido, desesperado. Conscientiza-se que com suas atitudes perdera não só a mulher, mas também a amiga, aquela que sempre estivera a seu lado, que nunca lhe faltara. Lisa não merecera suas atitudes, sua TRAIÇÃO..
Levantou-se e correu à porta, na esperança de Lisa, sua Lisa, ainda estar ali, esperando-a com os braços estendidos para que pudessem juntas superar mais este momento de provação. Em seu egoísmo, mesmo com tudo o que fizera, ainda quer resgatar a amiga. Sim, sentia que elas podiam ainda ser amigas, tinham que ser amigas. Mas não havia ninguém, não havia mais Lisa. Joyce não soube por quanto tempo ficou ali parada até que sentiu um puxão em sua blusa. Olhou para baixo e viu dois calorosos e maravilhosos olhos verdes a encararem.
- Mamãe, você está bem?
Mariana parecia perceber a angústia de Joyce e estendeu então os bracinhos em sua direção. Joyce se ajoelhou e abraçou a filha, estreitando-a nos braços. O pranto se fez presente e Mariana, em silêncio, se deixou ficar ali nos braços da mãe. Aquele momento não era mais a criança e sim uma alma solidária, ciente de toda a dor que acometia Joyce.
Ela fizera sua escolha.

Lisa caminhou tranquilamente pelas ruas até chegar à sua casa. Abriu o portão e deu de cara com seu pai.
- Oi, pai.
- Li? – o pai observou a filha. Percebeu algo de diferente. - Alguma coisa errada?
- Não, pai, por quê? Parece? - perguntou, virando-se em sua direção
- Bem, não sei, está... diferente.
- Impressão sua pai, tem alguém em casa?
- Não, filha. Sua mãe saiu e seus irmãos estão desde cedo estão na gandaia – sorriu saudoso. – Ahhh, que saudades do velho tempo!
- Continua safado, né, velho? - Lisa riu e deu um beijo no rosto amado. – Bom, vou entrar que também vou dar uma saída mais tarde.
- Mesmo? Aonde vai? Vai sair com Joyce? O olhar de Lisa endureceu.
- Não pai, será com outra amiga. Bom, vou tomar banho. Tchau – disse erguendo a mão e entrando na casa. Caminhou em direção a seu quarto, pegou bolsa e tirou dela um pequeno cartão. Foi à sala, pegou o telefone e discou um número.
- Alô, poderia falar com Juliana?
Após o telefonema, tirou toda sua roupa e entrou em baixo do chuveiro. Ergueu o rosto e deixou a água bater nele e escorrer pelo seu corpo. Ficou ali por longos minutos. Seus pensamentos foram para Joyce, mas era como se nada sentisse. Nem amor, nem angustia, nem raiva. Simplesmente nada. Apenas um vazio que parecia tomar conta de seu ser. Como que fugindo da realidade deitou-se e dormiu durante todo o dia. Acordou já no fim da tarde e começou a se arrumar para sair. Maquiou-se com esmero e pôs um lindo vestido preto que faz um maravilhoso contraste com os olhos cor de mel e os longos cabelos loiros. Olhou-se no espelho. “Perfeito”. Calçou um lindo sapato de salto alto, pegou as chaves do carro, despediu-se do pai e dirigiu-se a uma famosa boate GLS de Belo Horizonte. Adentrou o ambiente indiferente aos diversos olhares em sua direção e caminhou em direção à bela morena que se ergueu quando a viu com sorriso deslumbrado.
- Está divina, Lisa – disse Juliana, já antecipando deliciada os momentos delirantes que as duas teriam. Não se perguntara porque a loira lhe ligara. O que importava é que ela estava ali. Observou-a melhor. “Ela está maravilhosa”. A nova expressão em seu rosto, distante e introspectiva, dava-lhe uma aparência mais inatingível, tornando-a a partir daquele dia, foco da atenção de mulheres várias que acreditavam poder atingir seu coração. Lisa fechou ligeiramente os olhos e, por um momento, sente seu coração sangrar e uma dor fina ameaçar crescer em seu peito. Então, num decidir mudo, ergueu os ombros, deu um sorriso frio à morena a sua frente e disse:
- Você também esta linda, Juliana. Algo me diz que hoje é seu dia de sorte – disse irônica. Sentou-se à mesa, ciente que, a partir daquele dia, uma nova Lisa nascia. Mais madura, mais forte, e muito mais precavida. Nunca mais lhe machucariam. Nunca mais. A partir daquele dia ela comandaria sua vida e seus relacionamentos. Ergueu o corpo e deu um beijo rápido na morena
- Ah sim, Juliana você também está divina, deliciosamente divina – riu deliciada com o olhar surpreso e excitado que esta lhe mandou.
O garçom trouxe uma caipivodca que Juliana pedira sem que ela se apercebesse. Ergue o copo para a morena e faz um brinde solitário a si mesma antes do primeiro gole.
“Amanha é um novo dia”

  "Difícil não é lutar pelo que mais se quer, e sim desistir do que mais se ama. Eu precisei desistir. Não pense que desisti por não ter mais forças para lutar, mas sim por não ter mais condições de sofrer." 

Fim 

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Capitulo XXV

A sexta-feira, dia do show dos Titãs, chegou ensolarada. Parecia que a frente fria que pairava sobre Belo Horizonte resolvera sumir de vez. Depois de um dia particularmente agitado, e de uma sensação de angustia que não sabia explicar, Joyce se arrumou para o espetáculo. Uma necessidade de ficar em casa se fazia presente, como se algo muito sério fosse acontecer.
- Mãe tem certeza que posso ir? Você está bem?
- Jô, está tudo bem. Pode ir tranquila.
Joyce observou a mãe. Desde que começara a sair com Carlos, a mãe parecia a fada madrinha. Nunca implicava quando queria sair, sempre deixava seus compromissos para cuidar de Mariana em sua ausência. E ela nem ao menos o conhecia.
- Bom... ok - respondeu meio ressabiada.
Lúcia observava a filha a se arrumar, se perguntando quando ela assumiria que estava namorando. Sorriu sozinha. Vira o rapaz várias vezes pela janela. Era bonito, bem afeiçoado e parecia ter boa estrutura financeira. Comentara com Paula, a mãe de Lisa, a suspeita que Jô estivesse namorando. Suspeita não, a certeza. A amiga a olhara incrédula. Balançou a cabeça lentamente. Algumas pessoas se conformam muito fácil com situações que podem ser mudadas. Mas não queria pensar nisso. Aliás, se recusava a ter certos tipos de pensamento. Finalmente Joyce seguia o caminho certo

 Lisa já estava pronta para o show, mas Fernando ainda não chegara. Só faltava o irmão dar-lhe um belo bolo.
- É mãe, Nando vai me aprontar mais uma das suas.
- Tranquiliza Lisa. Ele vem.
A mãe a olhou de lado. Lisa a encarou. Há muito tempo sentia que a mãe queria lhe dizer algo, mas parecia perder a coragem.
- Mãe, você não quer aproveitar que Nando não chega e me dizer o que está te sufocando e não tem coragem de me dizer? Paula a olhou sem graça.
- Não é nada, Lisa. Eu... não é nada.
- Mãe me sentiria melhor se dissesse. Paula a olhou firme.
- Lisa tenho certeza não gostaria de saber. E, além disso, são só suspeitas, nada certo.
Lisa sentiu o coração apertar.
- É algo relacionado à Jô, né, mãe? Me diz, por favor. Não é justo que me esconda isso.
Paula a olhou com uma olhar sofrido. Não queria ser a causadora de mais um sofrimento para a filha, mais ao mesmo tempo não conseguia mais segurar o que Lúcia lhe contara. Melhor a filha saber por sua boca que pela boca de estranhos.
- Lisa... sente-se - observou a filha sentar-se lentamente na cadeira. Achava-a tão linda. Não entendia porque escolhera esta vida tão cheia de dor e sofrimento.
- Lisa... Lúcia esteve aqui outro dia e comentou que... que Jô... Bom, comentou que Joyce esta saindo com um rapaz. Lisa sentiu seu mundo escurecer.
- Como?
- Filha... - começou Paula, segurando as mãos da filha. - Joyce está namorando... um rapaz.
Lisa levantou-se de supetão.
- NÃO! Não... não acredito nisso! Ela... ela não pode! - Olhou a mãe em desespero.
 - Lisa...
- Não mãe... você... você mesmo disse que não é certo não é? Você mesmo disse! Eu... tem algum engano aí. Deve ser algum colega de faculdade, sei lá. Ela... ela não faria isso. Não Joyce, mãe.
- Filha...
- Não, mãe. Joyce antes de ser... de ser minha... minha... você sabe o que, ela é minha amiga. E como amiga, antes de tudo, não faria uma sujeira dessas, né!? Olha, vai tudo se esclarecer fica tranquila.
Lisa esfregou a testa. Não queria pensar nisso. Não queria. Ouviu o barulho característico do carro de Fernando.
- Olha, é o Nando... eu... tô indo. Tô indo. Tchau mãe - beijou rapidamente o rosto da mãe e saiu.
Paula encostou a testa na mesa sentindo que fizera tudo errado, na hora errada, da forma errada.
- Lisa... Lisa... que escolha é essa? Será que vale toda essa vida de sofrimentos que vai passar? - murmurou para si mesma.
Sentiu mãos se apoiarem em seus ombros e viu seu marido a olhando amorosamente. Marcos puxou uma cadeira para o lado de Paula e a abraçou carinhosamente, dizendo baixinho.
- As escolhas pertencem a Lisa, Paula. Quanto a nós, resta sermos os pais que sempre acreditamos ser.
- Marcos, onde erramos?
- Não erramos Paula. Apenas não podemos desejar que nossos filhos sejam o que gostaríamos que fossem. Eles crescem. Mas espero que sejam felizes. E Lisa, mesmo sofrendo hoje, acredita que este será o seu caminho para a felicidade. E terá todo meu apoio. Nosso apoio.
Paula o abraçou triste, mas conformada. Quando contara a ele sobre Lisa, tivera receio de sua atitude e se surpreendera ao ver uma aceitação muito maior que a sua. Mesmo em seu silêncio, Marcos respeitava Lisa em suas escolhas. A vida não era perfeita. Mas o amor, quando verdadeiro, mesmo dentro das limitações humanas era perfeito. Assim era sua família.

Joyce estava exausta de tanto pular. O show fora simplesmente maravilhoso. Lotado. Incrível como mesmo assim parecia que todos seus conhecidos estavam ali. Já encontrara uns três. Ao final do espetáculo, Carlos a convidou para tomar um chope num barzinho ali perto. Estava rindo, feliz, quando sentiu um gelo na base da nuca. Olhou ao redor pressentindo o olhar de alguém, mas não viu ninguém conhecido. Sentiu uma falta de ar enorme e Carlos, percebendo sua angustia, lhe segurou a mão.
- Jô? Você está bem? Ela o olhou meio perdida.
- Estou... estranho. Senti algo ruim em mim, sei lá. Eu... já estou melhor.
- Mesmo, amor? Nossa, você pareceu perder o ar.
- Carlos... - Joyce segurou o rosto dele. –Tranquiliza, eu estou bem.
- Mesmo? - o rapaz a olhava preocupado.
- Mesmo. E como a querer provar o que dizia, tomou seu rosto nas mãos e o beijou.
O carinho se aprofundou e os dois se deixaram levar, esquecendo as pessoas ali presentes. Ao fim do beijo, Jô abriu os olhos lentamente, com um sorriso satisfeito no rosto. Olhou por cima do ombro masculino e arregalou os olhos, chocada. Com um grito, afastou-se repentinamente do rapaz que, assustado ao ver seu rosto, olhou na mesma direção que ela. Sem nada perceber de anormal, voltou o olhar a Joyce que já se erguia em desespero, correndo em direção à porta do bar.
- Jô? Aonde vai? Jô? Joycee!!!

Lisa ia para o show para não decepcionar o irmão. Esforçando-se para não mostrar sua angústia, dançou e pulou ao som de Titãs. Fernando, dentro de sua alegria quase infantil por estar perto de seus ídolos, não reparava as várias vezes que a irmã parava simplesmente e se deixava ficar, com um olhar perdido no meio da multidão.
- E ai, mana? Curtiu o som?
- Muito, Nando - olhou em direção a um barzinho bem movimentado de esquina. - Hei, aquele não é seu amigo, o João?
- Onde? Cara, é ele mesmo! Vamos lá - disse segurando a mão da irmã e a puxando em direção ao amigo.
- Meu, que legal ver você aqui! - João exclamou ao ver o amigo. - Senta aí - disse já puxando uma cadeira a Lisa, que se sentou meio sem graça. Sua vontade era ir para casa, mas vendo a alegria dos amigos que a muito não se viam, permaneceu quieta, lançando um meio sorriso à namorada do rapaz que a olhava condescendente.
- Esses têm muita coisa para por em dia – ela disse lhe sorrindo. Lisa retribui o sorriso e olhou ao redor. O barzinho era bem legal. Como estava bem cheio, o proprietário espalhara mesinhas pela calçada. Observou pela janela a parte de dentro do bar e sentiu um frio penetrar seu corpo. Empalideceu sensivelmente
- Hei, você está bem? Olhou para a frente e viu a moça olhando-a preocupada. Depois de longos segundos de silêncio, respondeu roucamente.
- Eu... eu... estou. Eu... onde é o banheiro aqui?
- Lá dentro. Quer que eu te acompanhe?
- Não... obrigada. Vou sozinha.
Ergueu-se automaticamente, caminhando em direção à porta do barzinho. Adentrou o ambiente sem ver nada, ouvir nada, sentir nada ao redor. Fixou os olhos na jovem morena que beijava despreocupadamente o rapaz que estava a seu lado. Alguém lhe deu um empurrão nos ombros. ‘Hei, você está no caminho’, mas ela ignorou. Não conseguia desviar os olhos do casal algumas mesas à sua frente. Observou o beijo que terminava suavemente e viu o sorriso satisfeito no rosto da mulher. Foi quando os olhos de ambas se encontraram. Uma descarga elétrica percorreu seu corpo, libertando-o de sua inércia. Virou-se imediatamente para a porta e correu como se diversos demônios a perseguissem. Não escutou o grito atrás de si. Passou pelo irmão que, vendo-lhe o desespero, correu atrás. Não parou de correr. Queria fugir. Fugir da realidade. Fugir da traição. Sentia como se facas lhe perfurassem o corpo. Esquinas à frente, Fernando finalmente a alcançou.
- Lisa? Lisa, que foi, pelo amor de Deus!
- Me tira daqui, Nando. Me tira daqui! - gritou desesperada.
- Calma, Lisa! Ok. Mana, calma, calma, vai - segurou suas mãos com cuidado. Olhou-a sem entender nada, mas conhecendo a irmã, sabia que algo muito sério acontecera naquele bar.
- Vem, vou te levar pra casa.

Joyce olhou ao redor. ‘Meu Deus, não’. Pôs a mão na boca e começou a andar sem rumo pelas mesas do bar.
- Joyce, que houve? - sentiu as mãos de Carlos em seus ombros e se soltou bruscamente.
- Me larga!
- Jô, pelo amor de Deus, que foi?
Ela o olhou angustiada e depois novamente ao redor. Uma onda de pânico tomou-lhe o corpo, que enfraqueceu.
- Joyce, pelo amor de Deus, o que você tem?
- Me leva pra casa, Carlos. Me leva pra casa. Apenas me leve pra casa.
Não se despediu do rapaz. Desceu e correu em direção a porta da casa, entrando sem nem mesmo olhar para trás. Carlos se deixou ficar ao volante, arrasado, sem nada entender. Como uma linda noite podia acabar de forma tão desastrosa? E pior, sem ele ao mesmo saber o porquê.
Joyce já dentro de casa, pôs a mão sobre a boca e um gemido do fundo da alma lhe subiu pela garganta. Sem saber o que fazer, começou a bater as mãos na cabeça.
- Jô? Jô do céu, que é isso? Que você tem?
Lúcia lhe segura as mãos, olhando-a preocupada. Ouvira o barulho e os sons de gemidos e levantara achando ser Mariana. Surpreendera-se ao encontrar Joyce, totalmente sem controle, na sala de estar.
- Joyce, pare com isso! Pare!
- Mãe – Joyce a olhava como que cega. - Lisa me viu! Lisa me viu, mãe!
- Lisa viu onde? O que, Jô? Não entendo nada.
- Ela me viu num barzinho com Carlos. Ela me viu beijando ele! Mãe ela não vai me perdoar. Meu Deus. Lúcia ficou séria. Segurou os braços da filha.
- Lisa não tem nada que perdoar, Joyce. O que tem você namorar? Ela tem que entender que é a lei normal da vida. Você vai namorar, casar e ter mais filhos.
Joyce fixou os olhos na mãe. Ela pareceu-lhe ansiosa demais em rebater seu desespero. Novamente lembrou o olhar de Lisa no barzinho e os olhos se encheram de lágrimas.
- Não, mãe! Eu preciso de Lisa. Preciso explicar! Ela vai achar que a traí! Eu a amo, ela não pode me deixar. Eu tenho que ir lá!!
- Pare, Jô! Olhe a hora! Você não tem que ir a lugar algum a esta hora. E amar... Jô, amamos muitas pessoas, amores diferentes. Lisa aceitará que você tem um namorado.
- Não, mãe! Como? Ela é minha na...
- CALE-SE, JÔ! Eu já disse. Ela tem que aceitar! Você já sofreu muito na vida e ainda sofre com o preconceito das pessoas. Não queira aumentar sua carga de sofrimento, entendeu? Não vou admitir que mais uma vez você nos envergonhe perante todas as pessoas que conheço, sua família, seus amigos. Entendeu? Segurou-a pelos ombros e a sacudiu. - Entendeu, Joyce?
A filha olhou-a com os belos olhos negros nublados e sem brilho. Baixou a cabeça, deixando que os cabelos lhe cobrissem o rosto.
- Sim mãe, entendi e... concordo. Desculpe. Eu... vou deitar.
Lúcia viu-a sair da sala com toda uma postura de derrota. Sentiu o coração se apertar. Não, não deixaria a filha mais uma vez destruir a própria vida. Não reparou a porta do quarto rosa ligeiramente aberta e olhinhos verdes a observarem atentamente, ansiosos e tristes. Mariana nada entendia, mas sabia que, de alguma forma, o que acontecera ali mudaria a vida delas para sempre.

 “Caminhante, não há caminho; faz-se caminho ao andar.”
Antonio Machado

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Capitulo XXIV

A semana começou nublada. Lisa caminhava cabisbaixa pelos corredores da universidade. Sua postura corporal expressava a enorme derrota de quem sentia a vida escoar por suas mãos.
- Vai, não pode ser tão ruim assim.
- Como? - Lisa ergueu o olhar surpresa, vendo à sua frente a mesma garota da biblioteca. - Ah não! Você de novo, não! - tentou dar meia volta e fugir, mas a jovem a segurou pelos braços.
- Calma loira. Não estou aqui pra te sacanear nem... nada mais. Mas você está numa pose tão “quero morrer” que não resisti e mexi com você. Sinceramente ninguém merece isso.
Lisa se sentiu afrontada. Quem aquela mulher pensava que era? Nunca conhecera alguém tão cara de pau.
- Mas você deve se achar a melhor mesmo, né. Então nem sofrer, sentir a ausência de alguém se pode mais nos corredores da universidade?
- É isso que sente? Morreu alguém? É isso? Puxa, lamento. Desculpe, fui meio insensível. Foi mal mesmo. Eu realmente me aproximei com a melhor das intenções – Juliana disse soltando-lhe o braço. Lisa a olha melhor. A morena estava vestida meio hippie, com saia longa colorida e uma blusa decotada. “Aliás, bem decotada”, pensou, vislumbrando o começar dos seios.
- Olha não morreu ninguém. Só não estou em um bom dia. Mas obrigada pela simpatia - respondeu já retomando seu caminho.
- Tudo bem. Não vou ficar te perturbando - disse Juliana caminhando a seu lado. Lisa a olhou de lado.
- Mesmo? - disse irônica. Juliana riu espontaneamente.
- Ok, ok. - ergueu a mão com um bilhetinho entre os dedos. - Este é meu telefone. Para o caso de resolver aceitar meu convite. Ehh! - ergueu o dedo em riste. Não jogue fora! Sempre mudamos de ideia e o que parece péssima ideia hoje é excelente amanhã.
Pôs o bilhete na mão da loira que o observa e, em silêncio, retoma seu caminho. Não percebe o sorriso da morena ao esta notar que guardou o bilhete na bolsa.
Juliana a observa se afastar com um sorriso leve no rosto. Sorriso este que se alargou ao vê-la guardar o bilhete na bolsa. ‘Isso é dor de amor perdido’. Agora mais do que nunca investiria nela. Reparara seu olhar no decote. Caminha em direção à saída do prédio. Ao sair sapateou nas escadas. Ela se sentia o remédio ideal para curar o sofrimento de Lisa.
Lisa olhou para trás e viu a morena sumir pela porta de entrada do prédio que estudava. Balançou a cabeça como a lamentar a inconveniência de algumas pessoas e retornou seus pensamentos à Joyce. Decidira dar a ela o tempo para aceitar os acontecimentos e as mudanças que ocorreriam na vida de ambas. Nada de pressão. Sentia o coração se oprimir cada vez que imagina perdê-la, mas confiava... acreditava que o amor venceria cada uma das barreiras que se erguiam implacáveis ao redor delas. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas. O que não daria para poder sentir seus braços seus beijos, seu toque. ‘Jô... que falta você me faz’.

 - Joyce!! Bela Dama! Jô olha para trás e vê Carlos correndo para alcançá-la. Sorriu e parou, aguardando-o.
- Atrasado novamente, doutor? Carlos sorriu feliz.
- Como vê Joyce, pontualidade não é o meu forte. Você está bem? - olhou-a preocupado - Está com o rosto abatido.
Joyce tocou levemente o próprio rosto. O final de semana deixara marcas de grande abatimento nele.
- Tive alguns problemas. Mas estão resolvidos - disse decidida, ignorando a sensação de vazio dentro de si.
- Hum... - Carlos a olhou descrédito. - Tudo bem. Olha, consegui ingressos de camarote pro jogo do Cruzeiro e Atlético, no Mineirão. Topa?
- Mentira! - Joyce o olhou extasiada. – Sou cruzeirense doente. Claro que topo.
- Aeeee! Sabia que não ia me decepcionar. – Se fosse atleticana nem respiraria mais o mesmo ar que você. Neimmm. Imagina... tão bela e atleticana. Estragava tudo.
- Sei... vou fingir que acredito - virou-se sensualmente olhando-o por sobre o ombro com um sorriso levado e voltou a caminhar no pátio. Carlos a observou caminhar com um rebolar mais que chamativo e sorriu abobado. Essa mulher era tudo de mais maravilhoso na natureza. Feliz a acompanhou brincando e contando pequenos ‘causos’. Joyce o olhava rindo. Carlos realmente tinha o dom de deixá-la bem. Muito bem.

As semanas passavam lentamente. Lisa não aguentava mais de ansiedade. Precisava procurar Jô. Não tinha santo que aguentasse tanta provação. Tinha tanta certeza que Jô iria procurá-la que anulara os problemas da mente e se dedicara só aos estudos. Mas agora as coisas já estavam ficando insustentáveis. De tudo isso a única coisa boa que acontecera fora a volta às boas com Junior.
- Lisa ajude aqui. Lisa olhou pela janela e viu seu pai tirando compras do carro e equilibrando-as precariamente nos braços
- Tô indo - ergueu-se ágil e correu para pegar as sacolas que quase caiam no chão. Rindo muito, os dois procuravam, no meio do passeio, não deixarem as compras caírem, aprontando uma verdadeira algazarra circense. Nesse momento, Carlos passou de carro pela rua, com Joyce no banco de passageiro
- Olha só aqueles dois - riu divertido, reparando a cena de pai e filha.
Joyce, extática, olhava Lisa aos risos com o pai. Tanto tempo procurando anulá-los da mente e Carlos resolve passar logo em frente a casa deles. Que saudade! Observou Lisa insistemente. Ela usava um short minúsculo e uma blusinha justa que valorizava cada curva. Estava mais magra, notou meio sentida. Passou a mão nos cabelos. Sentia tanta falta da alegria, da farra da família de Lisa. Sentia falta de Paula, de Marcos, dos irmãos de Lisa... de Lisa. Virou o rosto para trás tentando guardar mais um pouco daquela cena. Que falta sentia da sua... família.

Lisa adentra a casa praticamente sem fôlego. Seu pai vivia pondo-a em vexames e diversão. Colocou as compras na mesa e observou o irmão mais novo entrar na cozinha com o resto das compras.
- Nando, você chegou na hora certa - disse rindo. Fernando a olhou meio irônico.
- Seu Marcos não vai mudar nunca. Bom, tenho que sair... tô atrasado. No caminho pareceu pensar e deu meia volta. - Lisa, mana, tô com ingressos pro show dos Titãs e a Marcinha não poderá ir. Surgiu um problema na família dela. Não quer me dar a honra de sua companhia?
- Mentira Nando, não acredito. Você está me convidando para sair? Fernando ficou sem graça.
- Olha não me zoa. A Márcia só fica tranquila se eu for com você. Tô louco para ver esse show e não quero me indispor com ela. Vamos, vai! Lisa olhou o irmão divertida. Nunca imaginara que um dia o veria apaixonado.
- Por que não chama um de seus amigos? O irmão a olhou sério.
- Olha mana, sendo sincero. Você anda tão tristinha ultimamente que acho que faria bem sair um pouco. Pô sou tão mala assim?
Lisa encarou o irmão. Fernando a chamava porque estava preocupado com ela. Não podia negar, tinha a melhor família do mundo.
- Eu vou, Nando. Obrigada por pensar em mim, viu - respondeu dando-lhe um beijo no rosto. - Que dia vai ser?
- Amanhã. Vai gata, tá. Agora deixa ir que tô atrasado mesmo.
Lisa o observou sair. Titãs... Seu olhar se nublou. Jô adorava Titãs.

- Titãs? Não acredito! - Joyce pulou no pescoço de Carlos. – Eu amoooo Titãs. Carlos sorriu
- E eu não sei? Olha aqui, Jô – mostrou os ingressos. - Amanhã, hem! Vê se não esquece.
- Claro que não vou esquecer – beijou-o, carinhosa
- Jô - Carlos a abraçou mais forte e olhou para sua casa de dentro do carro. - Que dia poderei conhecer sua família? Joyce estremeceu e saiu dos braços dele.
- Eu... - passou a mão nos cabelos. - Eu tô preparando Mariana, Carlos. Não quero que ela te hostilize. Olha, me de só mais um tempo.
- Tudo bem - Sorriu sem graça. – Às vezes fico ansioso, desculpe. Joyce o olhou com carinho.
- Tem paciência. Logo vou marcar um jantar em casa, tá.
- Ok. Bom, tenho ir agora. Te ligo mais tarde?
- Liga sim - respondeu dando-lhe um beijo leve. Sorriu olhando-o se afastar, porém logo ficou séria. Voltou o olhar para sua casa e entrou lentamente.
- Mãe!!
- Hei linda. Que boca suja é essa? - disse enojada, desviando o rosto do beijo de Mariana.
- Ah mãe, é chocolate com mel - respondeu passando a mãozinha na boca.
- É? Então vai lavar esse rosto e depois, ai sim, você pensa em me dar um beijo.
Viu, sorrindo, a filha sair da sala. Caminhou lentamente para a cozinha onde a empregada fazia um lanche.
- Olá, Fátima. Tudo bem por aqui?
- Está sim, Joyce. Quer que te prepare algo?
- Não, obrigada. Hã... alguém ligou?
- Sim, a Lisa ligou.
Jô ficou alerta.
- O que ela queria?
- Pediu para falar com Mariana. Ficaram um bom tempo no telefone.
Jô sentiu uma raiva dentro de si, mas manteve o rosto impassível.
- Bom... Ok, então. Depois ligo para ela.
Saiu da cozinha possessa. Lisa sempre ligava para Mariana, mas nunca a chamava. Tudo bem que era melhor assim, mas achava isso ridículo. O que tinha elas conversarem? Aliás, elas precisavam conversar. Ambas fugiam do confronto. Sentia tanta falta da loira! Vê-la acabara com suas defesas. Olhou para o telefone e o segurou. “Mas... o que dizer?” “Lisa, tô namorando. Pois é ninguém aqui em casa sabe ainda, mas já não tá dando pra esconder mais não. Quanto a nós? Bom, eu... eu te amo... e preciso de você.” Bateu o telefone. “Você é ridícula, Joyce. Que mulher sã vai aceitar ser a outra? Deus quero Lisa!” gemeu baixinho. “E quero Carlos”.
Mariana entrou na sala e viu a mãe perto do telefone.
- Mãe? Joyce ouviu alguém a chamando ao longe. Balançou a cabeça ao ver Mariana perto dela.
- Hum... hei linda! Ah, de rosto lavado! - ajoelhou-se e tascou um beijo longo no rosto da filha. Mariana riu deliciada e as duas começam a brincar, rolando pelo chão. Após um tempo, cansadas, Jô perguntou à filha que estava em seus braços.
- Soube que Lisa ligou para você. Que ela queria?
- Ah, saber como tô na escola, se tô bem, dizer que me ama muito - respondeu a criança, feliz Jô sentiu uma onda de ciúmes dominá-la, mas se controlou.
- E... ela perguntou por mim?
- Não, mãe. Mãe... por que Lisa não vem mais aqui? Às vezes a vó me leva lá na casa dos padrinhos, mas Lisa não vem mais aqui.
Joyce ficou desconcertada. O que responder?
- Bom, Mariana, eu e Lisa tivemos uma briguinha, mas vamos resolver. Nada sério viu. Logo tudo fica bem.
- Mas mãe, você mesmo disse que brigar não resolve nada. Se bem que vive gritando né.
- É mesmo, senhorita Mariana? - Joyce se apoiou no cotovelo e olhou a filha ameaçadora.
- Sim e também diz que não se deve falar palavrão e sempre fala!
- Ah menina, me respeita, viu! Não faço isso.
- Faz.
- Não faço!
- Faz.
- Vou te mostrar como faço - Jô fez cócegas na filha, fazendo-a rir e rolar pelo chão.
Mais tarde, observando Mariana assistir desenhos Joyce volta novamente o pensamento à Lisa. As coisas não podiam ficar como estavam. Estava decidido. Sábado ira procurar Lisa e conversar. Tinha certeza que juntas achariam uma saída para toda esta bagunça que se colocaram. Afinal... eram amigas, certo!?

 “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”
 (Eduardo Galeano)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Capitulo XXIII

Lisa chegou à casa ensopada. Correu para o quarto, tomou um banho quente e pôs um roupão. Só então estranhou o silêncio da casa. Foi até a sala e viu o bilhete preso à televisão: “Estamos na casa de seu tio Armando. Qualquer coisa ligue. Beijos, Papai e Mamãe.” Olhou para os lados rindo e imaginando onde estaria a criancinha que eles pensavam ainda ter em casa. Foi ate a cozinha e abriu a geladeira. “Hum, vamos ver o que tem para comer”. Nesse momento ouviu a porta da frente se abrir. Olhou para trás e viu Junior surgir na entrada da cozinha. Os dois se encararam em silêncio. Depois Lisa viu o irmão virar as costas e sair em direção ao quarto. Baixou a cabeça e fechou a geladeira. De repente já não sentia mais fome.
Joyce por sua vez caminhava em direção à casa de Lisa. “Meu Deus, que dilúvio! O mundo está acabando.” Perdera a hora e não fora a faculdade. Esperava encontrar Lisa em casa também. Não acreditava que tendo passado mal no dia anterior ela tivesse saído, ainda mais com a chuva que caia. Tocou a campainha e viu a loira surgir a sua frente.
- Lisa! Não me diga que saiu hoje! - disse ao ver a loira com o cabelo molhado. Lisa a encarou surpresa. Não imaginava que a morena fosse aparecer à sua porta ainda pela manhã.
- Ah... Olá, Jô. Entra.
- Está sozinha? - Jô perguntou dando-lhe um beijo no rosto e olhando para os lados.
- Não... Junior está no quarto. Não foi à faculdade hoje?
- Não... dormi mais que a cama - respondeu a morena se jogando no sofá. – Como você está? Não me respondeu se saiu hoje.
- Claro que sim. Fui à faculdade, uai.
- Doida! Passa mal ontem e hoje sai e ainda com este tempo? Não tem juízo, Li?
- Ah, para, Jô. Já estou em casa, sã e salva.
Sem querer, sua mente se voltou à morena da biblioteca. Que loucura! Olhou para Joyce e pensou em lhe contar o que acontecera, mas depois resolveu se calar.
- E você? Por que perdeu a hora?
- Por quê? - Joyce olhou rindo para ela. – Porque dormi demais.
- Por quê? Dormiu tarde? - Lisa fez cara de inocente.
- Hã... dormi sim. Estava sem sono.
- Por que sem sono, Jô? Você não é de perder sono à toa.
- Às vezes perco, oras. Mas me diga, você está melhor mesmo? Me deixou muito preocupada ontem, loirinha - Jô tocou delicadamente o rosto dela. Lisa observou Jô com olhos semicerrados. “Será que ela não vai me contar que saiu ontem?”
- Estou bem, Jô... Estou bem. Ah... e você? Tudo bem? Que fez ontem depois que foi para casa?
- Eu? - Jô a olhou desconfiada. –Eu? Nada. Eu li um pouco, fiquei com Mariana, aproveitei para por a conversa em dia com minha mãe. Por quê?
- Nada... - a loira percebeu que Joyce não sabia que estivera em sua casa e silenciou. Seu coração se oprimiu. “Porque ela não me conta que saiu?”
- Li você me disse que queria me dizer algo. Bom, tô aqui.
Lisa a encarou em silêncio, o que deixou Joyce ansiosa.
- É sobre você ter passado mal ontem, né. Sei que andou angustiada e por minha causa, porque andei distante, mas saiba que sou eu mesmo. Eu ando cheia de coisa na cabeça e fico perdida. Acabei por descuidar das pessoas que gosto. Você não é a única que reclama sabe. Mariana, mamãe estão sempre reclamando dizendo que estou impaciente, nervosa. Mas olha, vou mudar. Quero que saiba que não vai se repetir e...
Lisa interrompeu Joyce.
- Mamãe já sabe da gente.
Joyce a olhou em choque. Abriu e fechou a boca várias vezes. Percebeu o cérebro lento como se não assimilasse o que acabara de ouvir.
- Co... como?
- Mamãe sabe da gente. Eu contei ontem.
Joyce sentiu o ar lhe faltar. Pôs a mão sobre o coração sentindo-o acelerado. Olhou Lisa e tentou falar, mas a voz não saia. Tentou se levantar, mas as pernas estavam paralisadas. A loira observava-lhe cada gesto. Sabia ter sido muito franca ao falar, mas não vira outra forma de introduzir o assunto.
- Co... mo contou? Eu... contou da... gente? Mas... eu... não me disse!
- Não disse o que, Jô? Foi de repente. Ela me pôs na parede para saber se era verdade que éramos namoradas. Acabei assumindo que sim.
- Mas... como? Como sabe? Ela desconfiava? Por que ela desconfiava? QUE LOUCURA É ESTA, LISA? Joyce começou a gritar em desespero.
- Calma Jô, não precisa gritar.
- Não precisa? NÃO PRECISA! Você desmaiou Lisa, e EU não posso gritar?
Lisa se calou. Viu Joyce se erguer do sofá e andar de um lado ao outro na sala.
- Devia ter negado Lisa. Devia ter negado. Meu Deus!! - pôs a mão na boca. – Meu Deus! Lisa... não pode acontecer isso! Que faço? Meu Deus!
- Calma Jô. A mãe aceitou bem - Lisa tenta tranquilizá-la
- Bem? BEM? Agora sei por que ela foi grossa comigo ontem! Claro, receber a mulher da filha. A mulher da mulher que por acaso é filha dela. Puta que pariu!!! Tô fudida. Tamos fudidas.
- Calma Jô. Eu disse que ela aceitou porra. Fica calma.
Jô parecia não escutá-la. De repente se vira em direção a ela.
- Quem contou a ela? Diz Lisa, quem contou? - gritou agarrando-lhe os braços.
- Jô, você está me machucando. Me solta. - Lisa gritou, soltando-se com um safanão.
- A culpa é sua, Lisa! É sua! Sempre querendo assumir. Deve ter dado bandeira! Queria isso o tempo todo! Você me sacaneou. Só pensou em você!! Lisa a olhou em choque.
- Tá louca, Jô? Nunca faria isso! Não dei bandeira como diz e nem fiz nada por suas costas.
- Não quero isso! Não quero que me vejam como sapata!!!! Você devia ter desmentido até a morte, porra. Você é foda. Droga... não acredito nisso.
Lisa a olhou como que não acreditando no egoísmo de Joyce. Acabara de contar que sua mãe descobrira delas e tudo que a morena sabia pensar era que não queria ser vista como sapata. Sentiu uma tristeza enorme e respondeu desanimada à Joyce.
- Eu não tive como desmentir. Desmaiei.
Joyce a olhou em silêncio. Não queria acreditar que aquilo estava acontecendo. “Meu Deus, o que dona Paula devia estar pensando! Não quero isso. Isso não está acontecendo”.
- Lisa, você tem que desmentir. Diga que foi paranoia sua, sei lá, inventa algo.
- Impossível Jô. Já está feito. A questão agora é... você está nessa comigo?
Joyce a olhou assustada. Como assim nessa? Lisa só podia estar louca!
- Tá louca Li? Sou mãe! Tenho mãe! Não consigo nem imaginar elas descobrindo isso! E a faculdade?? E... e... as pessoas!! NÃO. Não posso. Deus Li, não posso... tá louca?
Sentou no sofá e cobriu a cabeça com as mãos. Lisa a olha sem acreditar nas atitudes da morena. Tentava assimilar o que ela dizia, mas tudo que lhe vinha à mente era. “Ela está me deixando só nessa.”
- Jô... onde esteve ontem à noite? Joyce ergueu a cabeça surpresa.
- Como?
- Onde esteve ontem à noite. Sei que saiu. Estive em sua casa.
Jô ergueu-se enfurecida. Inflou o peito e gritou.
- Quer saber o quê??? Me solta uma bomba dessa e vem me questionar onde estive? Vá à merda, Lisa. Vá à merda. Quero sair daqui.
Saiu revoltada da casa de Lisa batendo a porta. Onde estivera a noite passada era o de menos. O que não queria e não iria acontecer era ser apontada como a sapata do bairro. Começou a chorar em desespero. “Meu Deus, Lisa o que você fez? O que você fez comigo?” Sentia o coração bater descompassado. Lisa conseguira. Estragara tudo. Ela não nascera para ser apontada na rua como “a diferente”. Já prejudicara sua vida uma vez e não faria isso novamente. Começa a respirar fundo. “Bem Jô, vai calma. Para tudo existe saída”. Pensou em Carlos. Sentia-se bem com ele, adorava suas conversas seu jeito alegre e ao mesmo tempo responsável. Tentou analisar seus sentimentos. Gostava dele... na verdade, sentia atração por ele. Era seu maior conflito. Como se sentir atraída por uma mulher e por um homem? Isso existia? Passou a mão nos cabelos. “Claro que existe, né Joyce, songamonga. Você está!” Pensou, batendo a mão na testa. Mas... e o amor? Bom... amor se conquista com o tempo... é isso. Ergueu o queixo. Olhou para trás e viu a casa de Lisa ao longe. Baixou a cabeça. Mas... Meu Deus. Lisa em seus braços, seu toque cheio de paixão. Sentiu um frêmito dentro dela ao lembrar. Porra há quanto tempo não fazia amor com Lisa. Burra, fugindo dela estas semanas se privara do prazer de estar em seus braços. Balançou a cabeça energicamente. Para Jô. Volte aos prós e contras. Lisa te cobra mais que pode dar. A vida com ela seria sempre conflituosa, com pessoas olhando de lado, ouvindo criticas e sendo vítima do preconceito. Sua filha seria sempre hostilizada na escola e ela... ela seria sempre apontada como a sem vergonha que sempre fez as escolhas erradas na vida. Já vivera isso e as recordações não eram as melhores. Aliás, nunca mais queria sofrer como no passado. E Carlos... sentiu o coração aquecer. Carlos era a oportunidade de consertar todos os erros que cometera. Soltou o ar lentamente, pois sem o perceber prendera a respiração. Foi como se então colocasse para fora todas as incertezas. Com tristeza de quem sabe que não existe outra saída voltou o olhar para frente e virou a esquina em direção a sua casa. “Eu te amo, Li, mas não posso... e vou fazer o que é certo. Um dia me dará razão.”
Lisa estava sem ação. Joyce tivera uma reação que não esperava. Pôs a mão na testa e a esfregou. Sentou-se no sofá e sentiu lágrimas virem-lhe aos olhos. “Meu Deus, ela vai me deixar... ela vai me deixar!” A angustia tomou conta de todo seu ser. O que fazer? Como... que atitude tomar frente a tudo que estava acontecendo? Ela amava Joyce, não queria perdê-la. Escondeu o rosto com as mãos e sentiu lágrimas quentes entre os dedos. Soltou um gemido angustiado. Foi quando braços calorosos lhe abraçaram os ombros. Ergueu a cabeça e viu Junior a olhando solidário. Lisa resistiu de inicio. Depois, entregue, enlaçou a cintura do irmão e chorou. Ergueu a cabeça, triste.
- Desculpa Ju.
- Shiii... Tudo bem Li. Tudo bem.
Não disseram mais nada. Ali permanecem, unidos, pelos laços de sangue e de amor.

 “A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal de que somos feitos.”
 (George Bernard Shaw)