Deise
sorri enquanto saboreia o creme de chocolate
-
Cara, adoro isso – Lambe os dedos gulosa.
Lisa
olha a ruiva com carinho. A noite entre elas fora deliciosa e maluca.
-
Não sei como consegue comer isso pela manhã.
Deise
a olha divertida.
-
Sou chocólatra amor.
Um
pouco depois deixa o lanche de lado e coloca o cotovelo sobre a pequena mesa,
encarando Lisa.
-
Você é linda... Nua então, uau!
A
loira sorri um pouco sem graça. Elas lanchavam nuas.
-
Você também é linda, Deise.
A
ruiva recosta satisfeita na cadeira.
-
Show perfeito, noite perfeita... – Olha Lisa com carinho. – Mulher perfeita.
Lisa
estende a mão e toca-lhe o rosto com carinho.
-
Você foi maravilhosa Deise. É muito boa em... – Para a frase sem saber
exatamente como continuar.
-
Fazer amor? – Deise completa com um olhar brincalhão cheio de expectativa.
-
Sim... Isso também. Você... É experiente com mulheres.
-
Nem tanto Lisa. Você que é uma grande motivação a fazer meu melhor. – Sorri
colocando o queixo sobre a mão. – Na verdade, tive poucas mulheres. Você é a
terceira e mais perfeita.
Lisa
se mexe na cadeira constrangida.
-
Terceira... Sabe, não consigo mesmo entender como alguém pode se atrair pelos
dois sexos.
Deise
a olha tranquila.
-
Lisa, desisti a muito de tentar entender também. A verdade é que, da
mesma forma que lésbicas e gays querem ser compreendidos em sua preferência,
nós bissexuais também queremos ser aceitos nas nossas.
Lisa
coça a cabeça num gesto de incompreensão.
-
Sei lá... acho estranho. – Olha Deise sorrindo. – Me lembrava de você tão
quietinha! Tão... Tão...
-
Certinha? – Novamente Deise complementa a frase sorrindo. – Mudei bastante estes
anos Lisa. Decidi correr atrás de meus sonhos, minhas metas se tornaram um
grande incentivo. Sabe, o mundo musical é mais promiscuo que pensa. E no
primeiro momento de êxtase, por fazer parte dele, me deixei levar por
isso. Hoje não mais. Mas, de certa forma, me tornou alguém mais livre,
mais liberal entende.
-
Não muito. Mas dá para imaginar.
-
Hoje sou seletiva. – Deise a olha séria – Nunca durmo com alguém sem
sentir um grande envolvimento. E muito menos na primeira noite.
Lisa
a olha com um olhar irônico e zombador. Deise levanta as mãos rindo.
-
Sei o que está pensando. Mas deve entender que estar com você aqui e agora é a
realização de uma fantasia, de um desejo bem antigo. Nunca me arrependerei
desses nossos momentos.
-
Muito menos eu, Deise. Muito menos eu.
As
duas sorriam e um silencio gostoso se faz presente. Deise se ergue e caminha em
direção a cama, sem nenhuma vergonha da nudez. Lisa sorri. Era sardenta
demais. E isso era um charme.
Suspira.
Devagar e sem perceber, esfrega a mão na testa.
-
Lisa... Tudo bem?
-
Tudo Deise... Eu... Sabe, na verdade estou sem saber como agir.
-
Lisa... Eu vou embora hoje. Tenho uma serie de shows. Estou em turnê.
Mas... Queria manter contato... entende?
A
loira a olha surpresa e ao mesmo tempo tensa.
-
Deise... eu adoraria manter contato com você ...eu...mas... não saberia... –
Suspira e a olha firme. – Não saberia dividir você com... pessoas.
-
Quer dizer homens, né. Lisa, eu estou só. Acho que devíamos nos dar essa
chance. Gosto de você. Tenho um super carinho aqui. – Poe a mão sobre o
coração.
-
Deise... até quando se contentaria com uma mulher? E se sentir falta do homem?
-
Lisa! Seu pensamento é preconceituoso! Não devia ser assim. Se quero estar com
você é porque VOCÊ me satisfaz. Não vou querer outro ou outra.
-
Mas... Quantas vezes nos veríamos Deise? E as tentações por que passa? Vi como
as pessoas se jogam para você.
-
Ah Lisa... existe fidelidade e amor também no meio artístico, por mais
difícil que seja acreditar nisso. – A ruiva a olha agora tensa - Sabe o que
penso? Que na verdade não quer se envolver.
-
Que isso Deise! Sou solteira! – Engole em seco.
-
Justamente por isso deveria era curtir a idéia, e não achar empecilhos. Olha
que sou bom negocio! – Rindo faz uma pose sensual.
Lisa
a olha divertida e mais uma vez engole em seco. Deise era o sonho de muitas
pessoas no Brasil e sabe mais onde. Por que ela hesitava?
-
Lisa... - Deise se aproxima dela e a abraça. – A ultima vez que dei em cima de
você também era solteira lembra?
Lisa
a olha triste e nada responde.
-
Tentava me dizer, e ainda hoje diz que era por que eu era sua paciente. Mas a
verdade é que já gostava da doutora. Sabe, minha intuição me diz que,
novamente, cheguei tarde demais em sua vida.
Lisa
abaixa a cabeça e a abraça também.
-Deise...
você sempre foi uma pessoa tão linda... por dentro e por fora.
-
Eu sou Lisa... mas isso não é o suficiente para você. - Ergue a cabeça da
outra. – Você ama alguém.
Lisa
balança a cabeça em negativa.
-
Lisa, eu estou afirmando. Você ama alguém. Ah amor... Não perde tempo.
Você, mais que ninguém, sabe que a vida sempre nos reserva muitas surpresas.
Umas boas, outras nem tanto. Pode amanha não ter a oportunidade que lhe é
dada hoje.
A
loira arregala os belos olhos cor de mel.
-
Eu...
-
Pode amanhã esta pessoa não a querer mais Lisa... É isso mesmo que quer? Porque
se é, agarre-me agora e viva o presente que lhe é oferecido.
Lisa
a olha angustiada.
-
Agora se não é isto que quer amor, vá embora. Guarde estes nossos
momentos com carinho, como eu mesmo guardarei, e lute... Lute por sua
felicidade.
-
Deise... você... eu...
-
Foi lindo! – Deise sorri agora triste - Lisa recebi um presente esta noite.
Tive você em meus braços. – Esfrega lhe os braços carinhosa - Amor, não posso
dizer que te amo... Mas com certeza mora em meu coração, como alguém muito
querido.
Lisa
fecha os olhos. Outra pessoa a amava. Profunda e sinceramente. E ela fugia
disso.
-
Deise. Você trouxe luz a meu coração. Eu... também te tenho em meu
coração. Obrigada por tudo... tudo mesmo.
A
ruiva sorri.
-
Isso dá uma musica. – Suspira desalentada. – Bom... acho que nosso
momento passou. – A olha delicada. – Me guarde em seu coração, Lisa.
Porque sempre estará no meu.
Mariana
olha a madrinha triste. Lisa não passara a noite em casa.
-
Bom madrinha... eu estava com saudades de vocês... Me desculpe a distância.
-
Eu entendo querida – Paula sorri e lhe segura a mão.
-
Eu... – Mariana a olha desamparada. – Eu a amo mesmo madrinha... amo
Li... mas... tem o momento que nada mais nos resta, né.
-
Mariana... filha... – Paula a olha tensa - Eu nunca imaginaria que isso tudo
aconteceria...
-
Eu que nunca imaginei minha mãe e Lisa juntas.
-
Filha... Lisa sofreu muito quando sua mãe a deixou. Tenho certeza que
nunca mais tiveram nada. Tentaram resgatar a amizade, e isso me deixou
satisfeita. Mas hoje... Não sei nem se isso é possível.
-
Madrinha... – Mari a olha desamparada. – Você acha que... que... é
possível Lisa... ainda amar minha mãe?
-
Como mulher não, Mariana. Lisa viveu muitas coisas no tempo que ficaram
separadas. Coisas boas e ruins, mas que a tornou a pessoa que é hoje.
Ainda assim, conheço minha filha e sei como é rancorosa. Ela jamais confiaria
em sua mãe. Não como mulher. Talvez como amiga, mas não como mulher. Surpreenderia-
me muito se ela perdoasse Joyce e mais ainda... Surpreenderia- me ainda mais
sua mãe querer estar com Lisa.
-
Minha mãe... ela... ela... acho que ela ama Lisa, madrinha. – Os olhos de Mari
se enchem de lágrimas.
-
Pode ser filha. Mas um amor que não foi destinado a ser realizado, por suas
próprias escolhas. E sem estas escolhas ela jamais será feliz. –Paula a
olha com carinho – Mariana... você também deve buscar a sua felicidade. Ela não
depende dos outros, de Lisa... depende de você.
Mari
abaixa a cabeça conformada. Em outras palavras a madrinha dizia para perder
qualquer esperança em relação à Lisa.
-
Eu... tenho que ir. Dá um beijo no padrinho por mim.
Mariana
caminha arrasada pelas ruas. Arriscara todas as cartas ao visitar os padrinhos
pela manhã. No fundo, guardava a esperança de Lisa estar em casa. A dor que
tomara conta de seu coração, ao perceber que esta não estava ainda a
machucava. Lisa, com certeza, estava com a ruiva.
Ela
perdera. Na verdade, nunca tivera nenhuma chance. Apenas em seus sonhos
acreditara existir alguma. O momento de paixão no sitio nada significara. Essa
era a realidade.
Senta-se
sobre o banco na parada de ônibus. Discretamente enxuga a lágrima no canto do
olho.
-Você
está bem?
Mariana
olha para o lado sem graça. Uma jovem simpática a olhava com ar
preocupado.
-
Eu... estou sim... é que... entrou um cisco em meu olho.
-
Hum... quer que eu olhe?
-
Não! Eu... Acho que já saiu. Obrigada. – E volta o olhar para frente.
-
Meu nome é Nadia.
Mari
olha de novo a jovem que agora lhe estendia a mão.
-
Mari – Aperta-lhe a mão educada.
-
Hoje o ônibus está demorando. – Nadia olha para frente um pouco impaciente –
Daria tudo para ter um carrinho nesse momento. Podia ate ser um fusca.
Mariana
a olha sem responder. A jovem era... bom... interessante por assim
dizer. Percebia em sua fala um ligeiro sotaque. Nadia, sem ter resposta,
a olha indagativa.
-
Tudo bem?
-
Eu... estou sim... é que pensei se, de repente, já a conhecia.
Nadia
sorri. Os dentes eram tortos, dando-lhe um ar de moleque, que se intensificava
por conta dos cabelos curtos.
-
Na verdade, já pegamos onibus juntas neste mesmo ponto. Mas nunca conversamos.
Obvio né. – Dá uma pequena gargalhada.
-
Bom... falamos agora.
-
Verdade... graças a um cisco no olho – E a olha compreensiva.
-
Verdade. – Mariana a olha sem graça. – Você está com pressa?
Nadia
olha o relógio.
-
Estava. Passado. Ia ao cinema, mas agora com certeza não chego a tempo. E
você... Está?
-
Não... nenhuma...
-
Que tal um sorvete? Topa? Sempre é bom adoçar a vida. Fica mais alegre! E de
quebra ganha uma boa companhia.
Mariana
não consegue conter a risada.
-
Nossa... como você é modesta.
-
Constatação Mari. Então... topa?
Mariana
se ergue do banco decidida a relaxar e ter um dia sem tristezas.
-
Vamos nessa.
As
duas conversam animadas na sorveteria. Nadia fazia Educação Física, era
filha única e também praticava vôlei.
-
Adoro vôlei Mari. Mas, infelizmente, sou baixa. Senão, investia no
esporte.
-
Qual sua altura?
-1,74.
– Nadia sorri debochada. – A realidade é que nem sou tão boa assim. Mas adoro
me enganar. E você?
-
Eu? Só malho três vezes por semana. Tenho tempo curto.
-
Bom... O que faz já dá o efeito necessário. Você esta super em forma. – Sorri
insinuante.
Mariana
a olha apertando ligeiramente os olhos. Era impressão sua ou a jovem a cantava
discretamente? Observa melhor a outra. Não era bonita pelos padrões da
sociedade. Magra, mas curvilínea, a pele muito morena, quase mulata, e os
olhos castanhos. Mas algo nela cativava a primeira vista. Talvez o sorriso
aberto e despretensioso, ou a postura elegante. O cabelo curto expunha a
nuca bem feita e o pescoço longo. Sim... Ela tinha muito charme.
-
Passei?
-
Como?
-
Você me analisava com bastante precisão. – Sorri divertida.
-
Er... eu... bom... tem a cor de pele linda.
-
Minha mãe é negra. Meu pai alemão azedo. Mistura legal.
-
Exótica.
Nadia
arregala ligeiramente os olhos. Depois sorri.
-
Verdade. Até ano retrasado vivi na Alemanha. Como meu pai aposentou mudamos
para cá.
-
Sério? E não sente falta da Europa?
Nadia
coloca cabeça de lado a olhando fixo.
-
Mari... o povo lá é muito frio. Nunca puxaria papo com alguém num ponto de
ônibus. Eles desconfiam de tudo e todos. Gosto da receptividade do brasileiro.
-
Sua mãe é daqui?
-
É sim. Nossa, isso estava delicioso. –E raspa a vasilha. – Olha, estou
com dois ingressos para o vôlei amanha. Brasil e Cuba. Topa?
Mariana
se surpreende com o convite. Porque não! Não tinha nada a perder!
-
Topo. Vou adorar.
A
partida de vôlei foi o inicio de uma amizade entre elas. Logo saiam juntas e se
divertiam. Tinham gostos parecidos e riam dos mesmos assuntos. Mariana
esforçava para se desligar da tristeza, procurando evitar tudo que a fizesse
lembrar Lisa. Nadia percebia os olhos da nova amiga, muitas vezes distante e triste,
mas em vez de pressioná-la pelo motivo, procurava distraí-la. Logo a confiança
se fez presente. Sem saber, ambas se ajudavam, se apoiavam.
Isso
era o melhor da existência física. O encontro de almas amigas, sinceras, que
engrandeciam e faziam a vida valer à pena. Se a tristeza existia, também
existia a sinceridade, a amizade, a oportunidade de sempre poder conhecer
alguém que nos acalenta o espírito.
O
amor está presente, onde menos acreditamos o encontrar.
Ela acreditava em anjo e, porque
acreditava, eles existiam.
(A Hora da Estrela)
(A Hora da Estrela)