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sábado, 16 de agosto de 2008

Capítulo XIX

Lisa entrou em casa sentindo uma grande apreensão no peito. Respirou fundo e olhou ao redor. A sala estava vazia. Ouviu um barulho na cozinha e caminhou para lá sentindo a cada passo as pernas mais pesadas. Sentiu uma vontade louca de desistir de tudo e fugir para seu quarto trancando a porta para sua duvidas, seus conflitos, enfim, sua vida real.
- Lisa é você? Ouviu sua mãe a chamar e o coração disparou. Esfregou a mão na testa. ‘Coragem Lisa’.
- Sou eu mãe, está só?
- Sim, filha. – Paula viu a filha entrar na cozinha e enxugou a mão no pano de prato. – O jantar está pronto. Vai comer agora?
- Err... não... eu... eu estou sem fome - Lisa a olhou em expectativa. – Mãe os meninos vem comer aqui?
- Só o Junior. Fernando está cobrindo algumas aulas de um colega e só volta mais tarde.
Lisa sentou na cadeira e observou a mãe arrumando a mesa. Sentiu um bolo enorme na garganta e ao levantar os olhos percebeu sua mãe a lhe encarar. Ela lhe sorri e Lisa sentiu os olhos se encherem de lágrimas. ‘Deus, não quero perder o amor de minha mãe’.
- Mãe... eu... eu...
- Lisa...
- AMORES DE MY LIVE! Lisa saltou da cadeira apavorada segurando a faca que estava a sua frente em punho.
- PAIIIIII EU TE MATO! - Gritou, vendo o pai segurar a barriga de tanto rir. Lisa olhou indignada para a mãe, mas a viu olhar o marido com um sorriso complacente de quem já está conformada com as atitudes inesperadas dele. O pai lhe deu um grande abraço de urso tirando a faça de sua mão.
- Lisa, minha amada filha, cuidado com esta faca. Não sabia que tinha pensamentos assassinos com seu próprio e amado pai.
- Meu querido e amado pai, descobri hoje que te acho uma tremendo de um crianção insuportável! ME SOLTA!
- Que isso menina foi só um sustinho.
- Me solta paiiii! – gritou Lisa tentando se soltar dos braços paternos.
- Só se me der um beijo – dizendo isso o pai encheu de ar a bochecha direita e a virou para o rosto de Lisa, que o olhou revoltada, mas, sem saída, estalou um beijo na mesma.
- Satisfeito? Agora me solta – o pai a soltou rindo e caminhando em direção a esposa, lhe dá um afetuoso beijo na boca. Lisa observou o carinho entre os pais e sentiu o aperto dentro de si aumentar. ‘Deus, não quero perdê-los. Eles vão me matar, não vão aceitar”. Virou-se e caminhou em direção à porta.
- Lisa não vai comer?
- Perdi a fome, mãe.
- Que isso Lisa, seu pai só brincou. Não é motivo para deixar de jantar menina! – Lisa olhou o pai que agora a olhava meio surpreso. Seu coração se enterneceu. Como era linda a relação dos dois. Que família maravilhosa ela tinha.
- Tem razão, mãe. Desculpe pai, é claro que vou jantar com vocês – sentou-se à mesa já se servindo de uma grande colher de arroz.

Joyce caminhou lentamente para o ponto de ônibus. Com os pensamentos vazios e um olhar distraído não viu o carro que parou ao seu lado.
- Carona, linda dama? - assustada, olhou para o carro e viu Carlos lhe sorrindo do volante.
- Não... Carlos obrigado eu... prefiro ir de ônibus, ok.
Carlos estacionou o carro, saiu e caminhou em direção a ela.
- Joyce olha, eu não vou fazer nada, só vou lhe dar uma carona, ok. Além que você não me deu o seu endereço para que eu possa lhe pegar na sexta.
- Me... pegar??? – Jô entrou em pânico. – Esta louco? Não quero você indo a minha casa! - ao perceber que gritara, avermelhou. – Err... desculpe... é que... bom eu... Carlos eu tenho uma filha. Não quero... bom... é isso. Sou mãe solteira e não quero que minha filha me veja com ninguém. Não agora. – fechou os olhos angustiada: ‘ Agora é hora do fora’. Sentiu então uma mão lhe tocar delicadamente o rosto e abriu os olhos. Carlos a olhava, ainda um pouco assustado com seu grito, mas tinha o olhar meigo.
- Querida Dama, eu já sabia que tinha uma filha. Mas veja, isso em nada faz diferença. Compreendo sua insegurança em que eu vá a sua casa, mas ainda assim precisamos marcar um local para nos encontrarmos, não acha?
Joyce o olhou surpresa, mas feliz. Não interessava onde ele buscou esta informação sobre sua vida, nunca foi segredo mesmo. Sentiu um calor aquecer seu coração e então suavemente, ainda sem graça tirou-lhe a mão do rosto.
- Conhece o Chico Mineiro, na Savassi?
- Sim, conheço – Carlos sorriu abertamente. – Chico Mineiro às... 20h de sexta. Está bom?
- Está ótimo! Combinadíssimo.
- Bem, então vou indo nessa? Tem mesmo certeza que não quer a carona? - Tenho Carlos, mas obrigada. - Tudo bem então. Beijos linda Dama. – Carlos se afastou lentamente, entrou no carro e com um gesto de até logo, partiu. Joyce observou o carro se afastar, respirou fundo e retornou o caminho ao ponto de ônibus, agora com os pensamentos em polvorosa. ‘Que roupa vou usar? Meu Deus, nossa, ele é lindo! Imagina ele em minha casa! - balançou a cabeça - Minha mãe ia infernar ate descobrir quem é de onde, como o conheci!’ riu deliciada. Mas de repente o sorriso morre de seus lábios e ela parou.
- Lisa... – disse baixinho. Um soluço subiu-lhe pela garganta e ela voltou a caminhar, agora mais rápida. Não percebeu que de seu rosto as lágrimas corriam livremente, extravasando todos os sentimentos contraditórios que tomavam conta de seu ser. E caminhou rápido, rápido ate correr... Como se tentasse fugir de seus demônios internos que insistiam em lhe torturar o coração e a mente.
Enquanto isso Lisa sentada à mesa se torturava imaginando como iniciar a conversa com sua mãe. Observa-a conversando com seu pai tranquilamente, mas não lhe escapava os olhares furtivos que lhe lançava a toda hora. Virou a cabeça quando ouviu a porta da sala ser aberta.
- Boa noite a todos – era Junior que chegava de mais um dia de trabalho. Seu irmão se tornara um belo homem. Nada musculoso, mas muito elegante. De terno então ficava um charme. Retribuiu o boa noite e pediu licença para se retirar da mesa. O irmão a acompanhou com o olhar e quando os olhos de ambos, tão iguais na cor e na doçura, se encontraram, Lisa sentiu uma paz invadir seu interior. Desde que há alguns anos Junior fora a seu quarto e confessara sua paixão por Jô, eles se tornaram mais próximos. Nunca mais, como num acordo tácito, o assunto fora novamente discutido entre os dois, mas para ela Junior há muito vencera o sentimento por Jô. Namorava agora uma colega de trabalho, advogada como ele, e parecia muito feliz.
- Você esta bem, mana? Parece agitada! - ‘ Bolas Junior, precisa ser tão perceptivo?’ pensou Lisa ao ver o olhar da mãe se tornar ainda mais atento à sua pessoa.
- Nada Ju, é só porque cansa muito ficar um dia inteiro na faculdade, só isso – e passou a mão na testa, esfregando-a fortemente. Olhou para todos. – Bom... boa noite vou para meu quarto, tomar um banho e deitar. Ao se retirar escutou a mãe a chamando e se virou lentamente para ela.
- Filha, não esqueci nossa conversa. Quando puder é só me chamar - Disse muito séria. Engoliu em seco e automaticamente relanceou um olhar para os outros membros da família. Seu pai comia como se nada a seu redor lhe afetasse e Junior... bom Junior olhava fixadamente sua mãe que mantinha uma expressão cautelosa no rosto. Depois virou lentamente o rosto cheio de indagações para ela.
- Está tudo bem? - Junior perguntou como se sentisse que algo muito importante lhe fugisse do conhecimento.
- Tudo Ju, é que eu... bom... apenas quero conversar com a mãe uns problemas que estou tendo ai. – ‘Porque estou me justificando? Ai Deus!’ pensou já sentido o suor frio em sua testa. – É... Valeu mãe eu falo depois desencana tá! Boa noite de novo gente. – e saiu quase fugida da cozinha.
Após um banho demorado Lisa, já mais calma foi à sala e ligou para Jô.
- Alô.
- Jô é Lisa, tudo bem? A loira estranhou o silencio súbito que se fez do outro lado - Jô??
- Lisa? her... desculpe é... é Mariana aqui, mas já resolvi. Está tudo bem sim e você?
- Um pouco agitada, mas bem. Ah... olha, vai ter uma festa lá na faculdade sexta feira da turma. É para acarretar grana pra formatura e eu já peguei dois convites pra nós, tá. Um silencio ainda maior se fez do outro lado da linha. – Jô? Jô?? Lisa tirou o fone do ouvido, o olhou indagadora e depois o pondo novamente repetiu. – Jô? Está ai?
- Ah... eu... tô... tô. Lisa olha eu... tô com uns problemas aqui. Depois te ligo e a gente conversa tá. Beijos. – E desligou o telefone. Sem ação, Lisa pôs lentamente o telefone no gancho. Sentiu um grande aperto no coração. A distancia de Jô nos últimos tempos nunca lhe parecera tão amedrontadora e essa sua atitude só lhe deixava ainda mais angustiada. Passou a mão sobre os longos cabelos e quando se virou para o corredor deu de cara com Junior que a olhava em silêncio. Pôs a mão sobre o coração.
- Meu Deus, os homens dessa família tiraram o dia hoje para me assustar.
- Lisa, eu queria falar com você. Tem um tempinho? – O irmão a olhava muito sério. Lisa o olhou apreensiva.
- Claro Ju. Tá tudo bem?
- Comigo sim. Podemos ir ao seu quarto? – E sem esperar resposta, caminhou em direção ao quarto, abriu a porta e disse: – Vamos?

 "Damos, muitas vezes, nomes diferentes às coisas: O que para mim são espinhos, vós chamais-lhe rosas"