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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Capítulo XIII

Mariana desce desanimada do carro. Não dormira nada. Se sentia jogada num limbo onde nada fazia sentido. Como sua vida podia mudar tão radicalmente? Sua mãe... Lisa. Olha a casa de seus pais e abaixa a cabeça. Lisa... ela perdera Lisa. E a culpa era de sua mãe. Volta o olhar para o padrinho que tocava o interfone. Olha para o outro carro e desanimada faz um gesto de despedida para a madrinha que, corajosamente, viera de Lagoa Santa a BH, ao volante.
- Carlos? Tudo bem? É Marcos. Vim trazer Mariana.
A jovem ouve o clique do portão sendo aberto. Logo Carlos surge, de short e camisa polo.
- Marcos!
Os dois homens se cumprimentam com um abraço. Mariana observa o rosto de Carlos e percebe que ele nada sabia. Marcos tem a mesma percepção.
- Hum... E então Carlos? E Joyce? - Pergunta olhando de soslaio para a afilhada.
- Pois é rapaz! A mulher está mal. Nunca vi Joyce com enxaqueca. Pensei ate levá-la ao hospital. - Olha a enteada sério. - Devia ter voltado com ela.
- Ela não admitiu, Carlos. - Marcos interfere rapidamente.
Carlos observa atentamente o rosto de Mariana. As olheiras profundas, o ar extremamente triste.
- Mariana... - Carlos se aproxima da jovem – Não foi exatamente uma enxaqueca, não é?
- Eu... Carlos...a gente... brigou.
- Eu sabia! A história estava muito estranha. O que aconteceu?
- Eu...minha mãe...- Olha o padrinho sem saber exatamente o que dizer. - Ah, Carlos, prefiro deixar para lá. Eu... estou cansada. Vou para meu quarto.
Carlos observa-a entrar na casa e se volta para Marcos, que lhe estende a chave do carro.
- O que aconteceu Marcos?
- Olha Carlos, isso é algo que deve conversar com sua esposa. Bom, tenho que ir. Apareça lá em casa.
- Claro.
- Até logo.
Carlos entra devagar em casa. O desespero de Joyce, a tristeza evidente de Mariana. Seja lá o que ocorrera entre elas, não fora pequeno.

Joyce ergue a cabeça do travesseiro ao ouvir a campainha. Mariana! Se ergue tensa. Volta o olhar para a porta e, desanimada, volta a se deitar. Não sabia o que dizer a ela. Não tinha como desmentir os últimos acontecimentos. Tudo lhe era escuridão. O que fizera de sua vida?
Levanta-se e caminha em direção ao banheiro, onde toma um banho demorado.
Ao voltar para o quarto, encontra Carlos sentado na cama.
- Vai me contar o que realmente aconteceu no sitio?
Joyce suspira tensa. A vontade de jogar tudo para o alto, se faz ainda mais presente dentro dela.
- Carlos... é algo que somente eu devo resolver.
- Joyce, eu quero saber o que aconteceu neste sitio. Primeiro você me alega uma dor de cabeça insuportável, e agora é Mariana que chega com cara de enterro. Me responda agora, o que aconteceu!
Jô o olha displicente. Responder agora? Quem ele pensa que é?
- Carlos, preste muita atenção no que EU vou lhe dizer agora. Não me interessa se quer saber agora ou depois. Não me interessa sua opinião. Estou cansada de suas exigências sem nada dar em troca. Estou cansada de investir em um casamento falido. Se está desagradado vá embora. Mas, preste atenção, eu só lhe darei a resposta que deseja, quando e se achar que devo.
Carlos arregala os olhos surpreendido. Não esperava o ataque de Jô.
- Sempre parte para ignorância, quando não quer falar em determinado assunto! - Faz uma cara de desgosto.
- Ignorância? Ignorância reconhecer que nosso casamento está uma merda? Que você nunca conversa, só impõe? - Jô faz um gesto de descaso - Carlos, eu não preciso de você. Não preciso de sua autoridade, de sua complacência fingida. Se me acha ignorante, a porta da rua está aberta
- Que quer dizer exatamente com isso Joyce?
- Que estou cansada! Cansada entendeu! - Joyce se vira violenta para ele. - Quer mesmo saber o que aconteceu? Pois eu lhe digo. Peguei Mariana aos beijos com Lisa.
- O...que????
- Exatamente. As duas estavam lá aos agarras.
- Eu... eu... eu to chocado! Aquela vaca!
Joyce dá um sorriso de escarnio.
- Vaca maior fui eu, Carlos. - Aproxima dura do marido. - Vaca sou eu, que mantenho esse casamento de fachada enquanto vejo minha filha trazer meu passado à tona.
- Não entendo – Carlos faz um ar de desentendido
- Mesmo Carlos? Não entende, ou finge não entender? Por que sempre teve birra de Lisa? Me responda.
- Exatamente pelo que acaba de me contar! Ela não tem escrúpulos! É uma sem vergonha.
- Carlos... você sempre a odiou, porque sabia que ela era a única que poderia me tirar de você.
- Como... como é?
- É isso mesmo! Você sempre soube Carlos. Sempre soube que tive um caso com Lisa!
- Cala a boca! Me recuso a ouvir isso!
- Por isso sempre me incentivou a manter a briga com ela. Por isso fez de tudo para afastar Mariana dos padrinhos.
- Já disse para calar a boca!
- Não calo! Estou cansada de aguentar seu ar superior, como se fosse melhor do que eu! Em que é melhor? Em nada! Acha que não sei de seus casos? Eu não aguento mais!
- Você está sendo ridícula.
- Ridícula? Eu gritei, Carlos, para todos ouvirem que Lisa foi minha um dia.
Carlos a olha nervoso e impotente. Não queria ter aquela conversa. Por anos conseguira ignorar tudo, toda a vida de Jô. Fechara os olhos, para sua certeza sobre o caso de amor de sua esposa e Lisa. Como ela ousava agora, trazer isso a tona?
- Você não quer conversar sobre isso. - Caminha angustiado pelo quarto.
- Sim, eu quero. Estou cansada. Cansada de fingir que tudo está bem. Eu... não aguento mais Carlos. O grito sai angustiado – Não aguento mais fingir que tudo está bem. Minha filha está naquele quarto me odiando. Estou cansada, e você... você é o menor de meus problemas.
Carlos engole em seco.
- Menor? Menor? Você é uma vagabunda, Joyce. Brinca com os sentimentos de todos a seu redor! Sim, eu sabia! Sabia de você e Lisa! E daí! Foi um momento adolescente, uma brincadeira sem grande consequências. - A olha raivoso - Eu te amava! A queria para mim. Lutei por isso e venci. Assim como sempre lutei por este casamento! Acha que é a única cansada?
- Chega Carlos.
O marido a agarra pelos braços, tenso.
- Não chega! Joyce, eu sou um cara bom! Eu quero ser feliz! Por que não suporta a ideia de ser feliz, mulher. Por que?
- Por que sem Lisa não sou feliz!!!!
Carlos a solta surpreso.
- Meu Deus! Quem é você! Com que me casei!
Joyce o olha entre as lágrimas. Carlos passa a mão sobre o rosto. Dentro de seu desespero, relembra o motivo da briga entre Jô e Mariana.
- Joyce, você nunca terá Lisa. Mesmo que eu seja o menor de seus problemas, você nunca terá Lisa. Sabe por que? Por que alguém mais nesta casa a quer. Sua filha. Até onde irá seu egoísmo?
Joyce lhe vira as costas
- Não adianta me virar as costas, Joyce. Você desistiu de nós? Tudo bem. Mas desistirá de sua filha? De seus filhos? Porque lutarei cada dia de minha vida por eles. Não deixarei serem criados por uma sapatão.
- Você é nojento Carlos! Você não merece ser feliz! - Joyce o olha com ódio.
Carlos a olha angustiado. Os ombros caídos mostram todo seu desespero.
- Onde errei Joyce? O que fiz de errado?
Jô engole em seco quando vê os olhos do marido marejados. Ela estava destruindo tudo. Tudo e todos.
- Deus...Deus... Deus...
- Eu...tenho que sair daqui. - Carlos abre a porta nervoso – Jô, eu não vou sair desta casa.
- Eu... não pedi isso...
A porta se fecha com um estrondo.

Mariana se sobressalta quando houve a porta batendo. Sabia que os pais estavam brigando. A vida se tornara um inferno. De repente, a porta de seu quarto se abre. A mãe entra a olhando em silêncio.
Mariana também a encara sem desviar os olhos.
- Mariana, não peço que me entenda, nem que me desculpe. O meu passado pertence a mim. Minha historia com Lisa é algo que... faz parte de mim. Somente de mim. E... exatamente por saber o sofrimento que passei, não desejo que passe o mesmo. É por amá-la, que lhe proíbo de se envolver com Lisa.
Joyce silencia, observando o rosto da filha. Nada. Nenhuma reação. O silencio se torna opressivo. Devagar se vira para sair do quarto. Não haveria diálogo entre elas.
- É só isso que tem a me dizer?
Joyce a olha angustiada.
- Filha, eu... cometi muitos erros nesta vida. Muitos mesmo. Mas eu a amo. Se …se soubesse que estava gostando de Lisa, eu teria de contado tudo.
- Teria mesmo, mãe?
- Sim... eu teria. Eu não posso negar nada. Realmente era eu naquele restaurante.
Mariana abaixa a cabeça.
- Quem ...era ela?
- Minha ex amante.
- Ex?
- Sim... já não estamos mais juntas.
O coração de Mari se oprime.
- Não? E por que?
- Resolvi... lutar por meu casamento. - Joyce espera que seu rosto não denuncie a mentira.
- Mentira!! Você fez isso, porque quer Lisa de volta! Diz que não é verdade!
- Pare com isso Mariana! Nada disso. Não quero saber do passado. Quero um futuro! É isso que quero.
- Você trai o Carlos! Que futuro tem nisso! Você... você gosta de mulher e casa com um homem! Que futuro tem isso? Como pode se orgulhar do que é mãe?
- Você não entende nada, Mariana! Se acha uma mulher, mas não passa de uma criança cheia de ilusões. A vida não é cor de rosa como pensa!
- Você e Lisa não precisaram se esforçar muito para me mostrar isso.
Joyce a olha tensa. Respira fundo, tentando controlar seu gênio forte.
- Você está enganada. Eu gosto de homem. Não me peça para explicar, mas gosto. As vezes me vem...este desejo pelo feminino, mas é passageiro. E…exatamente por ser assim comigo, SEI que com você é igual! Lisa não passa de um capricho seu. Se permita viver Mariana! Conhecer rapazes, pessoas. Você nunca se deu este direito e hoje sei que é por causa desse... dessa obsessão por Lisa. Acabou, entendeu! Não a quero perto de Lisa!
- Você não esta nem aí para o que sinto né mãe. Só importa você...você, você!
- Você também nunca tentou me entender, Mariana! Eu estou pensando em você!
Mariana dá um sorriso de desprezo.
- Sei... olha, não me interessa o que você pensa, não me interessa o que quer. Estou de saco cheio de tudo, e você mãe... você é sempre uma decepção.
Os olhos de Joyce se enchem de lágrimas.
- Um dia você me dará razão, filha.
Mariana a olha fria. Os olhos verdes estavam claros... muito claros.
- Olha, você acha que não tem que se desculpar, desmerece os meus sentimentos e ainda diz que te darei razão. Ok, se acha que é assim, tudo bem. Agora quem vai falar sou eu. - Olha a mãe sem conseguir esconder o olhar cheio de mágoa. - Eu te desprezo. Você é tudo que jamais serei em minha vida. Não importa os caminhos que vou seguir, tenha certeza que você nunca será meu exemplo.
Joyce engole em seco. Um soluço seco chega a sua garganta.
- Eu...eu sempre te amei filha... eu te amo.
- Que amor é esse mãe!!! - Mariana não consegue conter o grito. - Que amor é esse que só exige? Você, em nenhum momento, pensou o que estou sofrendo. Só sabe dizer que me quer longe de Lisa!
- Não quero que ela te faça sofrer como fez a mim! Você não entende!
- Mãe, olha para mim! - Mariana se aproxima de Joyce – Olha para mim... eu to sofrendo. Eu amo Lisa.
- VOCE NÃO AMA NINGUEM! - Joyce grita e começa a tremer angustiada. - Mariana do céu, que vida deseja para você? Lisa é velha, nossa senhora! Ela tem minha idade!
Mariana balança a cabeça desconsolada.
- O que me dói não é a idade dela, é saber que vocês... vocês... Por que sempre escondeu isso? Porque sempre foi tão preconceituosa quando você... eu não entendo!
Joyce engole em seco.
- Isso é passado. Erros do passado.
- Não tão passado assim! Ou não estaria agarrando uma mulher num bar!
- Foi recaída! Coisa de momento! Preste atenção! Não tenho que dar satisfação de minha vida!
- Muito menos eu minha mãe. Tenho dezoito anos, não preciso te dar satisfações.
- Você é minha filha! Mora em minha casa! E me deve satisfações sim! Enquanto eu quiser, entendeu!
Mariana a encara com ainda mais raiva.
- Se é assim, saio de casa. Isso não é problema. Mas na minha vida mando eu!
Joyce arregala os olhos. Como assim sair de casa?
- Não me faça rir. E pensa ir para onde, Mariana? Sua avó jamais irá contra mim, e seus padrinhos... depois de ontem, não acho que seja um bom lugar.
Mariana a encara mais arrogante que ela. Eram duas oponentes a altura.
- Tem razão mãe. Mas eles não são minha opção. Tenho um pai sabia?
- Pai? - Joyce ri nervosa. - Carlos jamais aceitará o que fez. Ele ficará de meu lado. Além que ele mora aqui menina.
Mariana a olha irônica.
- E por acaso Carlos é meu pai? Esqueceu dona Joyce, que você, que tanto preza satisfações, engravidou aos dezesseis anos com... Daniel? Meu pai?
Joyce abre a boca chocada.
- Como...como assim?
- Como assim minha mãe, que MEU pai não hesitará de abrir as portas de seu lar para mim. O que ele mais deseja é me conhecer mais e mais. - Mariana dá um sorriso ainda mais irônico. - Sabia que ele está bem de vida? Trabalha numa multinacional? Pois é... como vê, tenho sim, onde ir.
- Como... como? Como você conheceu Daniel? - Joyce começa a tremer e nervosa gesticula os braços.
- Não te interessa. - Mariana lhe vira as costas. Joyce a pega pelos braços nervosa.
- Não me vire as costas! Como conheceu este homem?
- Eu o procurei está bem? Queria conhecer o homem que me deu a vida.
- O homem que me destruiu!! E você... você... ousou procurá-lo? Conhecê-lo? Com que direito o conheceu?? Com que direito?
- O mesmo direito que tenho de lhe dizer. Me deixe em paz! Suma de minha frente! Olha, estou no limite! Sou capaz de sumir de sua vida e nunca mais voltar!
Joyce começa a tremer. Daniel. Segura a cabeça com as mãos, expressando no gesto, todo seu desespero.
- O que você fez comigo? Por que? Você... - Olha a filha horrorizada. - O que você fez?
Mariana a olha, tentando ignorar o sentimento de culpa dentro de si. Bastava pensar em tudo que acontecera no dia anterior, para que toda a raiva suplantasse qualquer sentimento de pena em relação a mãe.
- Fiz o que achei certo. Como disse, não te devo satisfação. Saia de meu quarto mãe. - Mariana aponta a porta.
Joyce arqueia os ombros totalmente apática. Seu passado voltara com toda a força a sua vida. Sem nada enxergar, caminha em direção a porta.
- E mãe! Não se preocupe quanto a Lisa. Não a quero mais. - Mariana sufoca a angustia que lhe bate quando profere estas palavras. - Ela é como você. Uma decepção. - A vontade de dizer que as duas se merecem fica entalada em sua garganta. Não daria Lisa de mão beijada a mãe. - Quero distância de vocês duas.
A porta se fecha devagar. O silencia é sepulcral. Mariana, finalmente, permite que as lágrimas escorram de seus olhos. Sentia-se traída, machucada.
Chega de lágrimas senhor... vou mostrar a elas que posso ser melhor. Eu vou ser melhor.

Joyce caminha como autônoma pelo corredor. Daniel... ele destruíra sua adolescência e seus sonhos. Carlos... Carlos os resgatara. Tudo estava tão errado. Lisa, Mariana... era absurdo.
Joyce encosta na parede. Mariana a odiava. Tudo estava errado. Filhos tem que amar os pais. Abaixa a cabeça arrasada. Não queria perder sua filha. E não sabia o que fazer, para que isso não ocorra. Tudo nela estava confuso, contraditório. A filha que amava, também era sua rival. E isso lhe desesperava. Queria agir como mãe, mas gritava e agredia como rival.
Pela primeira vez sente realmente, que seus caminhos estavam errados, suas atitudes também. E que, com sua arrogância, estava perdendo todos que amava. Todos que amava...
Sem pensar muito, volta para o quarto da filha e abre a porta num ímpeto. Mariana arregala os olhos e apruma o corpo, como a se preparar para a guerra. Joyce ergue a mão, tensa e entregue.
- Filha... eu… errei. Me desculpe. Tem razão, não tenho direito de exigir nada, mas... eu... - O rosto distorce com desespero - Eu não posso perdê-la. Você é minha vida filha. E eu te amo. Eu... peço que fique aqui, por favor. - Rompe num choro angustiante. - Mari...Mariana... eu... destruo todos que amo... por... por...favor... eu... vou melhorar... eu... me dê uma chance... eu... - Não consegue mais dizer nada. O choro é intenso.
Mariana a olha entre surpresa e angustiada. O coração doía, mas não conseguia perdoar a mãe... por mais que quisesse não podia.
- Eu... mãe... me deixe só. Eu...vou ficar... mas me deixe só.
A mãe faz um gesto afirmativo com a cabeça e, ainda em prantos, se volta e sai correndo do quarto. Mariana agarra a cabeceira da cama em desespero.
Como um momento tão mágico, tornara sua vida tão horrível? Como um momento único, destruíra todas suas crenças , suas filosofias? Como um momento tão especial, fora profanado pelo passado de sua mãe e de Lisa? Como um amor tão certo, tão único, perdera a força diante das provações da vida dos que nele estavam envolvidos?
'Será que realmente amo? Ou amo a ideia de amar?'

“Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.”