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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Capítulo VII

Mariana desliga o computador da empresa desanimada. Já fazia alguns dias que beijara Lisa num impulso, e fora pela mesma mandada embora. Ainda assim, não conseguia se arrepender de seu gesto. Tocar a boca de Lisa com a sua, sentir seu sabor, fora tao maravilhoso, tao único, que não conseguia pôr em palavras. Como Lisa não sentira o mesmo?
Levanta-se desanimada. Tentava achar coragem para ligar para ela, mas o medo era maior. Lisa ficara tao nervosa, tao chateada que não sabia como chegar nela. Pior é não ter com quem desabafar. Sheila, apesar de muito amiga, e ser toda ouvidos, não conseguia entender a verdadeira extensão do problema. Para ela bastava querer e pronto. Estava resolvido. Mas com Lisa tudo se complicava. E ainda tinha o problema de ser filha da ex melhor amiga dela, de a ter visto nascer, crescer e a merda a quatro. Será que ninguém, nesse mundo de Deus, percebia que ela crescera, que era uma mulher e que sentia como mulher? Que ela podia fazer se seu amor a vira criança? Ela era mais madura que muitas mulheres de trinta que andavam por ai. Mas não... na sociedade idade conta! Claro! Dezoito anos é sempre sinal de imaturidade. Que se dane se trabalha, estuda, é responsável e batalhadora. Se tem dezoito, você não passa de uma adolescente querendo ser gente. Poxa... tudo bem que ainda tinha seus momentos imaturos. Mas estava amadurecendo. E queria ser merecedora do amor de Lisa. Se esta lhe desse a chance, claro.
Mariana abaixa a cabeça sobre a mesa.
'Ah Lisa... eu posso te fazer feliz! Você devia acreditar mais em mim..'

Joyce novamente toca a campainha da casa de Marcos e Paula. Depois que vira Lisa no shopping não conseguia tirá-la da cabeça. Passara todo o dia pensando nela. Sem conseguir trabalhar resolvera ir vê-la. Não havia porque adiar mais o encontro entre elas. A sós claro.
- Quem é?
- Ei Paula, boa tarde. É Joyce.
- Joyce, minha filha, entre.
O portão se abre e Jô entra no ambiente tao familiar. Paula a recebe na porta.
- Como está bonita filha. - Joyce vestia um jeans negro e uma blusa indiana toda trabalhada a mão.
- Obrigada Paula. Eu... soube que Lisa está de volta e resolvi vir vê-la. Ela... está?
- Claro. Espere que vou chamar. Está... tudo bem né.
Joyce sorri procurando tranquilizar a mãe de Lisa.
- Eu vim com a bandeira de paz, Paula. Quero voltar a me dar bem com Lisa.
- Fico feliz com isso filha. Seria ótimo para todos nós. Mas espera que a chamo já.
Jô, impaciente, caminha pela sala. Tudo era tao igual à época de sua juventude! Observa um bibelô sobre a mesa de centro. Lembrava exatamente o dia que ela e Lisa foram comprar este presente para Paula. Um sentimento de saudade se instala no peito. Quando tudo mudara? Por que permitira o afastamento entre ela e a família de Lisa? Suspira. A vida às vezes parecia tao injusta.
Ouve um barulho nas suas costas e se vira devagar. Lisa a olhava um pouco surpresa. As duas falam ao mesmo tempo.
- Oi Lisa.
- Oi Jô
Sorriem ante o acontecido. Devagar a loira se aproxima.
- Surpresa sua visita. Tudo bem?
Jô, sem pensar muito em sua atitude, se aproxima tambem e lhe beija o rosto carinhosa.
- Desde ontem, quando encontramos no shopping quis vir vê-la. - Observa-a cautelosa – Explicar o que viu... tudo.
Lisa sente a opressão no peito voltar. Segurando a vontade de tocar o rosto onde Jô beijara, balança a cabeça numa negativa.
- Que isso Jô. Não me deve satisfação.
Jô, devagar, caminha até o sofá onde se senta.
- Bom Lisa, se acha que não devo satisfação... bom... na verdade eu queria conversar com você. Posso? É um assunto sério.
Lisa observa Joyce cruzar as pernas no sofá. 'Que droga. Até o cruzar de pernas dessa mulher é sensual! Não conseguia entender porque, depois de tantos anos, começava a enxergar Jô novamente como uma mulher sensual e atraente, além de bonita claro. Senta-se frente a morena.
- Pode, claro. Algo a ver com... Mari?
Joyce a olha surpresa.
- Mariana? Por que pensou poder ser Mariana?
- Eu... bom... sei lá... quando cheguei ela estava aqui...e … e.... parecia confusa e... ah sei la Jô. Achei que podia ser ela. - Lisa gaguejava sem graça.
'Merda, só faltava essa. Quase traio a confiança de Mari'
- Na verdade... - Jô a olha insegura – Na verdade, é um dos assuntos que gostaria de discutir com você. - Olha para a porta que dá para a cozinha – Será que... não teria um lugar mais … discreto para falarmos?
- Hum... ok. Vamos a meu quarto.

Jô entra no quarto e se encanta.
- Meu Deus Lisa. Seu quarto tá igual de quando era adolescente.
- Jô, nem me fale.- Ri divertida e ao mesmo tempo constrangida. - Minha mãe disse que o guardou para mim. Pena que não conseguiu guardar os anos tambem.
Instintivamente ambas olham para a cama. Tambem era a mesma. Não era preciso falar para saber onde ia o pensamento. Ali... naquela mesma cama ambas se amaram, se tocaram, se entregaram. Joyce procura o olhar de Lisa, mas esta abaixa a cabeça.
Caminha rápida em direção a cadeira ao lado da cômoda onde se acomoda.
- Er... e então Jô? Que acontece? - Lisa tenta ignorar as lembranças do passado que assolam sua mente. Jô gemendo, entregue em seus braços. Estremece sentindo todo o corpo arrepiar.
Joyce, tentando não pensar no passado, caminha até a cama e se senta sobre ela. Alisa devagar o lençol sobre a mesma. 'Lisa dorme aqui... Eu dormi aqui... eu fiz amor com ela aqui'
Olha a loira sem saber que seu olhos, mais negros do que nunca, estavam nublados de paixão e saudade.
- Eu... Lisa... eu... - Passa as mãos sobre os cabelos tentando se controlar – Vir aqui despertou tantas lembranças... - Olha loira se sentindo desamparada. Lisa permanece em silêncio.
Jô abaixa os olhos e suspira.
- Que saudade daqui! Que saudade do tempo que podia me refugiar em seu lar, junto à sua família. Nossa, que saudade de tudo isso. - A vontade era dizer muito mais, mas sabia não ter este direito.
Lisa sente o coração se abrandar diante do tom de voz de Joyce. Sabia exatamente o que ela queria dizer.
- Jô... nunca saímos daqui.
- Lisa... eu sei... você sabe que... não tinha como. Tudo era tão...confuso. Eu fui uma covarde... e acabei abrindo mão de …vocês. - A olha com os olhos brilhantes pelas lágrimas não derramadas. - Não percebi que abria mão de uma riqueza maior que tudo.
Lisa segura o pescoço e limpa a garganta num som sem graça.
- Jô... o passado ficou para trás. Estamos aqui numa nova oportunidade de … de... reatarmos nossa amizade. Não são muitas pessoas que tem esta oportunidade.
Joyce a encara.
- Amizade... tem razão. Eu... nós... uma nova oportunidade. Bom...
'Que tentava fazer?' Joyce balança a cabeça em negativa. Por que levara a conversa por este caminho? Nada a ver!
- Lisa... eu na verdade preciso explicar o que viu no shopping.
- Jô... eu já disse que não precisa.
- Lisa eu quero. Para dizer o que... preciso tem que entender.
- Tudo bem – Lisa se sentia sem lugar - Fale.
'Que merda Jô. Será que não entende que não quero vê-la falar de sua amante? De seu caso? De você?'
Jô a olha como que pedindo compreensão.
- Lisa... eu... bom já a algum tempo meu … casamento não é mais a mesma coisa. Eu e Carlos... nós... nos perdemos em algum lugar do caminho. Nada parece certo, entende. As brigas estavam cada vez mais frequentes, os meninos, eles... começaram a sentir e ... eu não sabia mais o que fazer. Tudo me parecia insatisfatório, ruim. A vida tava uma merda.
Lisa se impacienta. A vontade que tem, é dizer que fora por toda essa merda que ela abrira mão dela, e de seu amor.
- Jô...
- Deixa eu continuar Lisa. Sem isso, você não vai entender. Eu não queria me separar. Carlos é um bom homem, um bom pai. Então... foi quando conheci Juliana...e... comecei a me relacionar com ela. Foi como uma válvula de escape para mim. Ela me trouxe... - Faz um gesto desalentado com a mão. - Eu nem sei explicar, mas... depois que comecei a me relacionar com ela tudo melhorou. Eu e Carlos nos amenizamos, as coisas ficaram mais tranquilas.
- Jô... você quer dizer suportáveis não é isso?
A morena a encara séria.
- Por aí.
Lisa se levanta impaciente e começa a caminhar de um lado para o outro.
- Eu não entendo porque se submete a isso. Desde quando acontece?
- Ih Lisa... a muito tempo. Já ...na festa de Mariana já não estávamos bem... você sabe ...eu até tentei.- Faz um gesto em direção a ela – você sabe.
- Sei... e como não me conseguiu partiu pra outra. - Lisa não consegue esconder a revolta na voz.
Jô arregala os olhos.
- Não é assim Lisa! Nada foi de caso pensado. Ju surgiu e me trouxe alegria, sei lá. Me senti bem com ela!
- E por que não um homem, Jô? Por que uma mulher? Você mesmo um dia me disse que não era sapata! Lembra?
- Para, Lisa! Não jogue o passado em minha cara! - Jô se levanta da cama exaltada – Eu errei, ok. Cometi muitos erros no passado, mas não posso mudar isso.
Lisa respira fundo. Não era hora de cobrar Joyce pelo passado. Já não existia mais um tempo para estas cobranças. Fecha os olhos e solta o ar devagar. O passado já não era mais seu presente.
- Ok, Jô, então me responda. Por que você insiste nesse casamento falido?
- Lisa... eu tenho filhos. Não é fácil sair assim de um casamento de anos.
- Ah, me poupe Jô. Foi-se a época que filhos eram desculpas para manter um casamento!
- Tá bom! E que você acha que eu devia fazer?
- Sinceramente? Lisa a olha com seriedade – Você devia deixar Carlos encontrar alguem que o ame de verdade. Devia se separar e pensar o que realmente quer da vida.
- Lisa você não entende nada!
- Entender o que Joyce? Você esta infeliz droga! Mantem um casamento que te desagrada, um caso com uma mulher! Jô, presta atenção. Você mantém um caso com uma mulher!!! Isso não lhe diz nada?
- Lisa, nem era sobre isso que eu queria falar. O assunto não era para ir por este caminho!
- Jô do céu! Você entendeu o que eu quis dizer. Você sabe que estou certa!
- Lisa! Não era isso que eu queria falar! Você já esta deduzindo as coisas. Eu disse que meu casamento esta mal das pernas, mas não disse que desejo que acabe! Eu gosto de estar casada!
Lisa encara a morena sem saber o que dizer. Joyce buscava justificar suas atitudes, mas... não queria mudar.
- Bom Jô... - faz um gesto conformado – Então não sei mesmo o que quer realmente.
- Lisa... tá vendo? Nem cheguei onde queria e já discutimos. - Sorri sem graça. - Lisa... Mariana me viu com Juliana outro dia num bar GLS.
Lisa a olha sem conseguir mostrar muita surpresa. Estava como que anestesiada. Senta-se na cama.
- Jô.. que quer que eu diga?
Joyce a olha triste e se senta a seu lado.
- Na verdade nem sei. Nem sei porque te conto isso. Nem mesmo eu me entendo.
Lisa a olha de lado.
- Jô.. Mari já não é criança. Se ela viu, deviam conversar. Ela... acho que vai entender.
- Acha? Acha Lisa? Não posso pensar em achismos. É minha filha!
- Sua filha agora é uma mulher, Jô. Queira você ou não ela é uma mulher. Trate-a como tal!
Jô a olha surpresa.
- Eu...ainda a vejo como minha menininha... - Seu olhar se torna nostálgico – Lembro dela pequenina nos meu braços... você lembra? Eu me senti tao... elevada! Lisa... eu amo demais minha filha. Não quero perdê-la.
Lisa lembra o momento com carinho, mas não consegue associar a Mariana de hoje com aquela criança que tivera nos braços. Olha Joyce em silêncio.
Joyce sente o olhar de Lisa sobre si. O silêncio estava incomodante. Mexe-se na cama e olha discreta as pernas de Lisa expostas pelo short que usava. Sempre tivera pernas lindas. Suspira.
- Bom Lisa... é isso. Eu... queria um conselho seu.
- Jô... Joyce. É uma situação complicada.
- Nem me diga.
- Mas eu acho que deve se abrir com Mariana. Tente explicar o que sente. Mas não pode deixar as coisas como estão.
- Lisa... eu não posso fazer isso... não mesmo.
- Jô, percebe que mais uma vez esta fugindo de um situação que teme? Que não sabe lidar?
- Mais uma Lisa? - Jô ri irônica – Eu fujo sempre. E não tenho nenhum orgulho disso. Você acha mesmo que não sei que me condena? Eu sei que sim. Sei que tem raiva de mim pelo que te fiz no passado. Sei que não sou uma pessoa para se admirar.
Lisa a olha surpresa e não consegue deixar de sentir um carinho enorme ao ver a postura de total desamparo de Joyce.
- Que isso Jô! Todos nós temos motivos para nos orgulhar do que somos.
- Mesmo! Então me diga onde... onde você vê algo em mim de bom?
- Muitas coisas Jô. Sempre me orgulhei de você, de como enfrentou as pessoas quando engravidou, de como assumiu e amou sua filha.
- E onde está essa mulher Lisa? Em que me transformei que não a encontro mais???
- Jô... ela está aqui. - Impulsivamente Lisa coloca a mão sobre o coração de Joyce. - Bem aqui. Não desista dela.
Jô segura a mão de Lisa sobre seu peito e suspira.
- Me ajude a reencontrá-la Lisa.
As duas se olham emocionadas. Devagar Joyce aproxima os lábios dos de Lisa. Mal os lábios se tocam Lisa se afasta.
- Jô.. não.
- Lisa...
- Não Jô... não é certo... isso é passado e … não acho que é certo.
- Lisa... é o certo. - Jô a segura pelos ombros. - A gente sempre se deu bem Lisa. Em tudo! Você sempre me compreendeu! Nos éramos...
- Jô, não!!- Lisa interrompe a morena. - você não sabe o que está fazendo! Não pode voltar o passado!
Se solta dos braços morenos e levanta.
- E eu não quero aquele sofrimento de volta.
Jô também se ergue.
- É assim que vê o que vivemos Lisa? Como um sofrimento?
- Não, Jô... vejo como um aprendizado. - Olha a morena tentando manter a voz firme. - Joyce, houve uma época em que duas adolescentes descobriram o amor, a paixão juntas. Só que elas seguiram caminhos diferentes. E... Jô... são caminhos que não tem mais como se cruzarem...não da forma como parece querer.
- E por que Lisa? Sei que você quer isso!
- Sabe Joyce? Sabe? Tem certeza?
Joyce encara o olhar firme de Lisa e sente vacilar sua confiança.
- Eu... Lisa... eu... era tão bom nós duas juntas Lisa... sei que poderíamos resgatar isso.
O olhar de Lisa endurece.
- Mesmo Joyce? Me diz como. Vai terminar com Juliana?
- Vou Lisa. Eu... Lisa... eu... preciso de você em minha vida... eu... nunca te esqueci.
A loira engole em seco. Imagens de seu passado com Joyce passam como um filme por sua mente. Não podia negar o que as duas viveram. Era algo que marcaria para sempre sua vida. E que ainda mexia com ela. Joyce, percebendo o olhar perdido de Lisa e sua insegurança, aproxima desta e, segurando sua mão, a coloca sobre seu próprio coração.
- Você não disse para não desistir? Pois Lisa, é você que está aqui... nesse coração.
Lisa a encara sem ter respostas. Devagar Joyce escorrega sua mão até um dos seios. Com a respiração ofegante sussurra.
- Eles sentem sua falta...
A mão de Lisa treme... ela volta o olhar ao seio que sua mão pousava. Lembra-se de sua maciez... seu perfume. Sem conseguir conter o acaricia lentamente.
- Isso Lisa... me toque amor...
Lisa treme... a muito tempo não tocava uma mulher. E Joyce... Lembra a primeira vez delas, a paixão despertada, as descobertas... a traição!! Tira mão de seu corpo como se tocasse em fogo.
- Não!
- Lisa não faz isso, não pensa! Vem pra mim... eu... por favor...
- Jô.. não... - Sua voz sai fraca.
- Lisa... - Joyce caminha ate a cama e se senta com um olhar inseguro, mas repleto de paixão.
- Lisa... nós duas precisamos disso. - E devagar começa a tirar a blusa revelando os seios que continuavam perfeitos.
Lisa não consegue deixar de admirar a beleza de Jô. Mesmo após três filhos estavam belos e firmes.... filhos... Mariana... Mariana!! Arregala os belos olhos cor de mel. O olhar se perde em Joyce , mas desta vez sem vê-la. Na mesma cama... recorda Mariana dormindo... linda... inocente... escondendo os seios expostos cheia de timidez.
- Joyce não faça isso!!
Assustada com o grito de Lisa, Joyce imediatamente abaixa a blusa.
- Joyce... - Lisa respira fundo e ergue as mãos para a frente, como a se proteger de Joyce - Não faça isso – repete.
Joyce sente o corpo tremer. Mais uma vez Lisa a rejeitava.
- Droga Lisa!! Que droga! - Se ergue da cama frustrada. -Até quando ? Até quando vai me fazer pagar pelo meu erro do passado?
- Erro? Passado?
- Sim! Até quando terei que me privar de você porque não escolhi o mesmo caminho que o seu? Até quando vai nos negar a satisfação de estarmos nos braços uma da outra? Será que não vê? É o destino! Estamos destinadas uma a outra!
- Destinadas? - Lisa olha Jô sentindo a calma voltar a seu corpo. - Destino Jô? Destino somos nós que o fazemos. Você escolheu seu caminho... acredita mesmo que estava destinada a ele? Quer realmente mudá-lo?
Joyce a olha e começa a sentir um desprezo por sua própria pessoa. Passa as mãos sobre o cabelo.
- Ai Lisa... que confusão estou fazendo de minha vida! Tudo que sei é que... preciso de você Lisa.
- Precisa como Jô? Me diz... como? Quer abrir mão de sua amante... mas, e de seu casamento? Sua vida em família? Seu papel na sociedade? Onde deseja mudar?
Joyce a olha desamparada
- Lisa... eu tenho filhos...
- E eu sentimentos, Joyce... - Lisa a olha suspirando tristemente – Ah Joyce... sei que quer que eu veja seu lado mas... olhe o meu. Tive a meu lado uma mulher maravilhosa, que mostrou meu verdadeiro valor. Conheci o amor mais sincero...mais doado. - Olha a morena com um sorriso suave, já desprendida da paixão despertada. - Joyce, jamais me contentarei com menos do que já tive. Não sou mais aquela adolescente, nem mesmo aquela mulher que se deixou agonizar no rancor e na revolta por não me adequar as suas escolhas. Não quero mais viver paixões. Preciso de amor.
- Mas...eu amo Lisa...
- Até onde Jô? Ate onde você pode abrir mão de sua vida por amor Jô?
- Lisa... - Joyce abaixa a cabeça infeliz.
- Joyce... - Lisa devagar a toca no ombro. - Joyce... nos tivemos momentos lindos no passado... mas... eles não voltam mais. Até mesmo porque você não está disposta a abrir mão de nada por eles.
- E... se eu tivesse Lisa? E se eu tivesse essa coragem?
- Você tem Jô?
Joyce balança a cabeça angustiada em negativa.
- Não sei...não sei... Lisa... eu não sei...
- Jô... vai pra casa. Você precisa por a cabeça no lugar. Olha... eu … não quero você fora de minha vida. Mas... hoje eu que te peço. Respeite meus valores. Eu não serei jamais a outra na vida de ninguém. Quero ser única. Não mereço menos que isso, ok.
- Eu...entendo Lisa.. eu...não farei mais isso. Eu... espero não ter atrapalhado com minha impulsividade a oportunidade de sermos... amigas.
- Está tudo bem... vamos esquecer tudo ok. Depois você me conta como lidou com tudo que me disse... e... e... é isso.
- Tudo bem... - A voz de Jô mostrava todo seu desânimo.
- Jô.. se não importa... eu tambem preciso... pensar. Gostaria de ficar sozinha.
- Tudo bem Lisa... eu... posso te ligar depois?
- Claro Jô... vou gostar muito.
- Ok... tchau.
Jô sai e fecha lentamente a porta do quarto. Passa pela sala e se retira sem despedir de Paula. Estava sem condições emocionais para isso. Tudo que sabia era que, mais uma vez, colocara os pés pelas mãos. Não conseguia deixar de sentir Lisa como sua. Abre porta do carro e a fecha com raiva. Lisa era sua... sempre seria. Não importava casamento, nada! Agora, como fazer Lisa aceitar o papel que teria em sua vida era outros quinhentos. Realmente era hora de rever algumas posturas em sua vida.
Lisa permanece quieta no quarto, mesmo após a saída de Jô. A vida não parava de lhe reservar surpresas. Não se surpreendera muito com a atitude de Joyce. Ela sempre quisera ter o mundo em suas mãos. E o mundo incluía as pessoas que amava. Um grupo de pessoas que Lisa sabia fazer parte. Mas... não queria este papel que Joyce lhe oferecia. Mesmo com toda a tentação que Joyce representava, mesmo com toda a historia que tiveram juntas... ela não poderia ceder. Não era ela quem devia mudar.
Olha a cama que momentos antes Joyce estivera sentada. E pensa em Mariana. Fora a imagem dela que a despertara da paixão que estivera envolvida. Abraça o próprio corpo como a sentir frio. Não conseguia mais vincular Mariana a Joyce. Eram duas mulheres com posturas muito diferentes de vida. E sabia exatamente qual admirava mais.
- Mãe! - grita saindo do quarto. - Você tem o numero do celular de Mariana?

Mariana não consegue segurar a emoção ao ouvir a voz de Lisa.
- Mari... então? Aceita minha proposta?
- Li... eu... não sei se posso.
- Mari... se quer que convivamos bem, terá que aceitar isso. Não posso me envolver com ninguém agora. Preciso de um momento meu, estou recomeçando minha vida. Mas... eu... Mari, eu me importo com você, gosto muito de estar com você. Preciso muito de sua amizade. Olha, eu... não sei lidar com o que aconteceu. Preciso desse tempo.
Mariana fecha os olhos. As lágrimas começam a escorrer por seus olhos.
- Tudo...tudo bem Li... eu... tambem não quero perder você. Eu... preciso muito de você a meu lado.
Lisa suspira de alivio. Sabe estar magoando a jovem, mas sente ser o melhor.
- Então...amigas?
- Sim...amigas.

'Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.'
Clarice Lispector

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Capítulo VI

Juliana suspira impaciente. Isso que dava marcar encontro num shopping com Joyce. Volta a olhar o relógio. 'Aff, deve estar olhando vitrines não é possível!'. Olha distraída os corredores quando uma mulher lhe chama a atenção. De onde estava não podia ver-lhe o rosto, mas que corpo! Observa a cintura fina e os quadris delicados. Adorava mulher de vestido. O cabelo loiro caia em camadas pelas costas. O andar era elegante e a postura bem alongada.
'Sossega Ju... você já tem duas belas dores de cabeça em sua vida... mas porra... não sou cega'
Balança a cabeça e sorri para si mesma . Percebe a loira se virar em sua direção e o sorriso desaparece lentamente em seu rosto, dando lugar a uma expressão de surpresa.
- Lisa? - Sussurra baixinho.
A loira caminha tranquilamente em sua direção, olhando as vitrines porque passa. Juliana sente uma grande expectativa a medida que ela se aproxima.
- Ora, ora, veja quem encontro! Não é que é a Lisa!
Lisa se vira surpresa em direção a voz que lhe chama. Observa a morena de óculos e ar irônico que a encara. Um rosto familiar, uma voz única.
- Ju? Juliana?
- My God! Ela não esqueceu de mim! - Levanta-se do banco onde se encontrava e sorrindo aproxima-se de Lisa envolvendo-a num abraço apertado.
- Lisa! Sempre linda e distante Lisa! Como vai, meu bem?
Ainda surpresa Lisa retribui o abraço e mentalmente ri, percebendo como Juliana aproveitava o gesto para tocá-la um pouco mais.
- Vou bem e você? Surpresa encontrá-la depois de tantos anos!
- Pois é menina! Você sumiu de vez!
- Verdade... na verdade fui morar em SP. Mas agora estou de volta a BH.
- Sério! Mas isso é ótimo! Mas venha sentar comigo. Vamos tomar um cafezinho. - Sorri meio de lado a loira. - Em memória dos velhos tempos.
A conversa já rolava a vários minutos quando o celular de Juliana toca. Com um sorriso de desculpas atente a chamada.
- Ei querida. Como? Atrasada! Que novidade. Pode ficar tranquila, reencontrei uma amiga e estamos colocando o papo em dia. Ok, eu espero. Beijos.
Desliga o telefone e retoma o papo com Lisa.
- Mas estou encantada! Quer dizer que conheceu vários países neste ano que passou! Acho que estou sentindo uma pontinha de inveja surgir dentro de mim.
Lisa sorri divertida. Conversar com Juliana sempre fora um prazer. Pena que estava emocionalmente desestruturada, na época que se conheceram.
- Mas e você? Vejo uma aliança em seu dedo.
Ju ergue a mão esquerda lentamente.
- Pois é menina. Casei. Coragem né. E você?
- Me casei também. Mas, infelizmente, ela morreu em um acidente - O olhar de Lisa por um momento se entristece. Mas logo volta o brilho. - Mas foi, com certeza, um momento maravilhoso de minha vida.
- Sinto muito querida! - Juliana estava surpresa. A Lisa que convivera a anos atrás, evitava envolvimentos emocionais, era fria, nada romântica. - Deve ter sido uma mulher muito especial.
- Sim... ela foi. - Lisa a encara – Mas, é sua esposa que vem a seu encontro?
Juliana sorri um pouco sem graça.
- Bom... Bem Lisa, você me conhece. Quer dizer, não mudei muito para a época que me conheceu. Na verdade, meu casamento é aberto. Tanto eu, como minha esposa mantemos … ah você sabe como é.
- Sério Ju! Nossa, acho que não saberia viver assim. - Tenta imaginar Luiza a traindo e não consegue. - Eu não saberia aceitar uma traição.
- Ah, por favor Lisa. Não é um traição. É uma postura de vida que eu escolhi para mim e que, felizmente, é tambem a escolha de minha esposa.
- Hum...ok. Cada um é feliz a sua maneira. Então deixe-me adivinhar. Você veio encontrar … a outra?
Juliana ri divertida.
- Bom querida, realmente vim encontrar uma mulher, mas quanto a ser a outra está errada. Eu que sou a outra na relação.
- E ela não vai chatear de ver você com outra mulher?
- E desde quando alguem controla minha vida? Tá doida? Ela tem é que saber separar as coisas. Afinal, eu aceito o marido dela.
Lisa arregala os olhos.
- Marido? Você é louca Ju? - Ergue a mão meio irônica - Não, não precisa responder. Você sempre foi doidinha. - Lança lhe um olhar conformado. - Mas... casada Ju? E com homem?
- É porque você não viu o monumento Lisa! Ela é, simplesmente, uma deusa de tao linda - E sorri divertida. - Sem falar que a vida se torna mais emocionante quando você vive perigosamente.
- Pode ser Ju. Mas... eu acho um absurdo uma mulher ser hétero – Faz um gesto de aspas com as mãos – E manter um romance lésbico nas costas do marido.
Juliana se torna um pouco pensativa.
- Mas é como disse Lisa. Cada pessoa faz suas escolhas. Se vive bem assim, que viva.
- Ah, duvido que viva bem. Seja sincera. Ela, com certeza, vive o romance com você escondido. O marido nem deve sonhar.
- Pode ser. - Sorri para a loira. -Você continua radical em seus valores hem Lisa! Não esqueça que pessoas podem ter opções, valores diferentes dos seus e serem felizes. No caso dela é ser bi.
- Ser bi... - Balança a cabeça em negativa – Sinceramente não entendo uma pessoa bi. Como ter atração por dois sexos? Acho impossível! Só de pensar em um homem me tocando sinto comichão de nervosa – e brinca se coçando.
Juliana dá uma gargalhada que atrai olhares das mesas vizinhas.
-Você é uma boba, Lisa. Mas vamos ser sinceras. É essa diferença de posturas e opções, que torna a vida mais divertida.
Lisa ergue o copo e com uma cara engraçada faz um brinde.
- Ok...ok... um brinde a diversidade.
Ju ergue o copo acompanhando o brinde.
- Mas... deixe o marido perceber essa diversidade. - E sorri diante do pouco caso da outra.
- Ahh Lisa, nem acho que o casamento dela é tão importante assim. Para mim, ela o leva na barriga. Mas... se acontecer sumo. Longe de brigas conjugais. E com tantas belas mulheres no mundo... e com tanto carinho que tenho para dar... - Lança lhe um olhar sedutor. - Reencontros inesperados... sabe como é... somos vulneráveis.
- Você sempre teve quedinhas por mulheres em geral, Ju – Lisa sorri para a morena. - Nem tente me provocar. Nossa época já passou. E sinceramente, se não me contento com segundo lugar, vê lá se aceito terceiro!
- Ah!! Decepcionei!!
As duas riem em sintonia e continuam a conversar animadas, sem perceber a morena que se aproxima pelo corredor.
Joyce caminha apressada pelo shopping procurando Juliana. Atrasara demais. Para e olha para os lados impaciente. Onde se metera Juliana? Neste momento, vê a amante de frente para ela, a conversar animada com uma loira. Essa era a amiga? Corre os olhos rápidos pela mulher. Parecia bem jovem, apesar desta estar de costas para ela. Passa a mão pelos cabelos negros e alisa rapidamente o terninho azul marinho que usava. Viera direto do Fórum. Já estava quase diante de Juliana, quando esta a nota e se ergue sorrindo. As duas trocam dois beijinhos e, com um sorriso, Jô vira-se para a outra mulher à mesa. O sorriso congela em seu rosto.
- Lisa? Lisa?
Lisa estava paralisada. Como assim Joyce? Ainda chocada, percorre com o olhar a bela mulher a sua frente. Vê-la, frente a frente, era muito diferente de vê-la de longe. Joyce continuava linda, no auge de seus 35 anos. Sua beleza estava mais acentuada, a postura mais decidida. Nunca perderia a aura de sensualidade que sempre a acompanhara. Sente uma opressão no peito, uma raiva por saber que ambas eram amantes.
- Olá Joyce. - Tenta controlar a raiva da voz.
Juliana observa as duas surpresa.
- Vocês se conhecem?
As duas desviam, com dificuldade, o olhar para Juliana.
- Sim. - Lisa força um sorriso- Eu e Joyce crescemos juntas.
Respira fundo tentando vencer o sentimento angustiante que trazia no peito. Se propusera, a muito tempo, vencer todos os sentimentos negativos e magoas que ainda tinha por Jô. E era isso que faria.
-Mas que bom vê-la novamente Jô. - Levanta-se e abraça a morena.
Joyce estremece ao sentir os braços de Lisa ao redor de seu corpo. Totalmente sem reação, paralisada pelo choque de encontrar seu antigo amor junto à amante, começa a tremer.
Lisa a solta devagar. Observa Joyce puxar rapidamente uma cadeira e se sentar. Senti-la novamente nos braços, trouxera sentimentos adormecidos dentro de si. O cheiro de Jô ainda era o mesmo!
Juliana percebe o clima tenso no ar.
- Realmente vocês se conhecem...
Jô a olha meio perdida. Queria muito rever Lisa, mas não desta forma. Não ali. Não na presença de Juliana.
- Sim... eu... mas como vocês... se conhecem?
- Pois é Jô. Vê que coincidência! - Juliana observa sua reações. - Conheci Lisa na época de faculdade. Uma época deliciosa. - Sorri com falsa inocência - Mas... - Põe o cotovelo sobre a mesa e apoia o queixo na mão - Nunca me disse que tinha uma amiga lésbica.
Surpresa Lisa encara Juliana. Não esperava que abordasse o assunto desta forma.
Joyce reage negativamente a abordagem.
- E porque falaria? Lisa escolheu o caminho dela e eu o meu. Exatamente por estas escolhas tomamos rumos diferentes e nossa amizade se perdeu pelo caminho. - Cautelosa olha a loira – Mas espero de coração podermos mudar tudo isso e … voltar a nossa amizade novamente.
Lisa , incomodada com a situação presente, movimenta-se intimidada na cadeira.
- Jô.. eu... claro que vamos retomar nossa amizade... Bom... eu...tenho que ir.
Juliana a segura pelo braço.
- Que isso, Lisa. Porque a pressa de repente? Eu estou encantada de ver o reencontro de vocês. E surpresa com a coincidência. - Vira-se para Joyce, sentindo uma vontade imensa de provocá-la - Sabe Jô, a pouco falava de você a Lisa.
- Fa... falava? - A olha aflita.
- Sim. - E aguarda a pergunta que Jô não conseguiu calar.
- Sobre... sobre o que?
Juliana sorri maliciosa.
- Sobre como é maravilhoso tê-la em minha vida. – Volta o olhar à loira - Lisa, agora que me apercebi menina! - E faz um ar de falso espanto.
- O que Ju? - Lisa pergunta, pressentindo que iria se arrepender de ter perguntado.
- Cá estou eu, em um shopping lotado de gente, sentada a mesa com minha atual amante e minha ex. Não é emocionante?
Joyce abre e fecha a boca sem que nenhum som saia dela. Como assim atual e ex? E como ela ousa expor sua intimidade assim?
- Juliana ! - Lisa a olha repreendedora.
- Oi Lisa! - E lhe lança um olhar de candura. Depois ergue as mãos num pedido de desculpas. - Ok, desculpe meninas... sabem que adoro provocar. Joyce, desculpe se deduzi errado, por achar que Lisa soubesse de sua... bissexualidade.
- Eu... não vou ficar aqui – Joyce se ergue nervosa.
- Que isso Jô...já pedi desculpas! Lisa, diga a ela que tudo está bem.
Lisa observa o nervosismo de Joyce. Ela sempre detestara ser exposta diante das pessoas. Estava impressionada que tivesse se envolvido logo com Juliana, que não se importava com opiniões alheias e que era totalmente despojada diante da vida.
- Jô.. senta. Está tudo bem. Eu... tenho mesmo que sair. Vou encontrar minha mãe. Eu... adorei vê-la.
Levanta-se da mesa e com um sorriso de censura a Juliana despede-se, afastando sem olhar para trás. Juliana, um pouco sem graça com a brincadeira de mal gosto, dá um sorriso a Jô.
- Jô...
Mas esta nem a olhava. Acompanhava com um olhar saudoso e angustiado a loira.
- Jô?
Finalmente esta percebe sua chamada. A raiva se faz presente em seu semblante.
- Qual era sua intenção? O que ganhou com isso, Ju? Que merda ganhou com sua atitude?
Juliana se surpreende com o tom de voz de Jô, mas antes que possa responder, esta continua.
- Você sabe quanto tempo não vejo Lisa? Sabe quantas merdas tenho que corrigir, quantas vezes esperei poder estar com ela, sem conflitos, apenas para conversar?
Juliana tenta novamente falar, sendo calada pela mão de Jô que, em riste, faz num sinal de pare.
- Sabe quantas vezes desejei reatar a amizade que destruí pela minha intransigência, minha falta de visão? Será que você percebeu a situação terrível que me expôs? - Nessa hora a voz de Jô se elevou.
- Jô, fala mais baixo e se controla. Eu vi que pisei na bola, ok. Não precisa gritar.
Tenta segurar a mão da morena, mas esta a afasta.
- Não me diga que isso vai trazer conflito entre nós! Me poupe Jô. Estou aqui porque você pediu este encontro. Tivemos a felicidade de reencontrar uma amiga em comum. Não transforme isso num campo de batalha.
- Você transformou com sua falta de senso Juliana!!
- Por que tanto blablá com isso? Você não sabe onde ela mora? Depois vai lá, conversa com ela. Quem foi inconveniente fui eu, não você.
- Chega Ju! Não me irrite mais.
Juliana a encara mais séria. Joyce estava pálida, muito pálida. Nervosa, mexia a perna em um ritmo enervante. Divaga a mente ao passado e devagar balança a cabeça numa compreensão súbita.
'Juliana, você meteu os pés pelas mãos...'
- Jô... peço mesmo desculpas. Eu errei. Olha, depois vou procurar Lisa e me desculpar também.
Jô passa as mãos pelos cabelos tensa.
-Tudo bem, eu... também depois vou procurá-la.
Respira fundo várias vezes e a olha. Coloca ambas as mãos sobre a mesa e, tentando esquecer os últimos minutos e controlar a ânsia de correr atrás de Lisa, respira fundo.
- Ju, o caso é o seguinte. Eu tenho quase certeza que Mariana nos viu no bar aquele dia.
- Mariana...bar? Tem certeza? Não é possível Jô! Eu a observei bem! Não tinha como ela nos ver!
- Mas viu! Tenho certeza que viu! Ela veio com um papo que viu alguem parecido, mas a conheço Ju! Ela nos viu!
- Meu Deus! - E passa a mão sobre o rosto.
- Que faço Juliana? Que vamos fazer?
- Pra começar me deixe respirar. Ok...Ok... ela em nenhum momento te afrontou?
Joyce faz um gesto impaciente.
- Eu já disse que não!
- Calma Jô! Estou tentando ordenar meus pensamentos! Se ela não te afrontou, é porque prefere ignorar o que viu, certo?
- Ju! Mariana não é pessoa de ignorar nada! Ela uma hora vai estourar. Presta atenção no que digo!
- O que disse quando ela comentou com você?
- Disse que estava enganada, que não podia ser eu. Que estava na casa de amigas.
- Ótimo. Você vai manter isso. Mesmo que ela te prense contra a parede, vai manter isso.
Jô, impaciente passa a mão pelos cabelos.
- Você não esta entendendo. Mariana não é boba. Não vai deixar passar. Vai ser um inferno.
- Querida, pare de passar as mãos nesse cabelo.
- Droga Juliana! Que se dane os cabelos! - Olha outra revoltada. - Hã... estão muito bagunçados?
Rindo Juliana os arruma para ela.
- Pronto. Agora estão lindos.
- Juliana... eu e Mariana vivemos em conflito. Eu amo demais minha filha, mas … parece que nada que faço para ela é certo. Qualquer coisa é motivo para uma discussão entre nós. E ela com sua... postura tão na dela me irrita. Queria que falasse comigo, confiasse mais. Será que percebe? Por mais que eu negue a presença naquele bar, ela sabe! E isso vai minar o resto de confiança que eu tinha dela.
- Jô... você está aumentando demais as coisas.
- Juliana!! Pára! Eu sinto isso! Eu sei! - Novamente angustiada, passa as mãos nos cabelos.
- Ai Jô... nem sei o que dizer... na sua situação você … Será que não vale a pena conversar com ela, abrir o jogo? Às vezes você pode se surpreender com sua filha.
- Tá louca!! Ela nunca vai aceitar!
- E porque não!? Ela não aceita a Lisa!? - A olha indagadora. - Ela conhece Lisa, né.
- Sim...conhece sim... - Suspira – Ela a conhece. Mas é diferente Ju. Ela... Lisa... sempre assumiu sua opção. Sempre foi...
- Autentica?
Joyce a olha indignada.
- Está dizendo que não sou autentica?
Ju ergue as mãos em sentido de paz.
- Só fiz um comentário.
- Sei... Olha Ju, para Mari, que cresceu vendo Lisa assumir que gosta de mulher, é uma coisa. Agora, descobrir que a mãe, casada, mãe de três filhos, trai o marido e ainda por isso com uma mulher é bem diferente.
- Uau... colocado assim é bem pesado mesmo. - E ri divertida.
- Juliana, não é para rir. - Jô a encara nervosa.
- Eu sei Jô...eu sei – meneia a cabeça – Mas sua situação colocada em palavras foi … bom... foi, foi...
- Absurda, revoltante, sem limites.
- Eu ia dizer outra coisa , mas serve isso.
- Ju!
- Olha Jô, temos que tentar amenizar a situação. Se você não vê possibilidade de conversar com sua filha, então é melhor negar sempre e aguentar as consequências.
- Grande valia sua opinião. - Jô emburrada, cruza os braços.
- Jô! Você quer que eu diga mais o que! Que se separe? Assuma que gosta de estar com mulher?
Joyce a olha assustada.
- Mas eu não quero isso! Nunca disse isso!
- Nossa senhora! Então quer dar um fim no nosso relacionamento?
- Não! Que droga, Ju. Quero as coisas como eram antes, só isso.
- Bom Jô, pelo que me disse, isso é impossível. Então nos resta , ou agir com mais cautela em nossos encontros, ou nos afastarmos.
- Não quero que nos afastemos. Eu... vou agir como se... Que não era eu e pronto.
- Tudo bem Jô... faça isso. - Segura-lhe a mão – tudo vai ficar bem querida. Estou com você nessa.

Lisa, por trás de uma vitrine, observa as duas mulheres. Joyce parecia agitada, nervosa. Gesticulava muito, mostrando grande tensão. Como Jô era bonita! Desliza o olhar sobre a figura feminina. Tao curvilínea, sedutora. Volta o olhar a Juliana. Tambem muito bonita, mas sem fazer concorrência à de Jô. Esfrega a testa. Apesar de todo o constrangimento da situação, sentira uma quentura em poder novamente olhar os belos olhos negros.
'Droga, como Jô pudera arrumar uma amante. E mulher! E Juliana!' Volta o olhar novamente a Joyce. Sempre fora impulsiva, egoísta. Como podia fazer isso com a família dela? Os filhos? Mariana... a mente se volta para a filha de Jô...
As duas se pareciam. Observa-a mais atentamente, agora numa comparação com Mariana. Sim, elas se pareciam. Os cabelos, o tipo de corpo... curvilíneo sensual... a postura mais arrogante. Mas ao mesmo tempo, eram diferentes. O rosto de Mari tinha traços mais suaves, harmoniosos, a expressão muito mais franca. O queixo era mais marcado, quadrado, lhe dando um ar mais determinado. E o olhar... como esquecer o olhar de Mariana? Era um olhar profundo, marcante, acentuado pelos olhos verdes enigmáticos. 

 Já Joyce, tinha olhos negros e voluptuosos. Tudo nela era um convite ao prazer. 'Um prazer usufruído por Juliana! Raiva!'
Lisa segura a cabeça entre as mãos. Que confusão, que angustia! A poucos dias, gritava com Mari pelos sentimentos que ela lhe despertava. Agora, tremia pelo reencontro com Jô, recordava seus momentos com ela, inconformada por vê-la buscar o prazer nos braços de outra mulher.
Percebe Juliana segurar a mão de Jô e esta colocar a sua por cima. 'Não quero mais ver isso!'
Retoma o caminho e, de repente, sai em correria pelos corredores do shopping. O rosto transtornado, desperta interesse nas pessoas que passam por ela.
Lisa tentava fugir de seus conflitos, seus medos, suas indecisões... seus sentimentos. A vida lhe cobrava muito, sempre lhe trazendo dor e sofrimento.
'Por que? Por que meu Deus? Por que não me deixa ser feliz?'

...estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.
Clarice Lispector