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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Capítulo XX

Lisa caminhou lentamente em direção à porta de seu quarto. Passou por Junior e entrou no ambiente tão familiar, mas que naquele momento a fazia sentir-se como que indo para a forca. A seriedade de seu irmão a fazia perceber que o assunto era sério e que tinha tudo, mas tudo mesmo, a ver com ela. “Seja otimista, Lisa” pensou. “Ele não vai falar de você e muito menos sobre o assunto que imagina”
 - Bom, Ju, cá estou. Aconteceu algo? Quer ajuda em alguma coisa? Conselho? Sei lá, parece urgente, hein!? – sorriu meio sem graça, coçando a cabeça.
- Lisa, já disse que comigo está tudo beleza. É sobre você que quero falar – olhou-a meio cauteloso. – Há muito tempo adio este papo com você, mas ultimamente tô te sentindo muito angustiada.
Lisa engoliu seco. Junior sempre fora muito observador e isso era, no momento, algo que a assustava muito.
- Eu... Tô com uns problemas ai... Mas resolvo, fica tranquilo - Passou a mão pela testa.
- E esses problemas têm a ver com o papo que quer ter com mamãe? Ou... com o telefonema de agora a pouco?
- Mamãe? O telefonema? O... o telefonema... Ju... uai... era a Jô... a Joyce... eu... bom era a Joyce... que é isso? - perguntou Lisa, empalidecendo um pouco.
- Lisa... mana – Junior se aproximou da irmã e segurou sua mão. - Senta aqui. - Sentou-se na cama com ela. - Lisa há muito tempo tô sacando você e Jô - Olha sério para a irmã.
- Eu... e Jô? Como assim? Que é isso? Eu não tô te entendendo, não - Lisa tentou se levantar da cama, mas o irmão a segurou. Sentia uma angustia enorme no coração. “Este papo é com a dona Paula e não Junior! Meu Deus, isso não tá acontecendo”.
- Lisa... conversa comigo. Sou teu irmão. Eu tô preocupado com esse papo que vai levar com a mãe.
Ela o observou calada, com um bolo se formando rapidamente em sua garganta. Abriu a boca para tentar dizer algo, mas não conseguiu pronunciar uma palavra sequer.
- Ok mana, se não vai dizer nada falo eu – virou-se de frente para ela. – Lisa, você sabe de toda a paixão louca que tive por Joyce. Mesmo me propondo a esquecê-la eu ainda, por muito tempo, tive ela aqui - apontou para o próprio coração. – Mas já não tinha esperanças de tê-la. Mesmo assim, eu adorava cada vez que ela vinha aqui. Só a presença dela me deixava feliz. Passei numa loucura bem boba, diga-se de passagem, a observá-la escondido - balançou a cabeça meio inconformado. – Pô, ela cada dia mais gata, bonita... eu ficava doido. E isso não me deixava ver o que tava ali na minha cara – olhou-a, agora sério e condescendente. Lisa sentiu o coração dar uma parada e segurou o peito com a mão. “Vou enfartar... é hoje”.
- Eu... eu não tô entendendo porque tá me dizendo tudo isso...
- Lisa, tudo era desculpa, entende? Eu queria estar assim, no mesmo ambiente que ela. Junior soltou a mão da irmã e se levantou da cama. Caminhou lentamente pelo quarto, aumentando a angustia de Lisa com seu silêncio. Virou-se repentinamente para ela. - Eu vi você e Jô.
- Hã?? – Lisa empalideceu.
- Eu vi você e Jô – repetiu como a falar com uma criança.
- Viu... viu... como?
- Lá na área... Fui atrás de vocês e não estavam – olhou-a constrangido e... com algo no olhar similar à pena. – Mana, quando achei vocês... vocês... estavam atrás da parede da dispensa...
- PÁRA!!! Para, Junior! - Lisa ergueu-se apavorada da cama. - Você viu errado! Não é isso que pensa! Eu... Que isso! Eu... NÃO QUERO FALAR DISSO - gritou, enquanto passava a mão nervosamente pelo cabelo e apertava a testa. – Deus... Deus... Deus...
Junior caminhou até ela para segurar suas mãos.
- Quando vi aquilo, Li, eu não acreditei. Bateu uma raiva enorme. Senti meio que traído, sei lá. Eu achando que você estava me apoiando pra ficar com ela... E quem estava era você!
- NÃO! Eu... não, Ju, quando você me contou tudo eu não tava com ela!! Foi depois!! – arregalou os olhos e tapou a boca quando percebeu o que gritara. Junior a olhou entristecido.
- Bem Li, já não importa muito não é!? Mas na época... cara... doeu muito. Fui pro quarto planejando mil formas de fazer todos descobrirem vocês. Senti muita raiva... Mas depois, já na sala, vendo vocês... o carinho... sei lá... Eu fiquei meio perdido. Decidi me calar. E fui observando. Cada gesto, cada olhar. Mana, vocês não disfarçavam. Só cego não via. - passou a mão nos cabelos. – Aqui em casa a gente não via maldade por que... Pô, nós vimos vocês crescerem juntas, né.
Lisa já não falava, não retrucava. Sentia um sufocamento por dentro, uma sensação angustiante, como se uma mão lhe apertasse o coração. Baixou a cabeça, escondendo o rosto com as mãos.
- Lisa... agora que vem o pior – ela olhou angustiada para ele.
- Pi... Pior?
- Li, mesmo decidindo me calar... eu... tava puto. Eu andava revoltado e você nem percebia de tão envolvida que estava com ela. Mas a mãe... você sabe que ela... bom, ela vê tudo.
- Ahhh, não! Junior, diz que não!
- Eu contei a ela Li... eu contei...
- Aii... - apertou o rosto, ainda mais angustiada.
- Ela, claro, não acreditou... disse que eu tinha visto errado, que vocês eram só amigas e que o assunto morria ali. Eu me calei e, a partir dali, o assunto morreu. Pus a cabeça no lugar, decidi que ia viver minha vida. Com o tempo passei a sentir pena... pena de vocês... pena da situação de vocês.
Lisa quase não o ouvia. A mãe sabia. Preferia fingir que não sabia, acreditar que não era verdade... Mas sabia. “Vou me matar”
- Lisa... Lisa! - ela o olhou perdida. Sentiu uma raiva repentina invadir seu peito.
- Sai daqui, Junior!
- Não, Lisa
- Sai agora!!!
- Não, Lisa, não acabei! – segurou-a nos braços. – Lisa, quando disse que sinto pena, não é só pelo envolvimento de vocês.
- Sai Junior!! - Lisa gritou, tentando se soltar dos braços do irmão.
- Tenho pena de você, Lisa!!! De você! Porque a Joyce gosta de homem! Ela gosta de homem Lisa! - grita lhe dando um arranque com os braços fazendo-a se calar e olhá-lo em choque.
- NÃOO! Você quer me magoar, ferir porque acha que te sacaneei! Não sacaneei, cara! Para com isso!
- Lisa! Você que não quer ver! Eu a beijei, droga! Ela gostou. Mesmo não querendo, ela gostou! E ela nunca deixou de olhar os caras! Lisa acorda, ela sempre fez charminho pra eles mesmo não indo em frente. LISA, ela faz charme pra mim!!!
- É o jeito dela!!! Ela sempre foi assim Junior! Que é isso?? Nunca me traiu, não!
- Você faz isso? Fala! Faz?
- PÁRA!!
- O que acontece aí dentro???
A voz da mãe por trás da porta fez com que se calassem. Olhavam-se medindo forças, até que Lisa desviou os olhos e respondeu à mãe.
- Está... tudo bem, mãe. Eu... Junior... estamos conversando.
- Me deixem entrar!
- Não mãe, não. O Junior... já tá de saída. – olhou o irmão impondo que este se retirasse de seu quarto. Junior sentiu a tristeza tomar conta de si. Não era assim que queria que as coisas terminassem.
- Tudo bem Lisa, eu vou - caminhou até a porta e, ao segurar a maçaneta, novamente a olhou. – Eu não sou seu inimigo, Lisa. Quis te alertar, só isso. Posso ter feito errado, fui emotivo, deixei um pouco da mágoa tomar conta. Mas... te quero bem e na boa, você merece mais. Não importa suas escolhas... você merece mais - abriu a porta, olhou a mãe e segurou seu braço sorrindo meio triste. - Vem mãe, eu disse umas coisas à Lisa e ela precisa pensar. Vem comigo.
A mãe o seguiu séria. Mais tarde falaria com Lisa.
- O que fez Junior? O que disse?
 - A verdade, mãe... A verdade – beijou-lhe o rosto e caminha em direção ao próprio quarto. Apesar de tudo se sentia leve. Fizera o certo.
Dentro do quarto, Lisa continuava em choque. Seu mundo virara de cabeça para baixo. Ele sabia... A mãe sabia... Quem mais saberia?? Sentou-se na cama e tentou esvaziar a mente. Não queria pensar... só ficar ali... Quieta... Vazia... Vazia... Vazia...

Joyce desligou o telefone em pânico. “Isso é uma merda!! Só acontece comigo! E agora? Que vou fazer?”
- Mamãe... você ficou de ler uma estória pra mim – Joyce virou-se para a porta e viu Mariana segurando o urso tão amado, dado por Lisa aliás, olhando-a em expectativa.
- Eu... agora não Mariana. Mamãe tá com um problema e precisa pensar.
- Mas você prometeu!!
- Eu disse não, Mariana!! Vá deitar.
- Cadê sua palavra? Você vive me dizendo que tenho que fazer tudo que digo que vou fazer.
- Marianaa!! Eu tô com problema!! Entendeu? Não tô com cabeça pra ler historinha! Que m... coisa!!!
- Por que tá gritando? Não fiz nada, mamãe.
- Eu... ARRE! Se não sai você, saio eu! – Joyce saiu pisando duro da sala, passando pela mãe que vinha pelo corredor. - Não diga nada!!! Se quer ler a estória para ela fique à vontade. Quero ficar só!! Só isso!! Uns minutos! É pedir muito???
- Eu não disse nada, Jô – A mãe a olhou de lado. – Vem, Mari, mamãe está nervosa. Vem que vovó te lê a estória.
No quarto, Joyce não conseguia parar de andar de um lado ao outro. “Vamos, Jô sai dessa... Vai sai dessa”, bateu a mão na testa “SAI DESSA!”. “Preciso de uma saída. Vamos pensar... merda! É só eu resolver dar uma volta e acontece isso. Lisa é foda! Como vou dizer a ela que não vou a festa porque vou sair com... um cara!!!”. Jogou-se em pânico sobre a cama, abraçando o travesseiro. “Ah, mas vou sair sim! A Li que me desculpe, mas poxa... É um passeio diferente, não tô fazendo nada errado. Isso! Nada errado. A merda é que não posso contar pra ela que logo vai pensar besteira.” Sua mente vagou para o rapaz... Relembrou a trombada que deram, ele segurando sua mão, se sentando em sua mesa. Sentiu-se tão bem!! “Poxa, isso não é errado! Não é mesmo! Gostei dele, é legal! Ai que droga!! Que faço? Que droga!”

Sexta feira chegou ensolarada! Em nada combinava com o astral de Lisa e Joyce. Lisa evitou todas as formas encontrar sua mãe. Ela, ostensivamente, virava a cara para Junior. Até de seu pai preferia fugir. Só do leso do Nando, sempre alheio, não tinha motivos para evitar. Não era preciso, ele nunca estava em casa mesmo. Sua angustia aumentava ainda mais com a ausência de Jô. Desde quarta feira, o dia do telefonema, elas não tinham se falado. Sempre que ligava, não conseguia falar com ela. Fora à sua casa e realmente ela não estava. Mari disse que a mãe estava muito brava e que o melhor era ela não ir mesmo lá. Que a mãe estava igual à madrasta da Branca de Neve e os Sete Anões. E que ela e a avó eram os anãozinhos. Lisa riu e perguntou por que ela não era a Branca de Neve. A resposta veio certeira: “Que é isso, Li, ela é muito boba e branquela! Além do que, detesto maçã!” Lisa balançou a cabeça e riu. Apesar da pouca idade, Mariana tinha tiradas ótimas. Logo, porém, ficou séria, pôs a mão na testa e a esfregou.
 "Nossa, desde quando minha vida virou esta confusão?”

Joyce olhou o lindo dia pela janela da sala. “Linda sexta” pensou irônica “tudo a ver com meu lindo astral”. Apoia a cabeça na mesa, não tinha mais como evitar falar com Lisa. Já pensara numa desculpa, mas sentia dentro de si uma pontada... na verdade um rombo de culpa pelo que estava fazendo. Ao mesmo tempo, entretanto, uma ânsia louca de rever Carlos a assolava cada vez que pensava nele. Ergueu a cabeça. “Seja o que Deus quiser. Bola pra frente, que atrás vem gente! Os fins justificam os meios! Não deixe passar a oportunidade, pois ela não volta mais! Caminhe sempre contrário à forca!” pôs a mão na boca, mordeu os dedos e gemeu baixinho... “Ai Jô, você tá na forca!!”

 A primeira e pior de todas as fraudes é enganar-se a si mesmo. Depois disto, todo o pecado é fácil.
(J. Bailey)

sábado, 16 de agosto de 2008

Capítulo XIX

Lisa entrou em casa sentindo uma grande apreensão no peito. Respirou fundo e olhou ao redor. A sala estava vazia. Ouviu um barulho na cozinha e caminhou para lá sentindo a cada passo as pernas mais pesadas. Sentiu uma vontade louca de desistir de tudo e fugir para seu quarto trancando a porta para sua duvidas, seus conflitos, enfim, sua vida real.
- Lisa é você? Ouviu sua mãe a chamar e o coração disparou. Esfregou a mão na testa. ‘Coragem Lisa’.
- Sou eu mãe, está só?
- Sim, filha. – Paula viu a filha entrar na cozinha e enxugou a mão no pano de prato. – O jantar está pronto. Vai comer agora?
- Err... não... eu... eu estou sem fome - Lisa a olhou em expectativa. – Mãe os meninos vem comer aqui?
- Só o Junior. Fernando está cobrindo algumas aulas de um colega e só volta mais tarde.
Lisa sentou na cadeira e observou a mãe arrumando a mesa. Sentiu um bolo enorme na garganta e ao levantar os olhos percebeu sua mãe a lhe encarar. Ela lhe sorri e Lisa sentiu os olhos se encherem de lágrimas. ‘Deus, não quero perder o amor de minha mãe’.
- Mãe... eu... eu...
- Lisa...
- AMORES DE MY LIVE! Lisa saltou da cadeira apavorada segurando a faca que estava a sua frente em punho.
- PAIIIIII EU TE MATO! - Gritou, vendo o pai segurar a barriga de tanto rir. Lisa olhou indignada para a mãe, mas a viu olhar o marido com um sorriso complacente de quem já está conformada com as atitudes inesperadas dele. O pai lhe deu um grande abraço de urso tirando a faça de sua mão.
- Lisa, minha amada filha, cuidado com esta faca. Não sabia que tinha pensamentos assassinos com seu próprio e amado pai.
- Meu querido e amado pai, descobri hoje que te acho uma tremendo de um crianção insuportável! ME SOLTA!
- Que isso menina foi só um sustinho.
- Me solta paiiii! – gritou Lisa tentando se soltar dos braços paternos.
- Só se me der um beijo – dizendo isso o pai encheu de ar a bochecha direita e a virou para o rosto de Lisa, que o olhou revoltada, mas, sem saída, estalou um beijo na mesma.
- Satisfeito? Agora me solta – o pai a soltou rindo e caminhando em direção a esposa, lhe dá um afetuoso beijo na boca. Lisa observou o carinho entre os pais e sentiu o aperto dentro de si aumentar. ‘Deus, não quero perdê-los. Eles vão me matar, não vão aceitar”. Virou-se e caminhou em direção à porta.
- Lisa não vai comer?
- Perdi a fome, mãe.
- Que isso Lisa, seu pai só brincou. Não é motivo para deixar de jantar menina! – Lisa olhou o pai que agora a olhava meio surpreso. Seu coração se enterneceu. Como era linda a relação dos dois. Que família maravilhosa ela tinha.
- Tem razão, mãe. Desculpe pai, é claro que vou jantar com vocês – sentou-se à mesa já se servindo de uma grande colher de arroz.

Joyce caminhou lentamente para o ponto de ônibus. Com os pensamentos vazios e um olhar distraído não viu o carro que parou ao seu lado.
- Carona, linda dama? - assustada, olhou para o carro e viu Carlos lhe sorrindo do volante.
- Não... Carlos obrigado eu... prefiro ir de ônibus, ok.
Carlos estacionou o carro, saiu e caminhou em direção a ela.
- Joyce olha, eu não vou fazer nada, só vou lhe dar uma carona, ok. Além que você não me deu o seu endereço para que eu possa lhe pegar na sexta.
- Me... pegar??? – Jô entrou em pânico. – Esta louco? Não quero você indo a minha casa! - ao perceber que gritara, avermelhou. – Err... desculpe... é que... bom eu... Carlos eu tenho uma filha. Não quero... bom... é isso. Sou mãe solteira e não quero que minha filha me veja com ninguém. Não agora. – fechou os olhos angustiada: ‘ Agora é hora do fora’. Sentiu então uma mão lhe tocar delicadamente o rosto e abriu os olhos. Carlos a olhava, ainda um pouco assustado com seu grito, mas tinha o olhar meigo.
- Querida Dama, eu já sabia que tinha uma filha. Mas veja, isso em nada faz diferença. Compreendo sua insegurança em que eu vá a sua casa, mas ainda assim precisamos marcar um local para nos encontrarmos, não acha?
Joyce o olhou surpresa, mas feliz. Não interessava onde ele buscou esta informação sobre sua vida, nunca foi segredo mesmo. Sentiu um calor aquecer seu coração e então suavemente, ainda sem graça tirou-lhe a mão do rosto.
- Conhece o Chico Mineiro, na Savassi?
- Sim, conheço – Carlos sorriu abertamente. – Chico Mineiro às... 20h de sexta. Está bom?
- Está ótimo! Combinadíssimo.
- Bem, então vou indo nessa? Tem mesmo certeza que não quer a carona? - Tenho Carlos, mas obrigada. - Tudo bem então. Beijos linda Dama. – Carlos se afastou lentamente, entrou no carro e com um gesto de até logo, partiu. Joyce observou o carro se afastar, respirou fundo e retornou o caminho ao ponto de ônibus, agora com os pensamentos em polvorosa. ‘Que roupa vou usar? Meu Deus, nossa, ele é lindo! Imagina ele em minha casa! - balançou a cabeça - Minha mãe ia infernar ate descobrir quem é de onde, como o conheci!’ riu deliciada. Mas de repente o sorriso morre de seus lábios e ela parou.
- Lisa... – disse baixinho. Um soluço subiu-lhe pela garganta e ela voltou a caminhar, agora mais rápida. Não percebeu que de seu rosto as lágrimas corriam livremente, extravasando todos os sentimentos contraditórios que tomavam conta de seu ser. E caminhou rápido, rápido ate correr... Como se tentasse fugir de seus demônios internos que insistiam em lhe torturar o coração e a mente.
Enquanto isso Lisa sentada à mesa se torturava imaginando como iniciar a conversa com sua mãe. Observa-a conversando com seu pai tranquilamente, mas não lhe escapava os olhares furtivos que lhe lançava a toda hora. Virou a cabeça quando ouviu a porta da sala ser aberta.
- Boa noite a todos – era Junior que chegava de mais um dia de trabalho. Seu irmão se tornara um belo homem. Nada musculoso, mas muito elegante. De terno então ficava um charme. Retribuiu o boa noite e pediu licença para se retirar da mesa. O irmão a acompanhou com o olhar e quando os olhos de ambos, tão iguais na cor e na doçura, se encontraram, Lisa sentiu uma paz invadir seu interior. Desde que há alguns anos Junior fora a seu quarto e confessara sua paixão por Jô, eles se tornaram mais próximos. Nunca mais, como num acordo tácito, o assunto fora novamente discutido entre os dois, mas para ela Junior há muito vencera o sentimento por Jô. Namorava agora uma colega de trabalho, advogada como ele, e parecia muito feliz.
- Você esta bem, mana? Parece agitada! - ‘ Bolas Junior, precisa ser tão perceptivo?’ pensou Lisa ao ver o olhar da mãe se tornar ainda mais atento à sua pessoa.
- Nada Ju, é só porque cansa muito ficar um dia inteiro na faculdade, só isso – e passou a mão na testa, esfregando-a fortemente. Olhou para todos. – Bom... boa noite vou para meu quarto, tomar um banho e deitar. Ao se retirar escutou a mãe a chamando e se virou lentamente para ela.
- Filha, não esqueci nossa conversa. Quando puder é só me chamar - Disse muito séria. Engoliu em seco e automaticamente relanceou um olhar para os outros membros da família. Seu pai comia como se nada a seu redor lhe afetasse e Junior... bom Junior olhava fixadamente sua mãe que mantinha uma expressão cautelosa no rosto. Depois virou lentamente o rosto cheio de indagações para ela.
- Está tudo bem? - Junior perguntou como se sentisse que algo muito importante lhe fugisse do conhecimento.
- Tudo Ju, é que eu... bom... apenas quero conversar com a mãe uns problemas que estou tendo ai. – ‘Porque estou me justificando? Ai Deus!’ pensou já sentido o suor frio em sua testa. – É... Valeu mãe eu falo depois desencana tá! Boa noite de novo gente. – e saiu quase fugida da cozinha.
Após um banho demorado Lisa, já mais calma foi à sala e ligou para Jô.
- Alô.
- Jô é Lisa, tudo bem? A loira estranhou o silencio súbito que se fez do outro lado - Jô??
- Lisa? her... desculpe é... é Mariana aqui, mas já resolvi. Está tudo bem sim e você?
- Um pouco agitada, mas bem. Ah... olha, vai ter uma festa lá na faculdade sexta feira da turma. É para acarretar grana pra formatura e eu já peguei dois convites pra nós, tá. Um silencio ainda maior se fez do outro lado da linha. – Jô? Jô?? Lisa tirou o fone do ouvido, o olhou indagadora e depois o pondo novamente repetiu. – Jô? Está ai?
- Ah... eu... tô... tô. Lisa olha eu... tô com uns problemas aqui. Depois te ligo e a gente conversa tá. Beijos. – E desligou o telefone. Sem ação, Lisa pôs lentamente o telefone no gancho. Sentiu um grande aperto no coração. A distancia de Jô nos últimos tempos nunca lhe parecera tão amedrontadora e essa sua atitude só lhe deixava ainda mais angustiada. Passou a mão sobre os longos cabelos e quando se virou para o corredor deu de cara com Junior que a olhava em silêncio. Pôs a mão sobre o coração.
- Meu Deus, os homens dessa família tiraram o dia hoje para me assustar.
- Lisa, eu queria falar com você. Tem um tempinho? – O irmão a olhava muito sério. Lisa o olhou apreensiva.
- Claro Ju. Tá tudo bem?
- Comigo sim. Podemos ir ao seu quarto? – E sem esperar resposta, caminhou em direção ao quarto, abriu a porta e disse: – Vamos?

 "Damos, muitas vezes, nomes diferentes às coisas: O que para mim são espinhos, vós chamais-lhe rosas"

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Capitulo XVIII

Paula estava angustiada. Há dias queria conversar com Lisa, mas, apesar de ser necessário, não sabia por onde começar. Precisava esclarecer dúvidas que vinha sentindo há muito tempo. Os filhos sempre pensam que as mães não sentem suas mudanças. Ledo engano. Elas, na verdade, parecem ser dotadas de um radar sensitivo quando se refere à sua prole. E o dela há muito tempo apitava para Lisa. A tão necessária conversa seria difícil, algo lhe dizia que teria que amar muito a filha para que ambas não conflitassem ou se agredissem verbalmente. Sempre se deram bem, mas nunca o amor de ambas havia sido testado. Não a este ponto. Paula pôs a mão na testa num gesto tão característico seu, que Lisa herdara.
- Mãe? Tudo bem?
- Lisa? Ah, claro filha! E você?
- Tudo bem – respondeu sentando-se à mesa. – Hoje tenho uma prova difícil. Pior que estudei pouco. Posso ir com seu carro?
- Sabe que sim filha - Paula a olhou meio hesitante. – Lisa... Eu... precisamos conversar não acha?
Lisa observou a mãe. Sempre pensara consigo mesma que mãe era um ser muito intuitivo e por mais que você pense que ela não sabe, ela sempre sabe do que acontece com os filhos. Finge não saber, ignora, se faz de boba, mas sabe. Ela não queria ter este papo com a mãe, não agora. Há dias sentia certa angustia no seu relacionamento com Joyce como se algo estivesse para acontecer. Algo que sabia e que não ia gostar muito. Mas seu amor pela morena era tão grande que preferia fechar os olhos à sua intuição. Jô há alguns dias estava mais cautelosa como que pisando em ovos. Achava que era porque tinha medo que ela voltasse a pressionar para as duas assumirem o relacionamento e então aquietara. Como a vida era engraçada! Logo ela que era a certinha, a bonitinha da família pressionava para se assumissem. Olhou a mãe e deu um sorriso triste. Assumir? Às vezes chegava a ser irônica sua postura. Gritava dentro de um quarto com Jô que queria assumir, mas quando era confrontada no “mundo real”, adiava ao máximo a revelação. Realmente era mais fácil viver seu mundinho limitado, mesmo que ele fosse insatisfatório.
- Mãe, tenho que sair – a mãe a observa em silêncio se levantar e caminhar para a porta que dava para a rua. Neste momento Lisa parou pensativa. Respirou profundamente e se voltou para Paula. - Mãe eu aceito a conversa. Pode ser quando voltarmos?
- Sim filha pode ser - O coração de Paula deu um baque. Agora mais que nunca ela teria que aprender o significado da palavra mãe e o real sentido do amor.

Joyce estava sentada à mesa do refeitório. Com a mão apoiada no queixo pensava em Lisa e em como a situação das duas parecia meio tensa. Sabia que a culpa era sua, mas... Não sabia explicar, mas já há um tempo sentia que faltava algo. Isso lhe parecia ilógico já que tinha plena certeza de seu amor pela loira. Não só amor, mas também um desejo delicioso. Só de pensar que Li era sua, ela sentia o coração aquecer. Então por que esta expectativa de que algo tinha que acontecer? De que algo iria mudar? Por que esta insatisfação com algo que parecia tão... completo?
- Ora! Olá! Tudo bem? Posso me sentar com você? Joyce ergueu o olhar e se assustou. Era o rapaz que lhe fizera beijar o chão há algumas semanas. Segurou a mesa meio brincalhona.
- Pode, já estou me segurando! – fez uma cara de brincadeira fingindo receio e expectativa.
- Prazer, meu nome é Carlos - ele estendeu a mão enquanto se sentava sorrindo
- Prazer Carlos, Joyce – ao tocar os longos dedos sentiu um suave calor aquecer a palma de sua mão e então voltou o olhar às mãos ainda unidas. Soltou-a lentamente e sorriu.
- Então nos encontramos novamente, linda dama.
- Parece que sim – Joyce não sabia por que, mas se sentia tímida.
- Você estuda aqui. Faz direito? - Carlos perguntou como quem não quer nada. Na verdade desde que trombara com a bela morena não conseguira tirá-la dos pensamentos. Sentira-se tocado por sua beleza, mas sabia que havia algo mais. Ela, de alguma forma, tocara seu coração. Todos os dias, sem que ela soubesse, observava-a de longe. Agora já sabia cada gesto, cada sorriso, cada trejeito seu. Naquele dia, vendo-a sozinha na mesa da lanchonete não resistira e se aproximara.
- Faço sim, adoro! E você? - Ela o olhou com um lindo sorriso. Não ia confessar nem a si mesma que durante estes dias percorrera os olhos pelos pátios da faculdade na expectativa de vê-lo de novo. Isso seria assinar o início do fim de sua relação com Lisa e isso definitivamente ela não queria.
- Opa, que frase maravilhosa de se ouvir! Quem me dera voltar a ser estudante. Na verdade sou professor assistente.
- Mesmo? Que legal! Pena que não sou sua aluna – Sorriu meio irônica
- Pois graças a Deus que não é! – Carlos retribuiu o sorriso irônico.
- Por quê?
- Porque senão como poderíamos jantar juntos, não é?
- Jantar? Como jantar?
- Sexta, não lembra? - Pôs a mão sobre o coração como se sentisse uma imensa dor. – Oh, você esqueceu nosso encontro! Joyce começou a rir. Estava adorando o jogo de palavras.
- Mas não podemos sair. Você é professor esqueceu? Seria muita falta de ética de sua parte sair com uma aluna.
- Daí a sorte, linda dama – sorri deliciado. – Por isso não sinto nenhuma pena de você não ser minha aluna. Estarei jantando com uma bela mulher que nunca vi em sala de aula – olhou-a em expectativa. – Agora sério, aceita jantar comigo na sexta?
Joyce o observou, encantada com o sorriso dele. Seu pensamento foi automaticamente à Lisa, mas ela o bloqueou.
- Sim aceito. Espero teacher, que não me arrependa.
- Minha linda dama, este jantar será apenas o inicio de uma linda história de vida.
Joyce fechou os olhos ligeiramente. ‘O que estou fazendo?’. Mas quando os abriu e viu Carlos à sua frente sentiu que deveria, teria que fazer aquilo. ‘ me desculpe Lisa, eu preciso descobrir isso’.
O fim do dia chegou rapidamente às duas. Joyce com os pensamentos em conflito pelo convite aceito e sentindo um aperto enorme no coração. A toda hora do dia sentira a culpa assolar sua mente e tentava em vão encontrar justificativas para sua atitude. ‘É só um jantar de amigos, não existe mal algum nisso’. Passou a mão diversas vezes no cabelo e não conseguiu prestar atenção a nenhuma aula. Ao fim das aulas enquanto todos se retiravam da sala ela apoiou a testa na mesa e se entregou a um momento de pura angustia. “Sou uma idiota”
- Jô? Você está bem? – ergueu a cabeça e viu Márcia, sua colega de curso à sua frente, olhando-a preocupada. Ergueu-se da cadeira e sorriu contida
- Tô sim, Márcia, são só uns pensamentos infelizes. Vamos?
Márcia olhou-a preocupada.
- Tudo bem - segurou-a delicadamente pelo braço. – Olha Jô, precisando falar estou aqui, ok? Joyce olhou a colega, agradecida.
- Ok, Márcia, obrigada.

 Lisa por sua vez saiu da faculdade com certa pressa. Agora que decidira ter um papo definitivo com a mãe sentia-se ansiosa para concretizá-lo logo. Sentiu uma vontade louca de falar com Jô e juntas decidirem como as coisas se encaminhariam depois disso. Mas sabe que se a morena sonhar que vai se abrir para a mãe terá um verdadeiro ataque de pânico. Sorriu triste. Sentia que realmente não queria este relacionamento limitado, sem sentido. Queria o viver plenamente, totalmente entregue.
O que Lisa não percebia ou não queria ver é que a sociedade que hoje a considerava esforçada, brilhante, com um futuro promissor seria a mesma que a condenaria por suas opções, a faria sofrer por ser simplesmente quem é em suas escolhas. Uma sociedade que rejeita quem não anda em seus padrões de vida e foge de suas regras de conduta. Uma sociedade que não a deixaria jamais esquecer que para ela não importa a felicidade do indivíduo e sim a certeza que ele estará sob suas normas limitadas e preconceituosas.
As duas, em um mesmo dia, tomaram atitudes surpreendentes e decisivas. Decididas, mesmo dentro de seus conflitos pessoais e sem tomarem conhecimento uma da outra, ou mesmo darem ouvidos à intuição que tanto as alertara, seguiam por caminhos contrários. O amor gritava dentro delas, angustiado. Um aperto profundo no coração das duas se fazia sentir ao mesmo momento, ao mesmo tempo. E cada uma, a caminho de suas residências, tinham um único sentimento. Estavam sós.

 “Acreditar em nossa própria mentira é o primeiro passo para o estabelecimento de uma nova verdade." Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Capitulo XVII

Joyce caminhava apressada pelo campus da universidade. Olhou para o relógio constatando que iria se atrasar. “Droga, já são 7h40min! Logo hoje que tenho trabalho”. Acelerou os passos e...
- Aiii, que porra! - reclamou ao trombar violentamente contra outro aluno da faculdade.
- Uff desculpe garota, foi sem querer! Eu não quis te machucar. Ela olhou para cima e viu um rapaz muito bonito, um pouco mais velho que seus 21 anos, estendendo-lhe a mão.
- Você se machucou? Me perdoe, foi sem querer. Às vezes eu me distraio.
Joyce, ainda no chão, encarava muda aquele belo exemplar masculino à sua frente. Moreno, olhos castanhos esverdeados, físico alongado. “Como é bonito!” Olhou para a mão estendida à sua frente e a segurou, erguendo-se do chão.
- Não, tudo bem... Eu que estava correndo, tava distraída. Tô super atrasada.
- Então somos dois, hem. Vamos lá!
- Como? - E isto foi tudo que Jô conseguiu dizer antes que o rapaz, que até então segurava sua mão, saísse correndo em direção ao prédio da universidade, a levando junto. Chegaram ofegantes ao prédio onde Joyce fazia o primeiro ano de Direito. Ainda buscando ar para respirar, olhou para o rapaz que segurava sua mão com a dele.
- Obrigado pela bela corrida. - risonho, inclinou-se numa mesura frente à Jô - Minha linda dama. Saiba que fui eu e não você quem caiu a seus pés. – disse dando-lhe um suave beijo na mão e, soltando-a em seguida, deu um tchau alegre e simplesmente se foi. Joyce ficou ali, parada, ainda com a mão meio erguida, sentido uma deliciosa sensação de bem estar.

 - Lisa, você aqui?
- Olá, Lúcia!
- Não foi à aula??
- Hoje não tive aula e resolvi vir ver a Mari. Ela já melhorou da gripe?
- Menina – Lucia lhe deu passagem para que entrasse na casa – Quem está ruim agora sou eu. Essa gripe derruba até elefante - comentou sorrindo - Assim tirei hoje o dia de folga. As duas seguiram em direção ao quarto onde Mariana, na altura de seus quatro anos, tentava trocar alguns passos de Balé.
- MARIANA!! Não era para estar deitada??
- Vovó! Er... eu... – a menina olhou a avó desconcertada, mas ao ver Lisa logo atrás dela gritou feliz, esquecendo qualquer justificativa. - Liiii!!
As duas se abraçam sorrindo, numa troca de energias positivas, repleta de amor e muito carinho.
- Mari, amorzinho, não devia desobedecer a sua avó – Lisa disse carinhosa, enquanto colocava uma mecha dos longos cabelos negros da criança atrás da orelha. A menina a encarou dengosa, com seus belíssimos olhos verdes e, fazendo biquinho.
- Ahhh Li, não aguento mais a cama. E vovó toda hora trás coisa ruim pra eu tomar.
- Psiu – faz cara de repreensão – é para seu bem. Pegou-a no colo e a levou de volta à cama, tudo sob o olhar atento de Lucia, que sorria para elas. Sempre a impressionava a afinidade existente entre as duas. Mariana tinha uma personalidade fortíssima, como a mãe, mas com Lisa a pequena fera virava uma gatinha.
- Pronto! - Lisa disse assim que ajeitou a garota na cama – E esta proibida de sair daí sem ordem expressa de sua avó, entendido?
- Mas é chato!  Você vai ficar aqui comigo, Li? Diz que vai!
- Sim, vou sim, minha linda. Será que agora posso te contar a queda que tive ontem quando saia da escola?
- Contaaaa!
Lucia se afastou ouvindo as risadas das duas. Balançou a cabeça com um sorriso. Lisa era mesmo um anjo na vida de sua filha e neta. Por um momento, o sorriso lhe sumiu do rosto e ela parou sob o batente da porta da cozinha. Depois, balançou a cabeça ligeiramente como que a espantar seus pensamentos e seguiu em direção ao fogão, iniciando o preparo de um belo sopão.
Já era quase uma hora da tarde quando Jô chegou em casa. Entrou silenciosa, sabendo que tanto sua mãe quanto a filha estavam adoentadas. Viu a mãe deitada no sofá da sala, dormindo calmamente. Caminhou até ela e pôs a mão em sua testa e, sorrindo, lhe deu um beijo no rosto adormecido. Deixou o material sobre a outra poltrona e caminhou ao quarto da filha. Ao abrir a porta, sorriu embevecida com a cena à sua frente. Lisa e Mariana dormiam de mãos dadas sobre a cama. Mariana, com a cabeça sobre o ombro de Lisa, parecia tão serena! Seu coração se encheu de amor. Daria a vida por sua filha. Olhou então para Lisa e mais uma vez sentiu o coração se aquecer. Ela se transformara da adolescente lindinha em uma loira de arrasar quarteirão. Os cabelos loiros e lisos agora quase na cintura, as curvas mais pronunciadas, a cintura mais marcada, por onde passava arrancava suspiros apaixonados. Mas ainda eram os olhos, os lindos olhos cor de mel, suaves e sonhadores, que aqueciam e cativavam as pessoas que a conheciam. Era linda por fora e por dentro. Jô suspirou um pouco cansada. Aproximou-se da cama e deu um suave beijo no rosto da filha. Olhou para Lisa e, com carinho, passou a mão em seus lábios.
- Li...
- Jô?
- Acorda Li... vem comigo.
Lisa, ainda sonolenta, afastou com cuidado a cabecinha de Mariana de seus ombros, sem acordá-la, e seguiu Joyce em direção ao seu quarto. Ao entrarem no quarto Joyce segurou a loira sonolenta nos braços e lhe dá um beijo suave.
- Com sono, loirinha?
- Hummm... Vai continuar tentando me acordar assim se disser que sim?
- Boba – Jô, rindo, deitou-se na cama acompanhada por Lisa – Não teve aula hoje? - Perguntou afagando Lisa nos braços.
- Não... Hoje foi dia de paralisação. Estudar em Federal dá nisto.
- Sei... Então pague uma particular pra ver o que é pior.
- Mas, Jô, assim você vai formar primeiro que eu.
- Ah, dá um tempo, Li! Você tá dois anos na minha frente.
Lisa passara na UFMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), em Fisioterapia, aos dezoito anos em sua primeira tentativa de vestibular. Joyce já preferira não arriscar e fizera um ano de cursinho. Mas depois de tentar Direito por dois anos consecutivos na Federal e não passar arriscou uma particular na qual agora estudava.
- Jô, mas que dá preguiça dá. O governo é foda. Sempre dá com uma mão, mas tira com outra. Sabia que os funcionários federais não têm aumento decente há mais de 10 anos? O salário tá super defasado. Pô, o pessoal estuda horrores pra estar lá repassando seus conhecimentos e não é valorizado. Tô sendo prejudicada, mas eles também, né.
- Ah não, Li, não me vem com filosofia, não. Nem papo cabeça. Hoje a aula foi um saco e ainda me deram uma trombada que beijei o chão.
- Sério? Como foi? - Lisa se apoiou no cotovelo.
- Ah, um cara lá tava maluco que nem eu por causa do atraso e deu de frente comigo. A diferença é que ele ficou em pé e eu cai que nem jaca.
Lisa explodiu em gargalhadas.
- Minha Jaquinha. – disse rindo e dando um selinho na namorada. Joyce faz um bico, mas logo acompanha a loira nas risadas.
- Ahh Li... Li você é linda sabia? – disse dando um abraço apertado na loira.
- Você que é Jô. - Lisa a olhou, como sempre, deslumbrada com a beleza morena. Joyce recuperara de vez a forma, mas manteve um corpo maravilhosamente curvilíneo. Seus cabelos negros agora só um pouco abaixo dos ombros emolduravam o rosto anguloso, dando-lhe um ar quase felino. Jô não era apenas bonita. Era deslumbrante em seu ar aparentemente descontraído e ciente de sua feminilidade. As duas mantinham o namoro em segredo e nunca haviam sido descobertas. Como sempre foram muito unidas as pessoas achavam mais que natural o grude que viviam. Nem mesmo a opção por cursos diferentes na universidade conseguira afasta-las. Lisa sempre pensava que o amor das duas era indestrutível e que nada nem ninguém as separaria. Jô, de olhos fechados, pensava em todos os momentos que ela e Lisa viveram depois que assumiram o amor uma pela outra. Os conflitos que vivera, o medo da mãe descobrir tudo. Alias – pôs a mão no queixo – percebera ultimamente olhares estranhos da mãe sobre ela. Muito estranhos.
- Li... - Olhou para a loira indagadora – você percebeu alguma mudança no comportamento de minha mãe, ultimamente?
- Hum? Não Jô, por quê? Tem algo te grilando?
- Sei não... Ela anda parando o olhar em mim e ficaaaaaa... Tá muito estranho. Sabe quando você sente que tem algo ali?
- Jô, você acha que ela tá desconfiando de nós? É isso? – Lisa afastou ligeiramente o corpo do de Jô
- Ave Maria, Nossa Senhora, São tudo que houver! Tá doida? Nem pode sonhar! Lisa ao escutar aquilo e o tom de pânico de Jô ao dizê-lo sentiu uma tristeza tomar conta de si. Já há muito tempo repensava a situação das duas e achava que deviam dar mais um passo no relacionamento.
- Jô olha... - afastou-se da morena e a olhou nos olhos – Seria tão ruim assim???
- Lisa, tá doida??? Claro que seria! Pensa! Acha mesmo que as pessoas aceitam assim? O pessoal só finge ser cabeça. Quando é pra provar isso a mente é desse tamanhinho – e faz um gesto com os dedos a mostrar algo minúsculo.
- Jô... para. Quer que a gente fique assim sempre, é??? Temos que começar a pensar nisso.
- Lisa, não quero falar nisso, tá bom? Para! Vai voltar de novo esse papo?
- Joyce, não é papo. Poxa, a gente se ama. Não tô pedindo que grite ao mundo que gosta de mulher, mas sei lá, a gente pode contar... - Calou e passou mão nos cabelos. – Jô, tô cansada de esconder, é isso.
Joyce se levantou da cama e olhou a loira.
- Li... não tô pronta pra isso, você sabe. Pô, a gente nem formou nem nada. Eu tenho uma filha, não posso ser impulsiva.
- Impulsiva??? - Lisa se ergue e ficou de frente à Jô. – Impulsiva? Acorda Jô! Estamos nessa há quatro anos.
- Então amor, vê... Nôs damos bem assim – ergueu a mão e tocou a loira levemente – não apressa, vai. Não faz isso. Eu amo você, mas não tô pronta pra mais. Segura a onda.
Abraçou Lisa sabendo que assim ela iria ceder e a beijou. Não gostava muito de usar este artifício, mas seu coração gelava sempre que ela vinha com este papo de assumir.
- Eu te amo Li... Beija-a profundamente e uma pontada de desejo despertou em seu íntimo. – Que tal se fecharmos a porta???

 "No amor não existem pessoas certas, existem pessoas que lutam para dar certo."