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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Capitulo XVIII

Paula estava angustiada. Há dias queria conversar com Lisa, mas, apesar de ser necessário, não sabia por onde começar. Precisava esclarecer dúvidas que vinha sentindo há muito tempo. Os filhos sempre pensam que as mães não sentem suas mudanças. Ledo engano. Elas, na verdade, parecem ser dotadas de um radar sensitivo quando se refere à sua prole. E o dela há muito tempo apitava para Lisa. A tão necessária conversa seria difícil, algo lhe dizia que teria que amar muito a filha para que ambas não conflitassem ou se agredissem verbalmente. Sempre se deram bem, mas nunca o amor de ambas havia sido testado. Não a este ponto. Paula pôs a mão na testa num gesto tão característico seu, que Lisa herdara.
- Mãe? Tudo bem?
- Lisa? Ah, claro filha! E você?
- Tudo bem – respondeu sentando-se à mesa. – Hoje tenho uma prova difícil. Pior que estudei pouco. Posso ir com seu carro?
- Sabe que sim filha - Paula a olhou meio hesitante. – Lisa... Eu... precisamos conversar não acha?
Lisa observou a mãe. Sempre pensara consigo mesma que mãe era um ser muito intuitivo e por mais que você pense que ela não sabe, ela sempre sabe do que acontece com os filhos. Finge não saber, ignora, se faz de boba, mas sabe. Ela não queria ter este papo com a mãe, não agora. Há dias sentia certa angustia no seu relacionamento com Joyce como se algo estivesse para acontecer. Algo que sabia e que não ia gostar muito. Mas seu amor pela morena era tão grande que preferia fechar os olhos à sua intuição. Jô há alguns dias estava mais cautelosa como que pisando em ovos. Achava que era porque tinha medo que ela voltasse a pressionar para as duas assumirem o relacionamento e então aquietara. Como a vida era engraçada! Logo ela que era a certinha, a bonitinha da família pressionava para se assumissem. Olhou a mãe e deu um sorriso triste. Assumir? Às vezes chegava a ser irônica sua postura. Gritava dentro de um quarto com Jô que queria assumir, mas quando era confrontada no “mundo real”, adiava ao máximo a revelação. Realmente era mais fácil viver seu mundinho limitado, mesmo que ele fosse insatisfatório.
- Mãe, tenho que sair – a mãe a observa em silêncio se levantar e caminhar para a porta que dava para a rua. Neste momento Lisa parou pensativa. Respirou profundamente e se voltou para Paula. - Mãe eu aceito a conversa. Pode ser quando voltarmos?
- Sim filha pode ser - O coração de Paula deu um baque. Agora mais que nunca ela teria que aprender o significado da palavra mãe e o real sentido do amor.

Joyce estava sentada à mesa do refeitório. Com a mão apoiada no queixo pensava em Lisa e em como a situação das duas parecia meio tensa. Sabia que a culpa era sua, mas... Não sabia explicar, mas já há um tempo sentia que faltava algo. Isso lhe parecia ilógico já que tinha plena certeza de seu amor pela loira. Não só amor, mas também um desejo delicioso. Só de pensar que Li era sua, ela sentia o coração aquecer. Então por que esta expectativa de que algo tinha que acontecer? De que algo iria mudar? Por que esta insatisfação com algo que parecia tão... completo?
- Ora! Olá! Tudo bem? Posso me sentar com você? Joyce ergueu o olhar e se assustou. Era o rapaz que lhe fizera beijar o chão há algumas semanas. Segurou a mesa meio brincalhona.
- Pode, já estou me segurando! – fez uma cara de brincadeira fingindo receio e expectativa.
- Prazer, meu nome é Carlos - ele estendeu a mão enquanto se sentava sorrindo
- Prazer Carlos, Joyce – ao tocar os longos dedos sentiu um suave calor aquecer a palma de sua mão e então voltou o olhar às mãos ainda unidas. Soltou-a lentamente e sorriu.
- Então nos encontramos novamente, linda dama.
- Parece que sim – Joyce não sabia por que, mas se sentia tímida.
- Você estuda aqui. Faz direito? - Carlos perguntou como quem não quer nada. Na verdade desde que trombara com a bela morena não conseguira tirá-la dos pensamentos. Sentira-se tocado por sua beleza, mas sabia que havia algo mais. Ela, de alguma forma, tocara seu coração. Todos os dias, sem que ela soubesse, observava-a de longe. Agora já sabia cada gesto, cada sorriso, cada trejeito seu. Naquele dia, vendo-a sozinha na mesa da lanchonete não resistira e se aproximara.
- Faço sim, adoro! E você? - Ela o olhou com um lindo sorriso. Não ia confessar nem a si mesma que durante estes dias percorrera os olhos pelos pátios da faculdade na expectativa de vê-lo de novo. Isso seria assinar o início do fim de sua relação com Lisa e isso definitivamente ela não queria.
- Opa, que frase maravilhosa de se ouvir! Quem me dera voltar a ser estudante. Na verdade sou professor assistente.
- Mesmo? Que legal! Pena que não sou sua aluna – Sorriu meio irônica
- Pois graças a Deus que não é! – Carlos retribuiu o sorriso irônico.
- Por quê?
- Porque senão como poderíamos jantar juntos, não é?
- Jantar? Como jantar?
- Sexta, não lembra? - Pôs a mão sobre o coração como se sentisse uma imensa dor. – Oh, você esqueceu nosso encontro! Joyce começou a rir. Estava adorando o jogo de palavras.
- Mas não podemos sair. Você é professor esqueceu? Seria muita falta de ética de sua parte sair com uma aluna.
- Daí a sorte, linda dama – sorri deliciado. – Por isso não sinto nenhuma pena de você não ser minha aluna. Estarei jantando com uma bela mulher que nunca vi em sala de aula – olhou-a em expectativa. – Agora sério, aceita jantar comigo na sexta?
Joyce o observou, encantada com o sorriso dele. Seu pensamento foi automaticamente à Lisa, mas ela o bloqueou.
- Sim aceito. Espero teacher, que não me arrependa.
- Minha linda dama, este jantar será apenas o inicio de uma linda história de vida.
Joyce fechou os olhos ligeiramente. ‘O que estou fazendo?’. Mas quando os abriu e viu Carlos à sua frente sentiu que deveria, teria que fazer aquilo. ‘ me desculpe Lisa, eu preciso descobrir isso’.
O fim do dia chegou rapidamente às duas. Joyce com os pensamentos em conflito pelo convite aceito e sentindo um aperto enorme no coração. A toda hora do dia sentira a culpa assolar sua mente e tentava em vão encontrar justificativas para sua atitude. ‘É só um jantar de amigos, não existe mal algum nisso’. Passou a mão diversas vezes no cabelo e não conseguiu prestar atenção a nenhuma aula. Ao fim das aulas enquanto todos se retiravam da sala ela apoiou a testa na mesa e se entregou a um momento de pura angustia. “Sou uma idiota”
- Jô? Você está bem? – ergueu a cabeça e viu Márcia, sua colega de curso à sua frente, olhando-a preocupada. Ergueu-se da cadeira e sorriu contida
- Tô sim, Márcia, são só uns pensamentos infelizes. Vamos?
Márcia olhou-a preocupada.
- Tudo bem - segurou-a delicadamente pelo braço. – Olha Jô, precisando falar estou aqui, ok? Joyce olhou a colega, agradecida.
- Ok, Márcia, obrigada.

 Lisa por sua vez saiu da faculdade com certa pressa. Agora que decidira ter um papo definitivo com a mãe sentia-se ansiosa para concretizá-lo logo. Sentiu uma vontade louca de falar com Jô e juntas decidirem como as coisas se encaminhariam depois disso. Mas sabe que se a morena sonhar que vai se abrir para a mãe terá um verdadeiro ataque de pânico. Sorriu triste. Sentia que realmente não queria este relacionamento limitado, sem sentido. Queria o viver plenamente, totalmente entregue.
O que Lisa não percebia ou não queria ver é que a sociedade que hoje a considerava esforçada, brilhante, com um futuro promissor seria a mesma que a condenaria por suas opções, a faria sofrer por ser simplesmente quem é em suas escolhas. Uma sociedade que rejeita quem não anda em seus padrões de vida e foge de suas regras de conduta. Uma sociedade que não a deixaria jamais esquecer que para ela não importa a felicidade do indivíduo e sim a certeza que ele estará sob suas normas limitadas e preconceituosas.
As duas, em um mesmo dia, tomaram atitudes surpreendentes e decisivas. Decididas, mesmo dentro de seus conflitos pessoais e sem tomarem conhecimento uma da outra, ou mesmo darem ouvidos à intuição que tanto as alertara, seguiam por caminhos contrários. O amor gritava dentro delas, angustiado. Um aperto profundo no coração das duas se fazia sentir ao mesmo momento, ao mesmo tempo. E cada uma, a caminho de suas residências, tinham um único sentimento. Estavam sós.

 “Acreditar em nossa própria mentira é o primeiro passo para o estabelecimento de uma nova verdade." Carlos Drummond de Andrade

2 comentários:

  1. eu acompanho pelo xanainbox, mas olha,está de parabens sua história é perfeita,e claro,continua a postar ok?!

    bjinhus

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  2. Acompanho esse conto desde o começo, estou adorando, parabéns vc escreve mto bem.
    Por favor continue a postar, espero ansiosa pelo próximo capítulo.

    bjs

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