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domingo, 31 de outubro de 2010

Capítulo XVII

Lisa observa pela janela do carro o transito parado. Engarrafamento em bairro residencial beirava o absurdo. BH estava com um fluxo de carros excessivo. Era estressante. Liga o rádio e uma suave música toma conta do interior do automóvel. Fecha os olhos e respira fundo, procurando se acalmar. De nada adianta ficar nervosa.  Após alguns segundos, abre os olhos e os arregala surpresa.
Atravessando entre os carros, Mari ria abertamente de alguma frase dita por uma jovem mulata que a acompanhava. Estreita os olhos e põe a mão sobre o coração.  Prende a respiração ao ver a jovem pegar na cintura de Mari com naturalidade e intimidade. Segura com força o volante para evitar sair do carro e aos gritos tirar satisfação. Observa as duas se afastarem e começa a tremer. Mari... Mariana... sua Mari, cheia de intimidades com outra mulher?
Põe a cabeça sobre o volante... Quase dois meses que não a via. Procurava de todas as formas evitá-la, cumprindo o que prometera.  Como era difícil! Ela preenchia sua vida, trazia alegria a sua existência.  Maldito dia no sítio. Maldita falta de coragem para enfrentar a situação. Será que ela e a jovem mulata eram namoradas? Esfrega a testa angustiada. Não pode ser! Mariana não podia fazer isso com ela. Sente uma onda de ciúmes dominá-la.
‘Não aceito isso! Você não tem este direito Mariana!’
Bate a mão sobre o volante. 
‘Ok... respira fundo Lisa... respira fundo... coloque os pensamentos no lugar... não tire conclusões precipitadas. São amigas... o toque era amigo. Isso... amizade...amizade. Que ódio!!!’

- Mentira que ele deu um tapa na sua bunda, Nádia!
- Cara abusado, Mari! Imagina! Ainda ficou rindo de mim! Ai se pudesse, corria atrás daquela moto e eliminava este tarado da fase da terra.
Mariana ri ainda mais alto.
- Quem manda andar com estas calças justas?
Nádia a olha indignada.
- São de ginástica Mari! Queria que fosse para a aula de terninho?
- Não – Mariana balança a cabeça divertida. – Imagino a sua cara...
- Não imagine...  – Olha para os lados intrigada - Gente que transito caótico é este aqui no bairro?
- Acidente na Avenida Amazonas. O pessoal tenta desviar por aqui.
- Hum... não sente saudades de morar aqui?
- Às vezes... Mas onde moro também é legal.
- E chique – Nádia faz um ar maroto.
- Ah, cala a boca! Nem me ligo nisso.
- Chegamos.
Nádia abre a porta do prédio onde morava.
- Mamis! Tô em casa!
- Willkommen Tochter
Nádia  sorri ao ver o pai adentrar o ambiente e o abraça.
- Hallo Papa ... das ist mein Freund Mariana
Mari sorri educada ao senhor alto, branco de imensos olhos azuis.
- Mari, este é meu pai.
- Oi... prazer.
O alemão sorri educado, vira-se para a filha e fala em um português carregado.
- Sua mãe foi fazer compras. Vou sair para caminhar. Fiquem a vontade.
Dá um novo sorriso a Mari e acena em despedida.
- Putz Nádia! Seu pai é enorme!
Nadia sorri.
- É um ursão. Gostoso de pegar. Vem. Vou te mostrar os vídeos que falei.
Mariana sorri ao entrar no quarto de Nádia. Parecido com ela. Esfuziante, mas ao mesmo tempo formal. Uma mistura eclética, imprevisivel.
- Mari, queria realmente saber o que pensa quando dá este sorrisinho de lado.
- Gostei do seu quarto.
- Também adoro... mas deixa ver onde está este vídeo. Sei que está por aqui.
Mari caminha por entre as estantes. Para frente a um pequeno porta retrato onde uma loira sorria abraçada a Nádia.
- Quem é?
Nádia olha na direção que apontava, aproxima-se e pega o retrato.
- Ester... Minha... amiga. Alemã.
- Bonita.
Nádia acaricia a pequena foto.
- Bonita não... linda! Ela é linda. –Devagar volta o retrato para a estante. –Era minha namorada.
Mariana engole em seco. Surpreende com a sinceridade da amiga.
- Eu... parece ainda gostar dela. Por que não estão juntas?
- Ah Mari! Pensa! Que amor vence uma distancia tão grande como Brasil e Alemanha? Que amor pode ser tão grande para vencer essa barreira?
‘Meu amor por Lisa‘
Mariana suspira e caminha até a cama, onde se senta. Seu amor por Lisa vencera todas as barreiras. Menos a ultima. Por que? Por que desistira?
- Mari... de novo está com este olhar perdido, triste. Você está bem?
A amiga se senta a seu lado e lhe acaricia o cabelo.
- Nádia... a vida podia ser mais simples ... bem mais simples não acha?
- Sim... com certeza.
- Devíamos amar quem não nos faz sofrer, quem está  perto de nós.
- Mari... – Nádia fecha os olhos angustiada. – Daria tudo para ter Ester aqui comigo. Mas... está alem de nós. Ela não podia vir... eu não podia ficar. Eu... é bom saber que pude viver este amor tão lindo.
- Acha que um dia vai voltar a vê-la?
- Com certeza. Tem que ser. É isso que me sustenta.- Nádia a olha um pouco receosa. – Não te assusta saber que gosto de mulher?
- Não... –Mariana a olha triste – Eu também gosto de mulher Nádia... na verdade de uma mulher. Mas...ela está alem de meu alcance.
- Ah Mari... algo me dizia que você era como eu. Só isso para explicar tanta identificação. Adoro você sabia. Muito.
- Também adoro você Nádia. Muito.
Mariana a abraça com carinho. As duas permanecem unidas por longos minutos. Devagar Nádia a solta e segura com carinho o belo rosto de Mari.
- Seus olhos são tão lindos Mari... tão expressivos.
Mariana pisca sem graça. Instintivamente desce o olhar para a boca carnuda da amiga. Percebe-a se aproximar e fecha os olhos. O beijo delicado, caloroso, aquece o coração de ambas.
Por toda a tarde permanecem abraçadas sobre a cama, caladas, pensativas. Por vezes trocavam beijos, cada vez mais profundos. Não buscavam entender suas atitudes. O que importava é que não se sentiam sós.

Joyce caminha pelos corredores do fórum. Distraída não percebe o homem loiro que a observa.
- Jô? Joyce?
Surpresa vira-se para trás e arregala os belos olhos negros.
- Da...Daniel?
Daniel lhe sorri simpático e constrangido.
- Sim... eu mesmo.
- Que... coincidência encontrar você por aqui. 
‘Nao acredito! Que merda! Merda!‘
- Jô, olha, sei que sou a ultima pessoa que queria ver nesse mundo, mas... é bom vê-la, saber que está bem.
- Não graças a você Daniel!
- Eu sei... – Abaixa a cabeça desalentado. – Fui um cafajeste, eu sei, mas... serve de consolo saber que se pudesse mudaria tudo?
Joyce o olha séria e rancorosa.
- Na verdade  não. Olha, preciso ir. Tchau.
- Pera Jô.
Daniel a segura pelo braço.
- Faz o favor de tirar as mãos de mim!
Ele a solta imediatamente.
- Desculpe. Jô, eu errei. – Olha para os lados – Aqui não é lugar para conversarmos isso. Por favor,  gostaria mesmo de conversar com você. Um café! Só isso que lhe peço.
Joyce observa o homem a sua frente. O tempo fora benéfico com Daniel. Estava bonito, as rugas e os poucos cabelos brancos na basta cabeleira, apenas lhe davam um charme a mais. Suspira tensa.
- Só um café?
- Só um café.
- Ok... um café.

- Então é isso Joyce. Sei que não posso consertar todo o mal que lhe fiz, nem mesmo querer o seu perdão, mas... precisava lhe dizer isso.
Joyce o olha séria e mexe mais uma vez, nervosa, a colherzinha no café já frio.
- Daniel, sinceramente, não me importa o quanto sofreu, se se tornou alguém melhor, se está rico, o diabo a quatro. Não pode voltar à minha vida e achar que num passe de mágica, tudo volta a ser  como antes. As mágoas estão aqui, as cicatrizes  permanecem. Não tem como eu olhar para trás e não ver aquele rapaz arrogante, me mandando  a merda e me virando as costas quando mais precisei de alguém.
- Jô... eu... errei. Eu queria de coração voltar o tempo, poder estender-lhe a mão. Queria ver Mariana, nossa... sua filha crescer, ver sua transformação na jovem incrível que é hoje.
Joyce o olha dura.
- Já sei que se encontraram... pelas minhas costas.
Daniel a olha surpreso.
- Foi ela quem marcou o encontro Jô. E não me arrependo de tê-la conhecido.
- Pois espero que fique apenas nisso. Não quero que mantenha contato com ela.
Daniel a olha firme
- Joyce, já paguei muito caro por meus erros. Se Mariana quiser manter contato comigo, assim será.
Joyce sente o rosto avermelhar.
- Você não tem este direito! Não pode voltar anos depois e achar que nada muda! Querer que ignore tudo que me fez, todo o mal que causou.
- Por Deus Jô! Você nunca errou? Nunca magoou alguém, virou as costas e se arrependeu?
Joyce sente o coração se oprimir.
- Nunca! Jamais faria isso a um ser humano! E jamais abandonaria um filho!
- Jô, este passado é algo que terei que carregar para sempre comigo. Mas lutei e luto muito para ser um ser humano melhor, evito magoar as pessoas. Tirei meu aprendizado de tudo isso. Não vou dizer que sou perfeito, mas tenho orgulho da pessoa que sou hoje. Você pode não me dar seu perdão, mas eu me perdoei.  E isso me torna alguém melhor.  Sinto muito por suas cicatrizes, pela ferida que não fecha.  Tenho consciência que seria exigir muito que você esqueça tudo que aconteceu. Olha, sei que refez sua vida, que está casada e feliz. – Daniel a olha sério. – Bom, não vou ocupar mais seu tempo. Eu...  você fez um bom trabalho com Mariana. Ela é um ser humano maravilhoso.
Levanta-se com tranquilidade.
- Obrigado pela atenção. – Sorri atencioso. – Você continua linda.
Joyce o observa se afastar. Tremula, beberica o café e faz cara de desgosto. Frio. Suspira e coloca as mãos sobre os olhos.

‘Por Deus Jô! Você nunca errou? Nunca magoou alguém, virou as costas e se arrependeu?’

A frase insistia em se repetir em sua mente. Sim, ela errara. E esperava de Lisa o perdão que recusara a Daniel. Ignorara suas atitudes do passado e mesmo do presente, querendo Lisa de volta a sua vida, sem abrir mão de nada. Como se nunca tivesse lhe virado as costas, a menosprezado, humilhado, ignorado por tantos anos. E depois... Geme com vergonha. Correra atrás dela, desejosa da satisfação sexual, ignorando seus sentimentos, sua dor.
Observa a porta pela qual Daniel, o pai de sua filha, se retirara. Que moral ela tinha de criticá-lo?  Por acaso ela fizera menos ao amor de sua vida? A pessoa que lhe apoiara, sofrera com ela, estivera a seu lado em todos os momentos, bons e ruins?
Levanta-se e sai da lanchonete,  acabrunhada e pensativa.  Nunca pensara nos sentimentos de Lisa, nas cicatrizes que ela carregava. Achava que o fato de amá-la resolvia tudo. Mas o amor muitas vezes não era a solução. Ergue a cabeça e observa o movimento das pessoas a seu redor. Gira numa volta de 360° sobre si mesma e respira fundo. Nada era tão simples assim. Nada se acomodava no lugar. Tudo caminhava, evoluía. Até o amor. Ergue o olhar triste para o céu. Talvez ela estivesse errada em seus pensamentos.
O amor podia ser a solução.

- Transito dos infernos!
- Lisa! Olha a boca! Dizem que tem diabinho que adora cozinhar loiras só para ver se elas ficam morenas. – O pai gargalha da própria piada.
- Ra Ra Ra, eu ri.
- Credo, que mau humor filha!
- É porque não foi você que enfrentou um transito horrível, só para chegar em casa.
O pai sorri, estica as pernas e coloca os braços atrás da cabeça.
- Inveje... Contemple minha mordomia. Sem horários, sem pressa, sem compromissos. E viva a aposentadoria.
Lisa o olha, entre indignada e divertida. Vira-lhe as costas sem responder e bate a porta do quarto. Senta-se na cadeira da cômoda e se olha no espelho.

‘Pode amanhã esta pessoa não a querer mais Lisa... É isso mesmo que quer?’

Lisa relembra as palavras de Deise.

‘Lute... Lute por sua felicidade. ’

Devagar abre uma pequena gaveta na cômoda, de onde retira um álbum de fotografias. Acomoda-o no colo e o abre.  Sorri ligeiramente ante as fotos dela pequenina. Troca as paginas até ver uma foto dela e Joyce ainda crianças. Pequenas, sorridentes, inseparáveis. Por páginas e páginas fotos dela e Jô. O primeiro dia juntas no clube, na escola, cheias de tinta por tentarem pintar a parede da sala de estar. Jovens, com fingido ar de sabedoria, abraçadas, com um olhar cúmplice de quem guarda um segredo valioso.  Jô grávida, com ela possessiva segurando-lhe a barriga. Mariana, bebê em seus braços... Criança, sorrindo sem os dentes da frente, abraçada ao bichinho de pelúcia que lhe dera. Fotos variadas da jovem morena, com seus pais e ela, durante as visitas que fazia a BH, quando ainda morava em São Paulo.
Luiza... Devagar passa os dedos pela imagem querida. A foto tirada na festa de quinze anos de Mariana fazia jus a toda a imponência da bela morena. Suspirando passa a página. Ela e Mari...  Linda, na flor dos quinze anos. O sorriso de ambas exalando felicidade. Ela olhava diretamente para a câmera e Mari... esta focava toda a atenção a ela. O olhar, brilhante e amoroso, não escondia o sentimento de sua alma jovem.
Volta o olhar para a gaveta, de onde tira outra foto. Sorri saudosa. Era dela e Mariana, em uma das vezes que passearam juntas pela cidade.  Os belos olhos verdes estavam sorridentes, apaixonados, o sorriso aberto. Era tão linda sua Mari. Percebe mais uma foto na gaveta e estreita o olhar, balançando a cabeça numa negativa angustiada. Nunca a vira antes. Possivelmente fora sua mãe quem a colocara ali.
Segura tremula a foto. Nela, Joyce e Mariana sorriam abraçadas, os olhares voltados para a câmera. Vê a data impressa. Fora tirada um pouco antes de sua volta a BH. Novamente observa a imagem das belas mulheres. Eram tão únicas. ... Tão maravilhosamente únicas. Fixa o olhar em uma delas. Uma dor imensa vem a seu coração.

- Ah Deus...  – Sussurra baixinho colocando a cabeça entre os braços. – Não aguento mais senhor... não posso mais lutar contra este sentimento.  Eu a amo... eu a amo... ajude-me pai... eu a amo. Me ajude.

“Se uma pessoa perguntar durante meia hora "eu", essa pessoa se esquece quem é. Outras podem enlouquecer. É mais seguro não fazer jamais perguntas - porque nunca se atinge o âmago de uma resposta. E porque a resposta traz em si outra pergunta.”



quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Capítulo XVI

Deise sorri enquanto saboreia o creme de chocolate
- Cara, adoro isso – Lambe os dedos gulosa.
Lisa olha a ruiva com carinho. A noite entre elas fora deliciosa e maluca.
- Não sei como consegue comer isso pela manhã.
Deise a olha divertida.
- Sou chocólatra amor.
Um pouco depois deixa o lanche de lado e coloca o cotovelo sobre a pequena mesa, encarando Lisa.
- Você é linda... Nua então, uau!
A loira sorri um pouco sem graça. Elas lanchavam nuas.
- Você também é linda, Deise.
A ruiva recosta satisfeita na cadeira.
- Show perfeito, noite perfeita... – Olha Lisa com carinho. – Mulher perfeita.
Lisa estende a mão e toca-lhe o rosto com carinho.
- Você foi maravilhosa Deise. É muito boa em... – Para a frase sem saber exatamente como continuar.
- Fazer amor? – Deise completa com um olhar brincalhão cheio de expectativa.
- Sim... Isso também.  Você... É experiente com mulheres.
- Nem tanto Lisa. Você que é uma grande motivação a fazer meu melhor. – Sorri colocando o queixo sobre a mão. – Na verdade, tive poucas mulheres. Você é a terceira e mais perfeita.
Lisa se mexe na cadeira constrangida.
- Terceira... Sabe, não consigo mesmo entender como alguém pode se atrair pelos dois sexos.
Deise a olha tranquila.
- Lisa, desisti  a muito de tentar entender também. A verdade é que, da mesma forma que lésbicas e gays querem ser compreendidos em sua preferência, nós bissexuais também queremos ser aceitos nas nossas.
Lisa coça a cabeça num gesto de incompreensão.
- Sei lá... acho estranho. – Olha Deise sorrindo. – Me lembrava de você tão quietinha! Tão... Tão...
- Certinha? – Novamente Deise complementa a frase sorrindo. – Mudei bastante estes anos Lisa. Decidi correr atrás de meus sonhos, minhas metas se tornaram um grande incentivo. Sabe, o  mundo musical é mais promiscuo que pensa. E no primeiro momento de êxtase, por fazer parte dele, me deixei  levar por isso.  Hoje não mais. Mas, de certa forma, me tornou alguém mais livre, mais liberal entende.
- Não muito. Mas dá para imaginar.
- Hoje sou seletiva. – Deise a olha séria – Nunca durmo com alguém  sem sentir um grande envolvimento. E muito menos na primeira noite.
Lisa a olha com um olhar irônico e zombador. Deise levanta as mãos rindo.
- Sei o que está pensando. Mas deve entender que estar com você aqui e agora é a realização de uma fantasia, de um desejo bem antigo. Nunca me arrependerei desses nossos momentos.
- Muito menos eu, Deise. Muito menos eu.
As duas sorriam e um silencio gostoso se faz presente. Deise se ergue e caminha em direção a cama,  sem nenhuma vergonha da nudez. Lisa sorri. Era sardenta demais. E isso era um charme.
Suspira.  Devagar e sem perceber, esfrega a mão na testa.
- Lisa... Tudo bem?
- Tudo Deise... Eu... Sabe, na verdade estou sem saber  como agir.
- Lisa... Eu vou embora hoje. Tenho uma serie de shows. Estou em turnê.  Mas... Queria manter contato... entende?
A loira a olha surpresa e ao mesmo tempo tensa.
- Deise... eu adoraria manter contato com você ...eu...mas... não saberia... – Suspira e a olha firme. – Não saberia dividir você com... pessoas.
- Quer dizer homens, né. Lisa, eu estou só. Acho que devíamos nos dar essa chance.  Gosto de você. Tenho um super carinho aqui. – Poe a mão sobre o coração.
- Deise... até quando se contentaria com uma mulher? E se sentir falta do homem?
- Lisa! Seu pensamento é preconceituoso! Não devia ser assim. Se quero estar com você é porque VOCÊ me satisfaz. Não vou querer outro ou outra.
- Mas... Quantas vezes nos veríamos Deise? E as tentações por que passa? Vi como as pessoas se jogam para você.
- Ah Lisa...  existe fidelidade e amor também no meio artístico, por mais difícil que seja acreditar nisso. – A ruiva a olha agora tensa - Sabe o que penso? Que na verdade não quer se envolver.
- Que isso Deise! Sou solteira! – Engole em seco.
- Justamente por isso deveria era curtir a idéia, e não achar empecilhos. Olha que sou bom negocio! – Rindo faz uma pose sensual.
Lisa a olha divertida e mais uma vez engole em seco. Deise era o sonho de muitas pessoas no Brasil e sabe mais onde. Por que ela hesitava?
- Lisa... - Deise se aproxima dela e a abraça. – A ultima vez que dei em cima de você também era solteira lembra?
Lisa a olha triste e nada responde.
- Tentava me dizer, e ainda hoje diz que era por que eu era sua paciente. Mas a verdade é que já gostava da doutora. Sabe, minha intuição me diz que, novamente, cheguei tarde demais em sua vida.
Lisa abaixa a cabeça e a abraça também.
-Deise... você sempre foi uma pessoa tão linda... por dentro e por fora.
- Eu sou Lisa... mas isso não é o suficiente para você. - Ergue a cabeça da outra. – Você ama alguém. 
Lisa balança a cabeça em negativa.
- Lisa, eu estou afirmando. Você ama alguém.  Ah amor... Não perde tempo. Você, mais que ninguém, sabe que a vida sempre nos reserva muitas surpresas. Umas boas, outras nem tanto.  Pode amanha não ter a oportunidade que lhe é dada hoje.
A loira arregala os belos olhos cor de mel.
- Eu...
- Pode amanhã esta pessoa não a querer mais Lisa... É isso mesmo que quer? Porque se é, agarre-me agora e viva o presente que lhe é oferecido.
Lisa a olha angustiada.
- Agora se não é isto que quer amor, vá embora.  Guarde estes nossos momentos com carinho, como eu mesmo guardarei, e lute... Lute por sua felicidade.
- Deise... você... eu...
- Foi lindo! – Deise sorri agora triste - Lisa recebi um presente esta noite. Tive você em meus braços. – Esfrega lhe os braços carinhosa - Amor, não posso dizer que te amo... Mas com certeza mora em meu coração, como alguém muito querido. 
Lisa fecha os olhos. Outra pessoa a amava. Profunda e sinceramente. E ela fugia disso.
- Deise. Você trouxe luz a meu coração.  Eu...  também te tenho em meu coração. Obrigada por tudo... tudo mesmo.
A ruiva sorri.
- Isso dá uma musica.  – Suspira desalentada. – Bom... acho que nosso momento passou.  – A olha delicada. – Me guarde em seu coração, Lisa. Porque sempre estará no meu.

Mariana olha a madrinha triste.  Lisa não passara a noite em casa.
- Bom madrinha... eu estava com saudades de vocês... Me desculpe a distância.
- Eu entendo querida – Paula sorri e lhe segura a mão.
- Eu...  – Mariana a olha desamparada. – Eu a amo mesmo madrinha... amo Li... mas... tem o momento que nada mais nos resta, né.
- Mariana... filha... – Paula a olha tensa - Eu nunca imaginaria que isso tudo aconteceria...
- Eu que nunca imaginei minha mãe e Lisa juntas.
- Filha... Lisa sofreu muito quando sua mãe a deixou.  Tenho certeza que nunca mais tiveram nada.  Tentaram resgatar a amizade, e isso me deixou satisfeita. Mas hoje... Não sei nem se isso é possível.
- Madrinha... – Mari  a olha desamparada. – Você acha que... que... é possível Lisa... ainda amar minha mãe?
- Como mulher não, Mariana. Lisa viveu muitas coisas no tempo que ficaram separadas. Coisas boas e ruins, mas que a tornou a pessoa que é hoje.  Ainda assim, conheço minha filha e sei como é rancorosa. Ela jamais confiaria em sua mãe. Não como mulher. Talvez como amiga, mas não como mulher. Surpreenderia- me muito se ela perdoasse Joyce e mais ainda... Surpreenderia- me ainda mais sua mãe querer estar com Lisa.
- Minha mãe... ela... ela... acho que ela ama Lisa, madrinha. – Os olhos de Mari se enchem de lágrimas.
- Pode ser filha. Mas um amor que não foi destinado a ser realizado, por suas próprias escolhas. E sem estas escolhas ela jamais será feliz.  –Paula a olha com carinho – Mariana... você também deve buscar a sua felicidade. Ela não depende dos outros, de Lisa... depende de você.
Mari abaixa a cabeça conformada. Em outras palavras a madrinha dizia para perder qualquer esperança em relação à Lisa.
- Eu... tenho que ir. Dá um beijo no padrinho por mim.
 
Mariana caminha arrasada pelas ruas. Arriscara todas as cartas ao visitar os padrinhos pela manhã. No fundo, guardava a esperança de Lisa estar em casa. A dor que tomara conta de seu coração, ao perceber que esta não estava ainda a machucava.  Lisa, com certeza, estava com a ruiva.
Ela perdera. Na verdade, nunca tivera nenhuma chance. Apenas em seus sonhos acreditara existir alguma. O momento de paixão no sitio nada significara. Essa era a realidade.
Senta-se sobre o banco na parada de ônibus. Discretamente enxuga a lágrima no canto do olho.
-Você está bem?
Mariana olha para o lado sem graça. Uma jovem simpática  a olhava com ar preocupado.
- Eu... estou sim... é que... entrou um cisco em meu olho.
- Hum... quer que eu olhe?
- Não! Eu... Acho que já saiu. Obrigada. – E volta o olhar para frente.
- Meu nome é Nadia.
Mari  olha de novo a jovem que agora lhe estendia a mão.
- Mari – Aperta-lhe a mão educada.
- Hoje o ônibus está demorando. – Nadia olha para frente um pouco impaciente – Daria tudo para ter um carrinho nesse momento. Podia ate ser um fusca.
Mariana a olha sem responder. A jovem era...  bom...  interessante por assim dizer.  Percebia em sua fala um ligeiro sotaque. Nadia, sem ter resposta, a olha indagativa.
- Tudo bem?
- Eu... estou sim... é que pensei  se, de repente,  já a conhecia.
Nadia sorri. Os dentes eram tortos, dando-lhe um ar de moleque, que se intensificava por conta dos cabelos curtos.
- Na verdade, já pegamos onibus juntas neste mesmo ponto. Mas nunca conversamos. Obvio né.  – Dá uma pequena gargalhada.
- Bom... falamos agora.
- Verdade... graças a um cisco no olho – E a olha compreensiva.
- Verdade. – Mariana a olha sem graça. – Você está com pressa?
Nadia olha o relógio.
- Estava. Passado. Ia ao cinema, mas agora com certeza não chego a tempo. E você... Está?
- Não... nenhuma...
- Que tal um sorvete? Topa? Sempre é bom adoçar a vida. Fica mais alegre! E de quebra ganha uma boa companhia.
Mariana não consegue conter a risada.
- Nossa... como você é modesta.
- Constatação Mari. Então... topa?
Mariana se ergue do banco decidida a relaxar e ter um dia sem tristezas.
- Vamos nessa.

As duas conversam  animadas na sorveteria. Nadia fazia Educação Física, era filha única e também praticava vôlei.
- Adoro vôlei Mari. Mas, infelizmente, sou baixa.  Senão, investia no esporte.
- Qual sua altura?
-1,74.  – Nadia sorri debochada. – A realidade é que nem sou tão boa assim. Mas adoro me enganar. E você?
- Eu? Só malho três vezes por semana. Tenho tempo curto.
- Bom... O que faz já dá o efeito necessário. Você esta super em forma. – Sorri insinuante.
Mariana a olha apertando ligeiramente os olhos. Era impressão sua ou a jovem a cantava discretamente? Observa melhor a outra. Não era bonita pelos padrões da sociedade.  Magra, mas curvilínea, a pele muito morena, quase mulata, e os olhos castanhos. Mas algo nela cativava a primeira vista. Talvez o sorriso aberto e despretensioso, ou a postura elegante. O cabelo curto expunha  a nuca bem feita e o pescoço longo. Sim... Ela tinha muito charme.
- Passei?
- Como?
- Você me analisava com bastante precisão. – Sorri divertida.
- Er... eu... bom... tem a cor de pele linda.
- Minha mãe é negra. Meu pai alemão azedo. Mistura legal.
- Exótica.
Nadia arregala ligeiramente os olhos. Depois sorri.
- Verdade. Até ano retrasado vivi na Alemanha. Como meu pai aposentou mudamos para cá.
- Sério? E não sente falta da Europa?
Nadia coloca cabeça de lado a olhando fixo.
- Mari... o povo lá é muito frio. Nunca puxaria papo com alguém num ponto de ônibus. Eles desconfiam de tudo e todos. Gosto da receptividade do brasileiro.
- Sua mãe é daqui?
- É sim.  Nossa, isso estava delicioso. –E raspa a vasilha. – Olha, estou com dois ingressos para o vôlei amanha. Brasil e Cuba. Topa?
Mariana se surpreende com o convite. Porque não! Não tinha nada a perder!
- Topo. Vou adorar.

A partida de vôlei foi o inicio de uma amizade entre elas. Logo saiam juntas e se divertiam. Tinham gostos parecidos e riam dos mesmos assuntos.  Mariana esforçava para se desligar da tristeza, procurando evitar tudo que a fizesse lembrar Lisa. Nadia percebia os olhos da nova amiga, muitas vezes distante e triste, mas em vez de pressioná-la pelo motivo, procurava distraí-la. Logo a confiança se fez  presente.  Sem saber, ambas se ajudavam, se apoiavam.
Isso era o melhor da existência física. O encontro de almas amigas, sinceras, que engrandeciam e faziam a vida valer à pena.  Se a tristeza existia, também existia a sinceridade, a amizade, a oportunidade de sempre poder conhecer alguém que nos acalenta o espírito.
O amor está presente, onde menos acreditamos o encontrar.

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.
(A Hora da Estrela)