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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Capítulo XVI

Deise sorri enquanto saboreia o creme de chocolate
- Cara, adoro isso – Lambe os dedos gulosa.
Lisa olha a ruiva com carinho. A noite entre elas fora deliciosa e maluca.
- Não sei como consegue comer isso pela manhã.
Deise a olha divertida.
- Sou chocólatra amor.
Um pouco depois deixa o lanche de lado e coloca o cotovelo sobre a pequena mesa, encarando Lisa.
- Você é linda... Nua então, uau!
A loira sorri um pouco sem graça. Elas lanchavam nuas.
- Você também é linda, Deise.
A ruiva recosta satisfeita na cadeira.
- Show perfeito, noite perfeita... – Olha Lisa com carinho. – Mulher perfeita.
Lisa estende a mão e toca-lhe o rosto com carinho.
- Você foi maravilhosa Deise. É muito boa em... – Para a frase sem saber exatamente como continuar.
- Fazer amor? – Deise completa com um olhar brincalhão cheio de expectativa.
- Sim... Isso também.  Você... É experiente com mulheres.
- Nem tanto Lisa. Você que é uma grande motivação a fazer meu melhor. – Sorri colocando o queixo sobre a mão. – Na verdade, tive poucas mulheres. Você é a terceira e mais perfeita.
Lisa se mexe na cadeira constrangida.
- Terceira... Sabe, não consigo mesmo entender como alguém pode se atrair pelos dois sexos.
Deise a olha tranquila.
- Lisa, desisti  a muito de tentar entender também. A verdade é que, da mesma forma que lésbicas e gays querem ser compreendidos em sua preferência, nós bissexuais também queremos ser aceitos nas nossas.
Lisa coça a cabeça num gesto de incompreensão.
- Sei lá... acho estranho. – Olha Deise sorrindo. – Me lembrava de você tão quietinha! Tão... Tão...
- Certinha? – Novamente Deise complementa a frase sorrindo. – Mudei bastante estes anos Lisa. Decidi correr atrás de meus sonhos, minhas metas se tornaram um grande incentivo. Sabe, o  mundo musical é mais promiscuo que pensa. E no primeiro momento de êxtase, por fazer parte dele, me deixei  levar por isso.  Hoje não mais. Mas, de certa forma, me tornou alguém mais livre, mais liberal entende.
- Não muito. Mas dá para imaginar.
- Hoje sou seletiva. – Deise a olha séria – Nunca durmo com alguém  sem sentir um grande envolvimento. E muito menos na primeira noite.
Lisa a olha com um olhar irônico e zombador. Deise levanta as mãos rindo.
- Sei o que está pensando. Mas deve entender que estar com você aqui e agora é a realização de uma fantasia, de um desejo bem antigo. Nunca me arrependerei desses nossos momentos.
- Muito menos eu, Deise. Muito menos eu.
As duas sorriam e um silencio gostoso se faz presente. Deise se ergue e caminha em direção a cama,  sem nenhuma vergonha da nudez. Lisa sorri. Era sardenta demais. E isso era um charme.
Suspira.  Devagar e sem perceber, esfrega a mão na testa.
- Lisa... Tudo bem?
- Tudo Deise... Eu... Sabe, na verdade estou sem saber  como agir.
- Lisa... Eu vou embora hoje. Tenho uma serie de shows. Estou em turnê.  Mas... Queria manter contato... entende?
A loira a olha surpresa e ao mesmo tempo tensa.
- Deise... eu adoraria manter contato com você ...eu...mas... não saberia... – Suspira e a olha firme. – Não saberia dividir você com... pessoas.
- Quer dizer homens, né. Lisa, eu estou só. Acho que devíamos nos dar essa chance.  Gosto de você. Tenho um super carinho aqui. – Poe a mão sobre o coração.
- Deise... até quando se contentaria com uma mulher? E se sentir falta do homem?
- Lisa! Seu pensamento é preconceituoso! Não devia ser assim. Se quero estar com você é porque VOCÊ me satisfaz. Não vou querer outro ou outra.
- Mas... Quantas vezes nos veríamos Deise? E as tentações por que passa? Vi como as pessoas se jogam para você.
- Ah Lisa...  existe fidelidade e amor também no meio artístico, por mais difícil que seja acreditar nisso. – A ruiva a olha agora tensa - Sabe o que penso? Que na verdade não quer se envolver.
- Que isso Deise! Sou solteira! – Engole em seco.
- Justamente por isso deveria era curtir a idéia, e não achar empecilhos. Olha que sou bom negocio! – Rindo faz uma pose sensual.
Lisa a olha divertida e mais uma vez engole em seco. Deise era o sonho de muitas pessoas no Brasil e sabe mais onde. Por que ela hesitava?
- Lisa... - Deise se aproxima dela e a abraça. – A ultima vez que dei em cima de você também era solteira lembra?
Lisa a olha triste e nada responde.
- Tentava me dizer, e ainda hoje diz que era por que eu era sua paciente. Mas a verdade é que já gostava da doutora. Sabe, minha intuição me diz que, novamente, cheguei tarde demais em sua vida.
Lisa abaixa a cabeça e a abraça também.
-Deise... você sempre foi uma pessoa tão linda... por dentro e por fora.
- Eu sou Lisa... mas isso não é o suficiente para você. - Ergue a cabeça da outra. – Você ama alguém. 
Lisa balança a cabeça em negativa.
- Lisa, eu estou afirmando. Você ama alguém.  Ah amor... Não perde tempo. Você, mais que ninguém, sabe que a vida sempre nos reserva muitas surpresas. Umas boas, outras nem tanto.  Pode amanha não ter a oportunidade que lhe é dada hoje.
A loira arregala os belos olhos cor de mel.
- Eu...
- Pode amanhã esta pessoa não a querer mais Lisa... É isso mesmo que quer? Porque se é, agarre-me agora e viva o presente que lhe é oferecido.
Lisa a olha angustiada.
- Agora se não é isto que quer amor, vá embora.  Guarde estes nossos momentos com carinho, como eu mesmo guardarei, e lute... Lute por sua felicidade.
- Deise... você... eu...
- Foi lindo! – Deise sorri agora triste - Lisa recebi um presente esta noite. Tive você em meus braços. – Esfrega lhe os braços carinhosa - Amor, não posso dizer que te amo... Mas com certeza mora em meu coração, como alguém muito querido. 
Lisa fecha os olhos. Outra pessoa a amava. Profunda e sinceramente. E ela fugia disso.
- Deise. Você trouxe luz a meu coração.  Eu...  também te tenho em meu coração. Obrigada por tudo... tudo mesmo.
A ruiva sorri.
- Isso dá uma musica.  – Suspira desalentada. – Bom... acho que nosso momento passou.  – A olha delicada. – Me guarde em seu coração, Lisa. Porque sempre estará no meu.

Mariana olha a madrinha triste.  Lisa não passara a noite em casa.
- Bom madrinha... eu estava com saudades de vocês... Me desculpe a distância.
- Eu entendo querida – Paula sorri e lhe segura a mão.
- Eu...  – Mariana a olha desamparada. – Eu a amo mesmo madrinha... amo Li... mas... tem o momento que nada mais nos resta, né.
- Mariana... filha... – Paula a olha tensa - Eu nunca imaginaria que isso tudo aconteceria...
- Eu que nunca imaginei minha mãe e Lisa juntas.
- Filha... Lisa sofreu muito quando sua mãe a deixou.  Tenho certeza que nunca mais tiveram nada.  Tentaram resgatar a amizade, e isso me deixou satisfeita. Mas hoje... Não sei nem se isso é possível.
- Madrinha... – Mari  a olha desamparada. – Você acha que... que... é possível Lisa... ainda amar minha mãe?
- Como mulher não, Mariana. Lisa viveu muitas coisas no tempo que ficaram separadas. Coisas boas e ruins, mas que a tornou a pessoa que é hoje.  Ainda assim, conheço minha filha e sei como é rancorosa. Ela jamais confiaria em sua mãe. Não como mulher. Talvez como amiga, mas não como mulher. Surpreenderia- me muito se ela perdoasse Joyce e mais ainda... Surpreenderia- me ainda mais sua mãe querer estar com Lisa.
- Minha mãe... ela... ela... acho que ela ama Lisa, madrinha. – Os olhos de Mari se enchem de lágrimas.
- Pode ser filha. Mas um amor que não foi destinado a ser realizado, por suas próprias escolhas. E sem estas escolhas ela jamais será feliz.  –Paula a olha com carinho – Mariana... você também deve buscar a sua felicidade. Ela não depende dos outros, de Lisa... depende de você.
Mari abaixa a cabeça conformada. Em outras palavras a madrinha dizia para perder qualquer esperança em relação à Lisa.
- Eu... tenho que ir. Dá um beijo no padrinho por mim.
 
Mariana caminha arrasada pelas ruas. Arriscara todas as cartas ao visitar os padrinhos pela manhã. No fundo, guardava a esperança de Lisa estar em casa. A dor que tomara conta de seu coração, ao perceber que esta não estava ainda a machucava.  Lisa, com certeza, estava com a ruiva.
Ela perdera. Na verdade, nunca tivera nenhuma chance. Apenas em seus sonhos acreditara existir alguma. O momento de paixão no sitio nada significara. Essa era a realidade.
Senta-se sobre o banco na parada de ônibus. Discretamente enxuga a lágrima no canto do olho.
-Você está bem?
Mariana olha para o lado sem graça. Uma jovem simpática  a olhava com ar preocupado.
- Eu... estou sim... é que... entrou um cisco em meu olho.
- Hum... quer que eu olhe?
- Não! Eu... Acho que já saiu. Obrigada. – E volta o olhar para frente.
- Meu nome é Nadia.
Mari  olha de novo a jovem que agora lhe estendia a mão.
- Mari – Aperta-lhe a mão educada.
- Hoje o ônibus está demorando. – Nadia olha para frente um pouco impaciente – Daria tudo para ter um carrinho nesse momento. Podia ate ser um fusca.
Mariana a olha sem responder. A jovem era...  bom...  interessante por assim dizer.  Percebia em sua fala um ligeiro sotaque. Nadia, sem ter resposta, a olha indagativa.
- Tudo bem?
- Eu... estou sim... é que pensei  se, de repente,  já a conhecia.
Nadia sorri. Os dentes eram tortos, dando-lhe um ar de moleque, que se intensificava por conta dos cabelos curtos.
- Na verdade, já pegamos onibus juntas neste mesmo ponto. Mas nunca conversamos. Obvio né.  – Dá uma pequena gargalhada.
- Bom... falamos agora.
- Verdade... graças a um cisco no olho – E a olha compreensiva.
- Verdade. – Mariana a olha sem graça. – Você está com pressa?
Nadia olha o relógio.
- Estava. Passado. Ia ao cinema, mas agora com certeza não chego a tempo. E você... Está?
- Não... nenhuma...
- Que tal um sorvete? Topa? Sempre é bom adoçar a vida. Fica mais alegre! E de quebra ganha uma boa companhia.
Mariana não consegue conter a risada.
- Nossa... como você é modesta.
- Constatação Mari. Então... topa?
Mariana se ergue do banco decidida a relaxar e ter um dia sem tristezas.
- Vamos nessa.

As duas conversam  animadas na sorveteria. Nadia fazia Educação Física, era filha única e também praticava vôlei.
- Adoro vôlei Mari. Mas, infelizmente, sou baixa.  Senão, investia no esporte.
- Qual sua altura?
-1,74.  – Nadia sorri debochada. – A realidade é que nem sou tão boa assim. Mas adoro me enganar. E você?
- Eu? Só malho três vezes por semana. Tenho tempo curto.
- Bom... O que faz já dá o efeito necessário. Você esta super em forma. – Sorri insinuante.
Mariana a olha apertando ligeiramente os olhos. Era impressão sua ou a jovem a cantava discretamente? Observa melhor a outra. Não era bonita pelos padrões da sociedade.  Magra, mas curvilínea, a pele muito morena, quase mulata, e os olhos castanhos. Mas algo nela cativava a primeira vista. Talvez o sorriso aberto e despretensioso, ou a postura elegante. O cabelo curto expunha  a nuca bem feita e o pescoço longo. Sim... Ela tinha muito charme.
- Passei?
- Como?
- Você me analisava com bastante precisão. – Sorri divertida.
- Er... eu... bom... tem a cor de pele linda.
- Minha mãe é negra. Meu pai alemão azedo. Mistura legal.
- Exótica.
Nadia arregala ligeiramente os olhos. Depois sorri.
- Verdade. Até ano retrasado vivi na Alemanha. Como meu pai aposentou mudamos para cá.
- Sério? E não sente falta da Europa?
Nadia coloca cabeça de lado a olhando fixo.
- Mari... o povo lá é muito frio. Nunca puxaria papo com alguém num ponto de ônibus. Eles desconfiam de tudo e todos. Gosto da receptividade do brasileiro.
- Sua mãe é daqui?
- É sim.  Nossa, isso estava delicioso. –E raspa a vasilha. – Olha, estou com dois ingressos para o vôlei amanha. Brasil e Cuba. Topa?
Mariana se surpreende com o convite. Porque não! Não tinha nada a perder!
- Topo. Vou adorar.

A partida de vôlei foi o inicio de uma amizade entre elas. Logo saiam juntas e se divertiam. Tinham gostos parecidos e riam dos mesmos assuntos.  Mariana esforçava para se desligar da tristeza, procurando evitar tudo que a fizesse lembrar Lisa. Nadia percebia os olhos da nova amiga, muitas vezes distante e triste, mas em vez de pressioná-la pelo motivo, procurava distraí-la. Logo a confiança se fez  presente.  Sem saber, ambas se ajudavam, se apoiavam.
Isso era o melhor da existência física. O encontro de almas amigas, sinceras, que engrandeciam e faziam a vida valer à pena.  Se a tristeza existia, também existia a sinceridade, a amizade, a oportunidade de sempre poder conhecer alguém que nos acalenta o espírito.
O amor está presente, onde menos acreditamos o encontrar.

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.
(A Hora da Estrela)






8 comentários:

  1. realmente: "O amor está presente, onde menos acreditamos o encontrar."

    vira ou nao vira livro? ahaha
    beijos

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  2. olele. Mari e Lisa num se encontra nunca? .-.

    Também acho que da um livro (:
    ótimo por sinal.
    =*

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  3. aaaaaahhhhh...

    cada vez mais afastadas...rum...

    mistery mall...

    por que deixar duas pessoas q se amam separadas?=/

    ..

    mas ta otimo =)

    parabéns

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  4. Cara, as meninas têm toda razão, sem babação, dá um livro e dos bons! Adoro a forma como você faz as descrições dos espaços, isso enriquece o texto. Pensa nisso, a obra é boa vale o esforço rsrs. bjao, Lu.

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  5. Cara, elas tem razao, realmente da um livro.

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  6. Hum..adorando...eu preferiria que a história fôsse mais da Lisa com a Joyce e não com a filha...nem imagino o fim nessa situação, com mãe e filha apaixonadas pela mesma mulher.

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  7. ahhhh....
    Achei que a Mari e Lisa iriam se encontrar...!!!

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  8. Pensei a mesma coisa que a Escaminha, mais né..
    Ihuuu.. a lisa vai ter concorrência por alguns instantes!!hehehehehe

    Continua, continuaaa.. hhehe

    Parabéns Mistery, vc é uma grande escritora!!0/

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