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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Capítulo V

Deise observa Lisa ao volante. Dirigia com segurança no caos da cidade. Recosta-se buscando uma posição mais confortável no banco do carro e suspira profundamente.
- Cansada?
- Ah? Não... sei lá. Acho que saudosa. Tenho saudade da minha vida.
- Garota, quem te ouve acha que esta aqui há séculos e não há poucas semanas.
- Para mim parecem séculos. Deise suspira de novo. – Tenho saudade dos meus amigos, da faculdade, de tudo
- O que estuda?
- Direito. Na verdade sou formada. Tenho curso de letras, mas estou investindo em Direito porque dá mais opções de carreira. Lisa a olha de esguelha.
- Na minha opinião, devemos investir no que gostamos. A vida é muito longa para nos dedicarmos ao que não gostamos
- Ah, mas eu curto Direito... acho. Sorri lhe lançando um olhar mais serio. – Na verdade meu pai é advogado.
- Ah, agora entendi.
- Pois é. Sabe... Lisa – observa a loira quando a chama pelo nome, mas esta parece não se importar. – O que gosto realmente é de musica. Adoro! Toco violão, guitarra, um pouco de piano... e canto também.
- Então porque não investe Deise? Não posso deixar de comentar, mas seu rosto se transforma quando fala em musica. Você ilumina. Deise observa o transito.
- Vira agora à direita Lisa. É aquela casa amarela.
- Aquilo é uma pousada? Parece mais uma residência.
- Verdade... bonita né... – fala sem animo. Lisa para o carro em frente à pousada e vira-se no banco de frente para a ruiva.
- Parece desanimada.
- Tava pensando no que disse. Adoro mesmo musica, mas... preciso pensar no futuro... sei lá... musica é para poucos. – Faz um gesto desalentado com a mão machucada. Lisa lhe acompanha o movimento satisfeita. Ela não podia notar, mas a cada dia seus movimentos com a mão machucada se tornavam mais naturais e inconscientes. Sinal que a dor já não incomodava tanto e que a recuperação estava já quase que totalizada.
- Quando se tem perseverança chegamos a qualquer lugar. – Lisa a olha firme. – arrisque enquanto é jovem Deise. Deise séria, a observa com os olhos mais brilhantes.
- Gostaria de entrar um pouco? Só um pouco. Lisa a olha. Ela parecia solitária, um pouco triste.
- Claro... mas será que aqui serve jantar? Confesso que tenho fome. Sorri um pouco sem graça.
- Oferece sim. É só pedir. Aqui é cheio de folhetos de pronta entrega de comida. – franze o nariz brincando numa pose arrogante. Rindo as duas entram na pousada e caminham em direção a recepção onde fazem o pedido de um jantar japonês. Já no quarto da jovem Lisa observa um violão perto da cama.
- Está mesmo treinando com o violão? Deise observa o instrumento um pouco desalentada. O pega nas mãos e o manuseia pensativa. - Ele é lindo né. Olha aqui. – Com um gesto pede à loira que se aproxime. - Tá vendo aqui? É uma assinatura do Caetano Veloso.
- Uau! Como conseguiu? Deise a olha sorridente.
- É mais que conseguir Lisa. Este violão pertenceu mesmo a ele. Meu pai que conseguiu. Foi num show que teve em Floripa. Chique né.
- Demais. Apesar de que não curto muito Caetano.
- Nem eu. – as duas riem – mas é gostoso dar uma esnobada com ele. Sem falar que o som dele é excelente. Quando meu pai me deu nem acreditei.
- Seu pai também toca?
- Toca sim... aliás tocava. Tem muitos anos que ele deixou o violão de lado. – Deise se senta na cama e coloca o violão no colo. Desliza as mãos suavemente no instrumento musical como que a acariciar um amante e sorri. Um sorriso distante e nostálgico.
Lisa sem querer interromper aquele momento tão dela a observa silenciosa. Seus olhos acompanham o deslizar da pequena mão sobre o instrumento e sente uma quentura no seu estomago. Como seria aquela mão deslizar sobre seu corpo? Deise posiciona o instrumento e lentamente começa a tocá-lo. Lisa se impressiona. Percebe a dificuldade da jovem em tocar algumas notas, mas nada que obscureça seu talento com as cordas. E quando sua voz se eleva acima das notas musicais Lisa põe a mão sobre o coração e senta-se ao lado da ruiva na cama. Que voz!!! Que era aquilo? Como uma voz tão forte e harmoniosa podia sair de alguém tão delicada?
Deise a observa enquanto canta e sorri levemente ao perceber o espanto da loira. Já estava acostumada à surpresa das pessoas quando cantava. Com uma leveza impressionante começa a tocar uma nova musica com os olhos fixos na outra

Porque foste na vida 
A última esperança 
Encontrar-te me fez criança 
Porque já eras minha 
Sem eu saber sequer 
Porque és minha mulher 
Minha mulher 
Porque tu me chegaste 
Sem me dizer que vinhas 
E tuas mãos foram minhas com calma 
Porque foste em minh'alma 
Como um amanhecer 
Porque foste o que tinha de ser 

Lisa a olha surpresa. Conhece a musica (Que tinha de ser - Elis Regina) e percebe claramente a mudança que a jovem fizera na letra. Deise a olha fixadamente e vendo que ela percebera sua jogada sorri suavemente.
- Gosto mais da letra assim. – diz a observando atentamente. Lisa respira fundo. Jamais esperara por aquilo. Esfrega a testa nervosa e tenta se levantar quando sente uma mão a segurar pelo braço.
- Não vou te fazer nada... desculpe. – diz Deise ansiosa ao ver o pânico no rosto da loira. Tudo que queria era testar, ver a reação dela diante da sua atitude. Não esperava realmente aquela expressão de choque. – Eu... eu tava brincando. Não me leve a mal, por favor.
Lisa a olha atenta e ofegante. Isso era muita tentação. Seu olhar se desvia para os lábios rosados da ruiva. Suaves... Ergue os olhos um pouco mais e repara como as sardas estavam mais marcantes por causa da vermelhidão no rosto.
- Deise... As batidas na porta interrompem o que Lisa ia falar. Deise se ergue da cama e furiosa abre a porta tentando se controlar para não agredir o jovem que interrompera um momento que ela sabia não ter volta.
- Que é? O rapaz da entrega, um pouco assustado com a recepção educada responde cauteloso.
- Entrega de jantar...
- Hã... ok... pera. Nesse momento, Lisa se ergue da cama, pega a bolsa e caminha em direção à porta para pânico da ruiva.
- Você não pode ir embora! Deise se põe à frente de Lisa sem perceber que elevara a voz. Assustada a loira a olha.
- Calma Deise, só vou pagar o rapaz. Desvia-se da outra e com um sorriso meio sem graça paga o rapaz que as observa assustado.
- Tá tudo bem dona?
- Está sim... obrigado. – Agradece fechando a porta. Caminha em direção à ruiva que ainda segura os pratos embalados nas mãos e calmamente os pega, levando-os à mesa. Deise, ainda sem graça com sua atitude intempestiva, tenta se justificar.
- Desculpe, eu... achei que ia embora... eu... por causa da musica. Eu... eu nem pensei. Desculpa... não farei de novo prometo. É que to tão sozinha sei lá. – desajeitada, ainda tentando se justificar vê a loira caminhar lentamente em sua direção. Esta lhe segura o braço com delicadeza e a puxa para a mesa.
- Vem Deise... vem jantar. As duas jantam em silêncio. Lisa sempre observando a postura de Deise e esta cada vez mais constrangida tentando comer... comer o que? Olha para o prato. Ah, comida japonesa é isso. Suspira e põe outra porção da comida na boca. Sentia-se um ET diante do olhar da loira.
- Não está bom? – Deise se assusta com a pergunta.
- Hã? Ah, tá sim... é que to meio sem fome é isso. – Observa o prato de Lisa já vazio. A olha nos olhos
- Esqueci das bebidas né. Acho que tem suco no frigobar pera. Ao tentar se erguer é segura pelo braço.
- Não precisa Deise. Não tomo líquidos enquanto como.
- Eu também não... bom... já to satisfeita. Você quer... ver televisão? Lisa sorri divertida. Agora que passara o primeiro momento de choque se divertia vendo a insegurança da outra diante da própria situação que criara.
- Não Deise... não quero ver televisão...quero que me explique porque mudou a letra da musica.
Deise, nesse momento, sente vontade de se matar. Literalmente. Maldita impulsividade. E agora?
- Eu... bom... sempre brinco de mudar as letras da musica. – Novamente se ergue para sair da mesa e desta vez não é impedida pela loira. Começa a recolher os vasilhames - Vou ligar pedindo para virem buscar o que sobrou. Caminha ate o telefone, mas antes que o erga sente vê uma mão pousar sobre a sua. Levanta os olhos cautelosos ainda a tempo de ver a boca suave descendo suavemente em direção a seus lábios. Fecha os olhos, o coração a bater descompassado. Sente a língua da loira a forçar passagem entre seus lábios e os abre. 
Lisa a segura delicadamente pela cintura e percebendo que a ruiva lhe corresponde aprofunda ainda mais o beijo. Ouve um gemido suave e desce as mãos aos quadris estreitos apertando-os. Devagar para o beijo e se afasta. Deise mantinha os olhos fechados e a boca entreaberta. Sorri e, ainda olhando seu rosto, toca-lhe o bico do seio que se evidenciava na blusa. Deise arregala os olhos e suspira. Lisa sorri  com desejo e aperta o monte suave beliscando lhe o bico do seio, fazendo-a gemer mais uma vez. É o suficiente para que Lisa novamente a puxe para si e lhe de outro beijo, mais sedento que o anterior. Volta-lhe a apertar o quadril acariciando-o lasciva, insinuando os joelhos entre suas pernas. O beijo se torna profundo. Deise geme baixinho. E abraça Lisa com força. É quando sente uma dor aguda na mão.
- Aiiii
Lisa assustada interrompe o beijo e se afasta.
- Que foi... Deise??
- Minha mão... nossa como dói. – a ruiva segura mão com força tentando controlar a vontade de gritar.
- Calma... Lisa a encaminha para a cama onde sentam. – Foi só um mau jeito. Logo a dor passa.
O silencio impera no quarto, as duas perdidas em seus próprios pensamentos. Deise após alguns minutos e já sem dor a olha timidamente.
- Lisa... eu... Tá tudo bem?
- Deise me responda com sinceridade. Você é lésbica?
Com o rosto vermelho e sem saber onde colocar a cara Deise abaixa o olhar.
- Eu... bom... não sei... nunca tive nada com mulher.
- Como assim nada? –Lisa se levanta assustada. – Você praticamente me cantou!! Pediu o beijo!
- Tá doutora, mas não precisa jogar isso na cara né!! Quer me matar de vergonha? Credo! – balança a cabeça constrangida - Eu... bom eu sempre tive atração por mulheres, é isso. Mas nunca tive coragem de arriscar.
- Deixe-me entender... você é bi?
- Sou? Sei lá... você tá querendo respostas que nem eu sei.
- Você curte homens?
- Curto... quer dizer... não desgosto deles. Eu... mas também curto a beleza feminina. Lisa eu sou confusa! Eu nunca tive mulher... não sei por que com você me abri... Você me passa uma segurança, uma confiança. Desculpa mas... poxa, eu adorei o beijo... eu ...eu ...quero mais... Lisa, eu quero mais.
- Tenho que ir. – Lisa pega a bolsa e caminha rapidamente para a porta.
- Lisa... desculpa... por favor. Não vai não. Eu preciso de você. Lisa... A porta se fecha com estrondo. Deise sente um vazio tomar conta de si e suspira angustiada. Onde estava com a cabeça? Toca os lábios e geme baixinho. Bi? Bissexual? Balança a cabeça em negativa. Isso não existe. Ou é lésbica ou não é. Ou é hetero ou não é. Simples assim. Olha a mão que ainda segura firme com a outra. Solta-a revoltada. ‘Maldita mão’
 Lisa dirige em direção ao centro pensativa. Que fim de noite! Para no sinal vermelho e deixa a mente vagar para os últimos acontecimentos. Sua própria atitude a surpreendera. Normalmente não deixaria a oportunidade de ter uma bela mulher passar. Mas sem saber bem porque, refreara seu desejo quando percebeu a insegurança da ruiva e sua inexperiência com mulheres. Suspira e ao som de uma buzina acelera o carro. Bissexual... já tivera algumas... tudo muito natural e sem compromisso. Mas Deise tinha algo de ingênuo, carente que lhe tocara o coração. ‘ Lisa... você esta amolecendo.’ Respira ruidosamente ‘Só me faltava essa. ’

 “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”
Vinícius de Moraes

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Capítulo IV

- Lisa!! Lisa olha para trás ao ouvir seu nome. Luiza vinha com passos acelerados em sua direção. Sente a respiração acelerar e observa a morena. Como era elegante com aquele andar arrogante, confiante de quem sabe que impõe, cativa, domina.
- Obrigada por esperar Lisa. A médica um pouco ofegante pela marcha acelerada respira fundo e se apoia em seu braço. Sente um formigamento tomar conta de todo o seu lado direito. ‘ Que isso gente? Pare Lisa ela nem é seu tipo’
- Pois não Luiza? Percebe tensa que sua voz saiu meio tremula A morena a observa séria e Lisa instintivamente desce os olhos para a covinha em seu queixo. Que vontade de dar uma lambida, pensa sonhadora.
- Lisa me ouviu?
- Ah?
- Você aceita ir?
- Aceitar? Aceito tudo!
- Lisa você esta bem?
- Maravilhosa!
- Lisa você bebeu? Luiza lhe dá uma ligeira sacolejada.
- Claro! Esfrega a testa nervosa e... excitada, percebe arregalando os olhos. – Eu... vou aonde mesmo? A médica a olha assustada.
- A festa em meu novo apartamento. Vou fazer tipo uma inauguração na sexta de vem.
- Serio? Puxa! Legal! Eu vou claro. A morena começa a rir. Lisa lhe parecia uma linda bobinha ali meio perdida, com um olhar inseguro e porque não dizer infantil.
- Luiza posso te fazer uma pergunta?
- Claro – sorriu - apesar de que eu que deveria as estar fazendo diante de sua atitude – responde com um olhar meio sedutor.
- Qual sua altura? E sua idade?
- Fez duas. Diz Luiza erguendo uma sobrancelha
- Aff.
- Calma Lisa... menina, você é muito esquentada. Tenho 40 anos e 1 81 cm e excelentes antecedentes. Quer também o numero de minha CI? Diz um tanto irônica. Lisa a olha ainda meio sem ação.
- Não, não precisa. Estarei lá.
Retoma seu caminho se sentindo fora do corpo. Não gostara nada das sensações de seu corpo na presença da morena. E aquele olhar? Nossa! NÃO! Nada de pensar na médica desta forma. Balança a cabeça vigorosamente. Sentia-a como uma ameaça a sua postura de vida e não queria de forma alguma mudanças nela.

Luiza, meio rindo, observa Lisa afastar totalmente distraída. Observa quando ela balança a cabeça numa negativa veemente. Percebera que de alguma forma atingira a loira. Sorri satisfeita. Com sua experiência percebera que ela gostava de mulheres. Seus olhares aos corpos femininos não a enganavam e a forma que há olhara uns minutos antes fora totalmente revelador. Com um pouco de paciência - e isso ela tinha de sobra - ela logo teria Lisa em seus braços.

- Burra! Idiota! Retardada! Ignóbil! Débil!!
 - Uau Doutora! Ninguém saberia expressar meu sentimento em relação à equipe medica desta clinica com tanta clareza.
Lisa levanta os olhos para cima erguendo os braços num ar de enfado e com uma postura irônica vira o corpo para trás.
- Com certeza seu problema não é audição. Deise ri divertida e simula estar se preparando para uma luta de Box.
- Olha lá em doutora! Já consigo me defender de uma boa briga!
Interessante como ela não a questionara do porque estar se xingando, pensa Lisa
- Não abuse menina! Fala, sem perceber que sua conduta se amaciara e seu olhar se tornara mais meigo. - Parece que a dor diminuiu bastante.
- Bom – A ruiva coça a cabeça - Entreguei pra Deus. Tudo que quero agora é voltar a tocar meu violão e voltar a minha vida normal. Diz erguendo ligeiramente a mão e olhando-a pensativa. – Na verdade o tratamento da Doutora Luiza é uma benção. No inicio era complicado. Mas agora...
- Fico feliz Deise – olha o relógio – não sabia que tocava violão... Mas porque esta até esta hora na clinica? Deise a olha agora sem o ar brincalhão.
- Já não consigo tocar... apesar que estou sempre tentando. Mas dói muito ainda. Quanto a sua pergunta estou sem vontade nenhuma de ir pra casa. Alias minto... estou morrendo de vontade de ir pra casa que, não sei se sabe, não é esta cidade infernal, bagunçada e barulhenta. Já não suporto esse barulho.
- Não exagera Deise! SP é uma cidade alegre e cheia de atrativos. Mas onde mora realmente?
- Florianópolis – diz a ruiva com os olhos sonhadores. Olhos... os olhos de Deise eram verdes escuros, mas hoje pareciam mais claros. Engraçado... cada dia mais ela lhe parecia mais familiar.
- Linda cidade, alias o sul é maravilhoso.
- É...
- Alguém vem lhe buscar Deise?
- Não... minha mãe teve que voltar pro sul... meu pai chega amanha. E assim eles revezam.
- Mas, e hoje?
- Hoje é dia de batatas fritas e televisão.
- Mas onde esta hospedada?
- Numa pousada um pouco longe do centro graças a Deus. – Faz um fingido ar de alivio.
- Sei... Sente naquele banco e me espere. Vou te levar para casa. Deise sorri brejeira
- Floripa??? Começa a dar pulinhos com uma fingida alegria. – Eba!!!
- Engraçadinha! Não vamos tão longe. Me espere aqui.
E retoma seu caminho com um sorriso a despontar nos lábios. Sentia-se leve. Deise senta no banco pronta a esperar a doutora. Passa mão nos longos cabelos e suspira. Lisa tinha um olhar tão doce! Sentia-se segura com ela.

Da porta de entrada da clinica Luiza observa a jovem. Seus olhos penetrantes se desviam para a sala por onde Lisa adentrara. Em nenhum momento pensara poder ter algum empecilho entre ela e Lisa. Agora descobrira que sua arrogância lhe fechara os olhos. Lisa tivera com esta jovem uma postura delicada, muito diferente da sua atitude normal. Deise de alguma forma despertava na loira algo de muito puro e suave. Aperta as mãos num gesto nervoso. Abaixa a cabeça e sem se fazer notar volta para trás e caminha em direção ao jardim da clinica. Senta-se num banco de madeira e observa com olhar fixo as flores a sua frente. ‘Lisa... não cometa erros. Eu sou seu futuro. Só eu posso te fazer feliz’  

"Nunca faças aposta. Se sabes que vais ganhar és um patife, e se não sabes és um tonto."
(Confúcio)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Capítulo III

Deise caminhava lentamente pelos corredores da clínica. Sentia uma dor constante na mão depois dos exercícios de fisioterapia. Percebe passos próximos e abaixa o rosto de forma que os longos cabelos ruivos escondessem seu rosto marejado de lágrimas.
Lisa diminui os passos ao notar a jovem a sua frente. Nunca a vira na clínica, mas pela sua postura e a forma que segurava a mão esquerda notava-se que estava tomada pela dor.
- Olá, você está bem? Pergunta de forma profissional, mas delicada. Deise olha a bela loira vestida com um jaleco que parara a seu lado.
- Eu... doutora... tá tudo bem... eu...é que é minha primeira semana e eu... – Deise não suporta mais se controlar e cai num choro compulsivo. Instintivamente Lisa a abraça acariciando os longos fios ruivos e dizendo palavras de consolo.
- Calma logo tudo vai melhorar você vai ver.
- Desculpe, desculpe... dói tanto. Meu Deus como dói.
- Eu sei... mas é preciso ser forte. Vai tudo dar certo, mas precisa persistência.
Aos poucos Deise se acalma e afasta-se constrangida. A dor em sua mão parecia cada vez mais forte e latejante e para ajudar agora se misturava com a vergonha de cair nos braços de uma desconhecida.
- Tomou o remédio prescrito? Deise a olha mais atentamente. A mulher sabia como eram os procedimentos da clinica. Volta o olhar para o bolso do jaleco que ela usava. Dr°. Lisa... mais uma torturadora.
- Eu... sim... eu faço tudo conforme mandam aqui na clinica tortura
Lisa ri alto. A jovem apesar da dor conseguia ser espirituosa. Muito bom. Atitude uma pessoa lutadora, que não desiste facilmente.
- É seu primeiro dia?
- Não... terceiro. Mas parece pior que o primeiro. Deise torce o nariz. – Bom... tenho que ir. Obrigada por se preocupar.
- Tudo bem. Verá com o tempo que cada esforço vale à pena.
Vê a jovem se afastar ainda segurando a mão. Nova ainda, não deve ter vinte anos. Sorri sozinha ao lembrar o rostinho de menina. ‘Sardas... combinam com o tipo dela... delicada, suave e tímida’. Ao chegar à sala se surpreende ao ver uma bela morena observando os livros de sua estante.
- Pois não? Lisa se surpreende com o rosto forte da visitante. Morena clara, ligeiramente bronzeada de sol, olhos grandes, escuros e amendoados e uma linda covinha no queixo. Não tinha uma beleza clássica, mas o conjunto de traços irregulares dava-lhe uma beleza única. Seu porte elegante e um olhar arrogante completavam a sua pessoa que ajudada pela altura intimidava as pessoas.
- Olá, meu nome é Luiza. A voz forte e grossa ressoa na pequena sala. Sou a nova medica especialista em distúrbios da dor.
- Verdade! Soube que chegaria hoje. Aperta a mão que a outra estendia e sorri educadamente.
- Espero que possamos trabalhar bem juntas... Lisa. E faz um ligeiro movimento com a cabeça atestando que soubera seu nome porque o vira escrito em sua roupa. Isso a intimida. Quem ela pensa que é? Que arrogância é essa?
- Com certeza que sim.
- Conto mesmo com sua ajuda. Desta vez sorri mais simpática. - Sinto-me como no meu primeiro dia de emprego. Aponta os livros. - Ótima coleção, espero que empreste alguns. Dizendo isso caminha rapidamente para a porta e se retira fazendo um ligeiro aceno.
Lisa não o retribui. Fica ali parada meio assustada com sua insegurança, meio revoltada com a arrogância da outra. Passa a mão na testa. ‘ Vejo problemas ali’.

Luiza caminha lentamente pelo corredor. ‘Uau que loira!’. Sabia que não fora nada simpática, mas quando a vira entrar na sala sentiu um deslumbre tão grande, um choque de reconhecimento tão maravilhoso que se desconcentrara totalmente sobre os motivos que fora procurá-la. Põe a mão sobre o coração.
- Achei você... achei você. Diz baixinho suspirando profundamente – Achei você... Lisa.

A semana passa rápido. Luiza rapidamente se adaptara a equipe da clinica e Lisa a cada dia se surpreendia mais com a competência profissional da outra apesar de manter uma distancia segura de sua pessoa. Não só isso. Diferente de sua primeira impressão a medica não era nada arrogante... ao menos com os pacientes. Firme, decidida e porque não dizer manipuladora, deixava os pacientes tranqüilos e confiantes na recuperação.
- Boa tarde Lisa, procurava mesmo por você. Gostaria de sua opinião sobre uma paciente. Luiza segurava uma ficha na mão.
- Claro, venha a minha sala.
Já em posse da ficha da paciente vê que esta fazia um tratamento para recuperar os movimentos da mão após um acidente de carro.
- Hum... rompeu os tendões de três dedos.
- Exato. O problema é que a jovem tem pouca resistência a dor. Estou pensando em amenizar isso com bloqueios nervosos. Qual sua opinião?
- Bem, nesse caso, diz Lisa ainda lendo o relatório, acho o procedimento mais correto. Pode levar a abolição temporária ou permanente da dor tornando todo o tratamento mais produtivo e os resultados mais satisfatórios. Levanta os olhos e encara a médica. -  Há quantos dias que... olha novamente o relatório para ver o nome da paciente, Deise está em fisioterapia?
- Começou a duas semanas, mas os resultados, como vê, foram insignificantes.
- Jorge que te encaminhou ela? Jorge era outro fisioterapeuta da clinica e excelente colega de trabalho. - Exato. Já conversei com ele que sugeriu também uma terceira opinião. No caso a sua.
- Tudo bem. Lisa se levanta. - Encaminhe a paciente a mim e te confirmo minha opinião.
- Ok. Luiza se levanta tranquilamente. Até mais ver Lisa.
- Luiza!
- Pois não. A morena olha para trás ao chamado da Loira.
- Queria lhe agradecer e pedir desculpas.
- Por?
- Agradecer por pedir minha opinião em um caso que sei que tem total competência de decisão. E desculpas por deixar que minha primeira impressão prejudicasse nosso convívio. Achei - a arrogante e hoje vejo o quanto estava errada. A médica sorri irônica.
- Você não me conhece Lisa. Sou arrogante sim, reconheço e lido bem com isso. Mas também sei reconhecer que um bom trabalho se faz em equipe. Quero dar meu melhor sem margem para erros. Por isso a procurei.
- Não é o que vejo em suas atitudes com os pacientes.
- Eles são o meu sustento e a minha propaganda. Bom, obrigada por seu tempo.
Lisa observa a medica sair sentindo que algo de estranho permanecera no ar. Que mulher estranha... que médica competente. Que pessoa difícil, que... perfume fascinante... pensa respirando profundamente e inalando essa essência que sem ela perceber começa a dominar seus sentidos.
A tarde passa rapidamente. Lisa já descabelada de tanto passar as mãos nos cabelos levanta os olhos às primeiras batidas na porta.
- Entra, diz impaciente
Deise intimidada pelo tom da fisioterapeuta caminha ligeiramente até a mesa.
- Boa tarde... sou Deise e a Doutora Luiza me encaminhou a você. Lisa observa há jovem um pouco surpresa. Não associara a ruiva do corredor ao relatório que lera.
- Claro. Sente-se. Procura pela mesa o relatório da jovem que Luiza deixara ali. Abre-o ligeiramente. Deise Vasconcelos. 25 anos. Tudo isso??? Levanta rapidamente os olhos e os abaixa novamente. Cara de ninfeta. Ouve um suspiro. Jeito de ninfeta. Levanta novamente o olhar e a jovem está lhe franzindo o nariz meio em desdém. É uma ninfeta! Pensa ligeiramente irritada.
- Gostaria de examinar melhor sua mão. Pode se sentar naquela mesa?
Uma hora depois com o relatório sobre sua mesa Lisa sorri deliciada. Folheia-o distraidamente relembrando flashes da conversa com Deise. Que rosto lindo, um sorriso infantil com dentes ligeiramente tortos que lhe dá um ar brejeiro. Não gosta de envolver trabalho com sua vida pessoal mas a jovem a encantara. Sim... ela valia a pena. Fecha o relatório. Amanha daria seu parecer a Luiza. Era hora de ir para casa.

Mariana olha o envelope em suas mãos. Passa os dedos ligeiramente sobre o nome escrito... Lisa. Sorri delicada, os olhos verdes iluminados por uma luz que vinha da alma. Ela tinha certeza que Lisa viria a sua festa de 15 anos. Nunca esquecera a força de seu olhar, as cartas carinhosas que ela sempre lhe escrevia, os abraços aconchegantes que ela sempre lhe dava quando ia visitar a madrinha Paula. Levanta os olhos do envelope ao ouvir a porta bater. Sua família entra espalhafatosa e agitada como sempre enchendo todo o ambiente da casa. Com um suspiro conformado, calmamente Mariana guarda os envelopes na caixa.
- Mariana? Já preencheu todos os convites?
- Sim mãe. Acabei de fazer o ultimo.
- Quer que eu ponha no correio para você?
Mariana, desatenta, observa os irmãos brigarem por causa de um chocolate no meio da sala e ri ao ver o padrasto desajeitado tentar lhes separar.
- Mariana!! Assusta com os estalos frente a seu rosto. - Falei com você.
- Desculpe mãe. Que disse mesmo?
- Eu disse, quer que eu ponha no correio para você? Repete Joyce já mexendo na caixa.
- Não. Mãe... eu mesmo faço isso. Diz tentando lhe impedir de mexer nos envelopes.
Joyce observa o nome sobre o ultimo envelope da pilha e sente o coração gelar.
- Pelo que vejo não vai me atender e chamar mesmo ela a sua festa.
- Ela tem nome mãe. Se chama Lisa e um dia foi sua melhor amiga. Joyce altera a voz
- Foi, disse bem!! Não a quero na festa Mariana, já disse.
- Mãe, ela é filha de meus padrinhos e só tenho lindas recordações dela. Nunca esqueceu meus aniversários e só não esteve mais presente por causa dessa rixa estúpida de vocês. Não tenho nada com isso e ela será chamada. Mariana responde em um tom ainda mais alto.
Os gêmeos param empolgados. A briga entre elas prometia ser mais emocionante que a deles. Carlos seu padrasto a muito desaparecera em direção ao quarto.
Joyce encara a filha em silencio. Como lhe dizer que não quer ver Lisa? Que sua presença pode desenterrar fatos que ela quer deixar no passado? Num rompante vira as costas para a filha e caminha para fora da sala batendo a porta com força. Mariana observa-lhe a saída e passa a mão nos cabelos curtos arrepiando-os ainda mais. Sorri divertida ao ver a decepção dos irmãos com a saída intempestiva da mãe. Até parece que não a conheciam. Com certeza aquilo não terminaria ali. Pega a caixa e coloca-à frente ao corpo. Nada como se prevenir, pensa despedindo-se dos gêmeos e caminhando em direção a seu quarto.  

“Semeia um pensamento e colherás um desejo; semeia um desejo e colherás a ação; semeia a ação e colherás um hábito; semeia o hábito e colherás o caráter.”
(Tihamer Toth)