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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Capitulo XXIV

A semana começou nublada. Lisa caminhava cabisbaixa pelos corredores da universidade. Sua postura corporal expressava a enorme derrota de quem sentia a vida escoar por suas mãos.
- Vai, não pode ser tão ruim assim.
- Como? - Lisa ergueu o olhar surpresa, vendo à sua frente a mesma garota da biblioteca. - Ah não! Você de novo, não! - tentou dar meia volta e fugir, mas a jovem a segurou pelos braços.
- Calma loira. Não estou aqui pra te sacanear nem... nada mais. Mas você está numa pose tão “quero morrer” que não resisti e mexi com você. Sinceramente ninguém merece isso.
Lisa se sentiu afrontada. Quem aquela mulher pensava que era? Nunca conhecera alguém tão cara de pau.
- Mas você deve se achar a melhor mesmo, né. Então nem sofrer, sentir a ausência de alguém se pode mais nos corredores da universidade?
- É isso que sente? Morreu alguém? É isso? Puxa, lamento. Desculpe, fui meio insensível. Foi mal mesmo. Eu realmente me aproximei com a melhor das intenções – Juliana disse soltando-lhe o braço. Lisa a olha melhor. A morena estava vestida meio hippie, com saia longa colorida e uma blusa decotada. “Aliás, bem decotada”, pensou, vislumbrando o começar dos seios.
- Olha não morreu ninguém. Só não estou em um bom dia. Mas obrigada pela simpatia - respondeu já retomando seu caminho.
- Tudo bem. Não vou ficar te perturbando - disse Juliana caminhando a seu lado. Lisa a olhou de lado.
- Mesmo? - disse irônica. Juliana riu espontaneamente.
- Ok, ok. - ergueu a mão com um bilhetinho entre os dedos. - Este é meu telefone. Para o caso de resolver aceitar meu convite. Ehh! - ergueu o dedo em riste. Não jogue fora! Sempre mudamos de ideia e o que parece péssima ideia hoje é excelente amanhã.
Pôs o bilhete na mão da loira que o observa e, em silêncio, retoma seu caminho. Não percebe o sorriso da morena ao esta notar que guardou o bilhete na bolsa.
Juliana a observa se afastar com um sorriso leve no rosto. Sorriso este que se alargou ao vê-la guardar o bilhete na bolsa. ‘Isso é dor de amor perdido’. Agora mais do que nunca investiria nela. Reparara seu olhar no decote. Caminha em direção à saída do prédio. Ao sair sapateou nas escadas. Ela se sentia o remédio ideal para curar o sofrimento de Lisa.
Lisa olhou para trás e viu a morena sumir pela porta de entrada do prédio que estudava. Balançou a cabeça como a lamentar a inconveniência de algumas pessoas e retornou seus pensamentos à Joyce. Decidira dar a ela o tempo para aceitar os acontecimentos e as mudanças que ocorreriam na vida de ambas. Nada de pressão. Sentia o coração se oprimir cada vez que imagina perdê-la, mas confiava... acreditava que o amor venceria cada uma das barreiras que se erguiam implacáveis ao redor delas. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas. O que não daria para poder sentir seus braços seus beijos, seu toque. ‘Jô... que falta você me faz’.

 - Joyce!! Bela Dama! Jô olha para trás e vê Carlos correndo para alcançá-la. Sorriu e parou, aguardando-o.
- Atrasado novamente, doutor? Carlos sorriu feliz.
- Como vê Joyce, pontualidade não é o meu forte. Você está bem? - olhou-a preocupado - Está com o rosto abatido.
Joyce tocou levemente o próprio rosto. O final de semana deixara marcas de grande abatimento nele.
- Tive alguns problemas. Mas estão resolvidos - disse decidida, ignorando a sensação de vazio dentro de si.
- Hum... - Carlos a olhou descrédito. - Tudo bem. Olha, consegui ingressos de camarote pro jogo do Cruzeiro e Atlético, no Mineirão. Topa?
- Mentira! - Joyce o olhou extasiada. – Sou cruzeirense doente. Claro que topo.
- Aeeee! Sabia que não ia me decepcionar. – Se fosse atleticana nem respiraria mais o mesmo ar que você. Neimmm. Imagina... tão bela e atleticana. Estragava tudo.
- Sei... vou fingir que acredito - virou-se sensualmente olhando-o por sobre o ombro com um sorriso levado e voltou a caminhar no pátio. Carlos a observou caminhar com um rebolar mais que chamativo e sorriu abobado. Essa mulher era tudo de mais maravilhoso na natureza. Feliz a acompanhou brincando e contando pequenos ‘causos’. Joyce o olhava rindo. Carlos realmente tinha o dom de deixá-la bem. Muito bem.

As semanas passavam lentamente. Lisa não aguentava mais de ansiedade. Precisava procurar Jô. Não tinha santo que aguentasse tanta provação. Tinha tanta certeza que Jô iria procurá-la que anulara os problemas da mente e se dedicara só aos estudos. Mas agora as coisas já estavam ficando insustentáveis. De tudo isso a única coisa boa que acontecera fora a volta às boas com Junior.
- Lisa ajude aqui. Lisa olhou pela janela e viu seu pai tirando compras do carro e equilibrando-as precariamente nos braços
- Tô indo - ergueu-se ágil e correu para pegar as sacolas que quase caiam no chão. Rindo muito, os dois procuravam, no meio do passeio, não deixarem as compras caírem, aprontando uma verdadeira algazarra circense. Nesse momento, Carlos passou de carro pela rua, com Joyce no banco de passageiro
- Olha só aqueles dois - riu divertido, reparando a cena de pai e filha.
Joyce, extática, olhava Lisa aos risos com o pai. Tanto tempo procurando anulá-los da mente e Carlos resolve passar logo em frente a casa deles. Que saudade! Observou Lisa insistemente. Ela usava um short minúsculo e uma blusinha justa que valorizava cada curva. Estava mais magra, notou meio sentida. Passou a mão nos cabelos. Sentia tanta falta da alegria, da farra da família de Lisa. Sentia falta de Paula, de Marcos, dos irmãos de Lisa... de Lisa. Virou o rosto para trás tentando guardar mais um pouco daquela cena. Que falta sentia da sua... família.

Lisa adentra a casa praticamente sem fôlego. Seu pai vivia pondo-a em vexames e diversão. Colocou as compras na mesa e observou o irmão mais novo entrar na cozinha com o resto das compras.
- Nando, você chegou na hora certa - disse rindo. Fernando a olhou meio irônico.
- Seu Marcos não vai mudar nunca. Bom, tenho que sair... tô atrasado. No caminho pareceu pensar e deu meia volta. - Lisa, mana, tô com ingressos pro show dos Titãs e a Marcinha não poderá ir. Surgiu um problema na família dela. Não quer me dar a honra de sua companhia?
- Mentira Nando, não acredito. Você está me convidando para sair? Fernando ficou sem graça.
- Olha não me zoa. A Márcia só fica tranquila se eu for com você. Tô louco para ver esse show e não quero me indispor com ela. Vamos, vai! Lisa olhou o irmão divertida. Nunca imaginara que um dia o veria apaixonado.
- Por que não chama um de seus amigos? O irmão a olhou sério.
- Olha mana, sendo sincero. Você anda tão tristinha ultimamente que acho que faria bem sair um pouco. Pô sou tão mala assim?
Lisa encarou o irmão. Fernando a chamava porque estava preocupado com ela. Não podia negar, tinha a melhor família do mundo.
- Eu vou, Nando. Obrigada por pensar em mim, viu - respondeu dando-lhe um beijo no rosto. - Que dia vai ser?
- Amanhã. Vai gata, tá. Agora deixa ir que tô atrasado mesmo.
Lisa o observou sair. Titãs... Seu olhar se nublou. Jô adorava Titãs.

- Titãs? Não acredito! - Joyce pulou no pescoço de Carlos. – Eu amoooo Titãs. Carlos sorriu
- E eu não sei? Olha aqui, Jô – mostrou os ingressos. - Amanhã, hem! Vê se não esquece.
- Claro que não vou esquecer – beijou-o, carinhosa
- Jô - Carlos a abraçou mais forte e olhou para sua casa de dentro do carro. - Que dia poderei conhecer sua família? Joyce estremeceu e saiu dos braços dele.
- Eu... - passou a mão nos cabelos. - Eu tô preparando Mariana, Carlos. Não quero que ela te hostilize. Olha, me de só mais um tempo.
- Tudo bem - Sorriu sem graça. – Às vezes fico ansioso, desculpe. Joyce o olhou com carinho.
- Tem paciência. Logo vou marcar um jantar em casa, tá.
- Ok. Bom, tenho ir agora. Te ligo mais tarde?
- Liga sim - respondeu dando-lhe um beijo leve. Sorriu olhando-o se afastar, porém logo ficou séria. Voltou o olhar para sua casa e entrou lentamente.
- Mãe!!
- Hei linda. Que boca suja é essa? - disse enojada, desviando o rosto do beijo de Mariana.
- Ah mãe, é chocolate com mel - respondeu passando a mãozinha na boca.
- É? Então vai lavar esse rosto e depois, ai sim, você pensa em me dar um beijo.
Viu, sorrindo, a filha sair da sala. Caminhou lentamente para a cozinha onde a empregada fazia um lanche.
- Olá, Fátima. Tudo bem por aqui?
- Está sim, Joyce. Quer que te prepare algo?
- Não, obrigada. Hã... alguém ligou?
- Sim, a Lisa ligou.
Jô ficou alerta.
- O que ela queria?
- Pediu para falar com Mariana. Ficaram um bom tempo no telefone.
Jô sentiu uma raiva dentro de si, mas manteve o rosto impassível.
- Bom... Ok, então. Depois ligo para ela.
Saiu da cozinha possessa. Lisa sempre ligava para Mariana, mas nunca a chamava. Tudo bem que era melhor assim, mas achava isso ridículo. O que tinha elas conversarem? Aliás, elas precisavam conversar. Ambas fugiam do confronto. Sentia tanta falta da loira! Vê-la acabara com suas defesas. Olhou para o telefone e o segurou. “Mas... o que dizer?” “Lisa, tô namorando. Pois é ninguém aqui em casa sabe ainda, mas já não tá dando pra esconder mais não. Quanto a nós? Bom, eu... eu te amo... e preciso de você.” Bateu o telefone. “Você é ridícula, Joyce. Que mulher sã vai aceitar ser a outra? Deus quero Lisa!” gemeu baixinho. “E quero Carlos”.
Mariana entrou na sala e viu a mãe perto do telefone.
- Mãe? Joyce ouviu alguém a chamando ao longe. Balançou a cabeça ao ver Mariana perto dela.
- Hum... hei linda! Ah, de rosto lavado! - ajoelhou-se e tascou um beijo longo no rosto da filha. Mariana riu deliciada e as duas começam a brincar, rolando pelo chão. Após um tempo, cansadas, Jô perguntou à filha que estava em seus braços.
- Soube que Lisa ligou para você. Que ela queria?
- Ah, saber como tô na escola, se tô bem, dizer que me ama muito - respondeu a criança, feliz Jô sentiu uma onda de ciúmes dominá-la, mas se controlou.
- E... ela perguntou por mim?
- Não, mãe. Mãe... por que Lisa não vem mais aqui? Às vezes a vó me leva lá na casa dos padrinhos, mas Lisa não vem mais aqui.
Joyce ficou desconcertada. O que responder?
- Bom, Mariana, eu e Lisa tivemos uma briguinha, mas vamos resolver. Nada sério viu. Logo tudo fica bem.
- Mas mãe, você mesmo disse que brigar não resolve nada. Se bem que vive gritando né.
- É mesmo, senhorita Mariana? - Joyce se apoiou no cotovelo e olhou a filha ameaçadora.
- Sim e também diz que não se deve falar palavrão e sempre fala!
- Ah menina, me respeita, viu! Não faço isso.
- Faz.
- Não faço!
- Faz.
- Vou te mostrar como faço - Jô fez cócegas na filha, fazendo-a rir e rolar pelo chão.
Mais tarde, observando Mariana assistir desenhos Joyce volta novamente o pensamento à Lisa. As coisas não podiam ficar como estavam. Estava decidido. Sábado ira procurar Lisa e conversar. Tinha certeza que juntas achariam uma saída para toda esta bagunça que se colocaram. Afinal... eram amigas, certo!?

 “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”
 (Eduardo Galeano)

Um comentário:

  1. Poxa!!!adoro...demora assim não!
    ;(
    rsrss...o cap foi otimo!
    ; )
    bjsss

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