Páginas

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Capitulo XXV

A sexta-feira, dia do show dos Titãs, chegou ensolarada. Parecia que a frente fria que pairava sobre Belo Horizonte resolvera sumir de vez. Depois de um dia particularmente agitado, e de uma sensação de angustia que não sabia explicar, Joyce se arrumou para o espetáculo. Uma necessidade de ficar em casa se fazia presente, como se algo muito sério fosse acontecer.
- Mãe tem certeza que posso ir? Você está bem?
- Jô, está tudo bem. Pode ir tranquila.
Joyce observou a mãe. Desde que começara a sair com Carlos, a mãe parecia a fada madrinha. Nunca implicava quando queria sair, sempre deixava seus compromissos para cuidar de Mariana em sua ausência. E ela nem ao menos o conhecia.
- Bom... ok - respondeu meio ressabiada.
Lúcia observava a filha a se arrumar, se perguntando quando ela assumiria que estava namorando. Sorriu sozinha. Vira o rapaz várias vezes pela janela. Era bonito, bem afeiçoado e parecia ter boa estrutura financeira. Comentara com Paula, a mãe de Lisa, a suspeita que Jô estivesse namorando. Suspeita não, a certeza. A amiga a olhara incrédula. Balançou a cabeça lentamente. Algumas pessoas se conformam muito fácil com situações que podem ser mudadas. Mas não queria pensar nisso. Aliás, se recusava a ter certos tipos de pensamento. Finalmente Joyce seguia o caminho certo

 Lisa já estava pronta para o show, mas Fernando ainda não chegara. Só faltava o irmão dar-lhe um belo bolo.
- É mãe, Nando vai me aprontar mais uma das suas.
- Tranquiliza Lisa. Ele vem.
A mãe a olhou de lado. Lisa a encarou. Há muito tempo sentia que a mãe queria lhe dizer algo, mas parecia perder a coragem.
- Mãe, você não quer aproveitar que Nando não chega e me dizer o que está te sufocando e não tem coragem de me dizer? Paula a olhou sem graça.
- Não é nada, Lisa. Eu... não é nada.
- Mãe me sentiria melhor se dissesse. Paula a olhou firme.
- Lisa tenho certeza não gostaria de saber. E, além disso, são só suspeitas, nada certo.
Lisa sentiu o coração apertar.
- É algo relacionado à Jô, né, mãe? Me diz, por favor. Não é justo que me esconda isso.
Paula a olhou com uma olhar sofrido. Não queria ser a causadora de mais um sofrimento para a filha, mais ao mesmo tempo não conseguia mais segurar o que Lúcia lhe contara. Melhor a filha saber por sua boca que pela boca de estranhos.
- Lisa... sente-se - observou a filha sentar-se lentamente na cadeira. Achava-a tão linda. Não entendia porque escolhera esta vida tão cheia de dor e sofrimento.
- Lisa... Lúcia esteve aqui outro dia e comentou que... que Jô... Bom, comentou que Joyce esta saindo com um rapaz. Lisa sentiu seu mundo escurecer.
- Como?
- Filha... - começou Paula, segurando as mãos da filha. - Joyce está namorando... um rapaz.
Lisa levantou-se de supetão.
- NÃO! Não... não acredito nisso! Ela... ela não pode! - Olhou a mãe em desespero.
 - Lisa...
- Não mãe... você... você mesmo disse que não é certo não é? Você mesmo disse! Eu... tem algum engano aí. Deve ser algum colega de faculdade, sei lá. Ela... ela não faria isso. Não Joyce, mãe.
- Filha...
- Não, mãe. Joyce antes de ser... de ser minha... minha... você sabe o que, ela é minha amiga. E como amiga, antes de tudo, não faria uma sujeira dessas, né!? Olha, vai tudo se esclarecer fica tranquila.
Lisa esfregou a testa. Não queria pensar nisso. Não queria. Ouviu o barulho característico do carro de Fernando.
- Olha, é o Nando... eu... tô indo. Tô indo. Tchau mãe - beijou rapidamente o rosto da mãe e saiu.
Paula encostou a testa na mesa sentindo que fizera tudo errado, na hora errada, da forma errada.
- Lisa... Lisa... que escolha é essa? Será que vale toda essa vida de sofrimentos que vai passar? - murmurou para si mesma.
Sentiu mãos se apoiarem em seus ombros e viu seu marido a olhando amorosamente. Marcos puxou uma cadeira para o lado de Paula e a abraçou carinhosamente, dizendo baixinho.
- As escolhas pertencem a Lisa, Paula. Quanto a nós, resta sermos os pais que sempre acreditamos ser.
- Marcos, onde erramos?
- Não erramos Paula. Apenas não podemos desejar que nossos filhos sejam o que gostaríamos que fossem. Eles crescem. Mas espero que sejam felizes. E Lisa, mesmo sofrendo hoje, acredita que este será o seu caminho para a felicidade. E terá todo meu apoio. Nosso apoio.
Paula o abraçou triste, mas conformada. Quando contara a ele sobre Lisa, tivera receio de sua atitude e se surpreendera ao ver uma aceitação muito maior que a sua. Mesmo em seu silêncio, Marcos respeitava Lisa em suas escolhas. A vida não era perfeita. Mas o amor, quando verdadeiro, mesmo dentro das limitações humanas era perfeito. Assim era sua família.

Joyce estava exausta de tanto pular. O show fora simplesmente maravilhoso. Lotado. Incrível como mesmo assim parecia que todos seus conhecidos estavam ali. Já encontrara uns três. Ao final do espetáculo, Carlos a convidou para tomar um chope num barzinho ali perto. Estava rindo, feliz, quando sentiu um gelo na base da nuca. Olhou ao redor pressentindo o olhar de alguém, mas não viu ninguém conhecido. Sentiu uma falta de ar enorme e Carlos, percebendo sua angustia, lhe segurou a mão.
- Jô? Você está bem? Ela o olhou meio perdida.
- Estou... estranho. Senti algo ruim em mim, sei lá. Eu... já estou melhor.
- Mesmo, amor? Nossa, você pareceu perder o ar.
- Carlos... - Joyce segurou o rosto dele. –Tranquiliza, eu estou bem.
- Mesmo? - o rapaz a olhava preocupado.
- Mesmo. E como a querer provar o que dizia, tomou seu rosto nas mãos e o beijou.
O carinho se aprofundou e os dois se deixaram levar, esquecendo as pessoas ali presentes. Ao fim do beijo, Jô abriu os olhos lentamente, com um sorriso satisfeito no rosto. Olhou por cima do ombro masculino e arregalou os olhos, chocada. Com um grito, afastou-se repentinamente do rapaz que, assustado ao ver seu rosto, olhou na mesma direção que ela. Sem nada perceber de anormal, voltou o olhar a Joyce que já se erguia em desespero, correndo em direção à porta do bar.
- Jô? Aonde vai? Jô? Joycee!!!

Lisa ia para o show para não decepcionar o irmão. Esforçando-se para não mostrar sua angústia, dançou e pulou ao som de Titãs. Fernando, dentro de sua alegria quase infantil por estar perto de seus ídolos, não reparava as várias vezes que a irmã parava simplesmente e se deixava ficar, com um olhar perdido no meio da multidão.
- E ai, mana? Curtiu o som?
- Muito, Nando - olhou em direção a um barzinho bem movimentado de esquina. - Hei, aquele não é seu amigo, o João?
- Onde? Cara, é ele mesmo! Vamos lá - disse segurando a mão da irmã e a puxando em direção ao amigo.
- Meu, que legal ver você aqui! - João exclamou ao ver o amigo. - Senta aí - disse já puxando uma cadeira a Lisa, que se sentou meio sem graça. Sua vontade era ir para casa, mas vendo a alegria dos amigos que a muito não se viam, permaneceu quieta, lançando um meio sorriso à namorada do rapaz que a olhava condescendente.
- Esses têm muita coisa para por em dia – ela disse lhe sorrindo. Lisa retribui o sorriso e olhou ao redor. O barzinho era bem legal. Como estava bem cheio, o proprietário espalhara mesinhas pela calçada. Observou pela janela a parte de dentro do bar e sentiu um frio penetrar seu corpo. Empalideceu sensivelmente
- Hei, você está bem? Olhou para a frente e viu a moça olhando-a preocupada. Depois de longos segundos de silêncio, respondeu roucamente.
- Eu... eu... estou. Eu... onde é o banheiro aqui?
- Lá dentro. Quer que eu te acompanhe?
- Não... obrigada. Vou sozinha.
Ergueu-se automaticamente, caminhando em direção à porta do barzinho. Adentrou o ambiente sem ver nada, ouvir nada, sentir nada ao redor. Fixou os olhos na jovem morena que beijava despreocupadamente o rapaz que estava a seu lado. Alguém lhe deu um empurrão nos ombros. ‘Hei, você está no caminho’, mas ela ignorou. Não conseguia desviar os olhos do casal algumas mesas à sua frente. Observou o beijo que terminava suavemente e viu o sorriso satisfeito no rosto da mulher. Foi quando os olhos de ambas se encontraram. Uma descarga elétrica percorreu seu corpo, libertando-o de sua inércia. Virou-se imediatamente para a porta e correu como se diversos demônios a perseguissem. Não escutou o grito atrás de si. Passou pelo irmão que, vendo-lhe o desespero, correu atrás. Não parou de correr. Queria fugir. Fugir da realidade. Fugir da traição. Sentia como se facas lhe perfurassem o corpo. Esquinas à frente, Fernando finalmente a alcançou.
- Lisa? Lisa, que foi, pelo amor de Deus!
- Me tira daqui, Nando. Me tira daqui! - gritou desesperada.
- Calma, Lisa! Ok. Mana, calma, calma, vai - segurou suas mãos com cuidado. Olhou-a sem entender nada, mas conhecendo a irmã, sabia que algo muito sério acontecera naquele bar.
- Vem, vou te levar pra casa.

Joyce olhou ao redor. ‘Meu Deus, não’. Pôs a mão na boca e começou a andar sem rumo pelas mesas do bar.
- Joyce, que houve? - sentiu as mãos de Carlos em seus ombros e se soltou bruscamente.
- Me larga!
- Jô, pelo amor de Deus, que foi?
Ela o olhou angustiada e depois novamente ao redor. Uma onda de pânico tomou-lhe o corpo, que enfraqueceu.
- Joyce, pelo amor de Deus, o que você tem?
- Me leva pra casa, Carlos. Me leva pra casa. Apenas me leve pra casa.
Não se despediu do rapaz. Desceu e correu em direção a porta da casa, entrando sem nem mesmo olhar para trás. Carlos se deixou ficar ao volante, arrasado, sem nada entender. Como uma linda noite podia acabar de forma tão desastrosa? E pior, sem ele ao mesmo saber o porquê.
Joyce já dentro de casa, pôs a mão sobre a boca e um gemido do fundo da alma lhe subiu pela garganta. Sem saber o que fazer, começou a bater as mãos na cabeça.
- Jô? Jô do céu, que é isso? Que você tem?
Lúcia lhe segura as mãos, olhando-a preocupada. Ouvira o barulho e os sons de gemidos e levantara achando ser Mariana. Surpreendera-se ao encontrar Joyce, totalmente sem controle, na sala de estar.
- Joyce, pare com isso! Pare!
- Mãe – Joyce a olhava como que cega. - Lisa me viu! Lisa me viu, mãe!
- Lisa viu onde? O que, Jô? Não entendo nada.
- Ela me viu num barzinho com Carlos. Ela me viu beijando ele! Mãe ela não vai me perdoar. Meu Deus. Lúcia ficou séria. Segurou os braços da filha.
- Lisa não tem nada que perdoar, Joyce. O que tem você namorar? Ela tem que entender que é a lei normal da vida. Você vai namorar, casar e ter mais filhos.
Joyce fixou os olhos na mãe. Ela pareceu-lhe ansiosa demais em rebater seu desespero. Novamente lembrou o olhar de Lisa no barzinho e os olhos se encheram de lágrimas.
- Não, mãe! Eu preciso de Lisa. Preciso explicar! Ela vai achar que a traí! Eu a amo, ela não pode me deixar. Eu tenho que ir lá!!
- Pare, Jô! Olhe a hora! Você não tem que ir a lugar algum a esta hora. E amar... Jô, amamos muitas pessoas, amores diferentes. Lisa aceitará que você tem um namorado.
- Não, mãe! Como? Ela é minha na...
- CALE-SE, JÔ! Eu já disse. Ela tem que aceitar! Você já sofreu muito na vida e ainda sofre com o preconceito das pessoas. Não queira aumentar sua carga de sofrimento, entendeu? Não vou admitir que mais uma vez você nos envergonhe perante todas as pessoas que conheço, sua família, seus amigos. Entendeu? Segurou-a pelos ombros e a sacudiu. - Entendeu, Joyce?
A filha olhou-a com os belos olhos negros nublados e sem brilho. Baixou a cabeça, deixando que os cabelos lhe cobrissem o rosto.
- Sim mãe, entendi e... concordo. Desculpe. Eu... vou deitar.
Lúcia viu-a sair da sala com toda uma postura de derrota. Sentiu o coração se apertar. Não, não deixaria a filha mais uma vez destruir a própria vida. Não reparou a porta do quarto rosa ligeiramente aberta e olhinhos verdes a observarem atentamente, ansiosos e tristes. Mariana nada entendia, mas sabia que, de alguma forma, o que acontecera ali mudaria a vida delas para sempre.

 “Caminhante, não há caminho; faz-se caminho ao andar.”
Antonio Machado

3 comentários:

  1. Sabe, essa historia ta cada vez melhor, mi envolve de uma maneira, estou com muita pena de lisa, mas intendo o lado da jo, por estar em algumas realidades, ou em pensamentos de algumas pessoas, faz com que o conto fiquei maravilhoso. É angustiante, da vontade de chorar ao mi colocar no lugar da lisa, mas qndo percebi ao reler o começo da historia, onde se falava de mariana, estou louca que ela cresça, olha o conto está perfeito, parabénsss!! Só pesso que poste mais vezes.. sua fã

    ResponderExcluir
  2. Mistery tá bom demais o conto... Cada vez eu me apaixono mais por ele. Perfeito viu e por favor não demore para continuar.
    Bju!

    ResponderExcluir
  3. Confesso que estou viciada nesse conto, um dos melhores que ja li!!!parabens pelo maravilhoso conto!!!bjs

    ResponderExcluir