Páginas

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Capitulo XXIII

Lisa chegou à casa ensopada. Correu para o quarto, tomou um banho quente e pôs um roupão. Só então estranhou o silêncio da casa. Foi até a sala e viu o bilhete preso à televisão: “Estamos na casa de seu tio Armando. Qualquer coisa ligue. Beijos, Papai e Mamãe.” Olhou para os lados rindo e imaginando onde estaria a criancinha que eles pensavam ainda ter em casa. Foi ate a cozinha e abriu a geladeira. “Hum, vamos ver o que tem para comer”. Nesse momento ouviu a porta da frente se abrir. Olhou para trás e viu Junior surgir na entrada da cozinha. Os dois se encararam em silêncio. Depois Lisa viu o irmão virar as costas e sair em direção ao quarto. Baixou a cabeça e fechou a geladeira. De repente já não sentia mais fome.
Joyce por sua vez caminhava em direção à casa de Lisa. “Meu Deus, que dilúvio! O mundo está acabando.” Perdera a hora e não fora a faculdade. Esperava encontrar Lisa em casa também. Não acreditava que tendo passado mal no dia anterior ela tivesse saído, ainda mais com a chuva que caia. Tocou a campainha e viu a loira surgir a sua frente.
- Lisa! Não me diga que saiu hoje! - disse ao ver a loira com o cabelo molhado. Lisa a encarou surpresa. Não imaginava que a morena fosse aparecer à sua porta ainda pela manhã.
- Ah... Olá, Jô. Entra.
- Está sozinha? - Jô perguntou dando-lhe um beijo no rosto e olhando para os lados.
- Não... Junior está no quarto. Não foi à faculdade hoje?
- Não... dormi mais que a cama - respondeu a morena se jogando no sofá. – Como você está? Não me respondeu se saiu hoje.
- Claro que sim. Fui à faculdade, uai.
- Doida! Passa mal ontem e hoje sai e ainda com este tempo? Não tem juízo, Li?
- Ah, para, Jô. Já estou em casa, sã e salva.
Sem querer, sua mente se voltou à morena da biblioteca. Que loucura! Olhou para Joyce e pensou em lhe contar o que acontecera, mas depois resolveu se calar.
- E você? Por que perdeu a hora?
- Por quê? - Joyce olhou rindo para ela. – Porque dormi demais.
- Por quê? Dormiu tarde? - Lisa fez cara de inocente.
- Hã... dormi sim. Estava sem sono.
- Por que sem sono, Jô? Você não é de perder sono à toa.
- Às vezes perco, oras. Mas me diga, você está melhor mesmo? Me deixou muito preocupada ontem, loirinha - Jô tocou delicadamente o rosto dela. Lisa observou Jô com olhos semicerrados. “Será que ela não vai me contar que saiu ontem?”
- Estou bem, Jô... Estou bem. Ah... e você? Tudo bem? Que fez ontem depois que foi para casa?
- Eu? - Jô a olhou desconfiada. –Eu? Nada. Eu li um pouco, fiquei com Mariana, aproveitei para por a conversa em dia com minha mãe. Por quê?
- Nada... - a loira percebeu que Joyce não sabia que estivera em sua casa e silenciou. Seu coração se oprimiu. “Porque ela não me conta que saiu?”
- Li você me disse que queria me dizer algo. Bom, tô aqui.
Lisa a encarou em silêncio, o que deixou Joyce ansiosa.
- É sobre você ter passado mal ontem, né. Sei que andou angustiada e por minha causa, porque andei distante, mas saiba que sou eu mesmo. Eu ando cheia de coisa na cabeça e fico perdida. Acabei por descuidar das pessoas que gosto. Você não é a única que reclama sabe. Mariana, mamãe estão sempre reclamando dizendo que estou impaciente, nervosa. Mas olha, vou mudar. Quero que saiba que não vai se repetir e...
Lisa interrompeu Joyce.
- Mamãe já sabe da gente.
Joyce a olhou em choque. Abriu e fechou a boca várias vezes. Percebeu o cérebro lento como se não assimilasse o que acabara de ouvir.
- Co... como?
- Mamãe sabe da gente. Eu contei ontem.
Joyce sentiu o ar lhe faltar. Pôs a mão sobre o coração sentindo-o acelerado. Olhou Lisa e tentou falar, mas a voz não saia. Tentou se levantar, mas as pernas estavam paralisadas. A loira observava-lhe cada gesto. Sabia ter sido muito franca ao falar, mas não vira outra forma de introduzir o assunto.
- Co... mo contou? Eu... contou da... gente? Mas... eu... não me disse!
- Não disse o que, Jô? Foi de repente. Ela me pôs na parede para saber se era verdade que éramos namoradas. Acabei assumindo que sim.
- Mas... como? Como sabe? Ela desconfiava? Por que ela desconfiava? QUE LOUCURA É ESTA, LISA? Joyce começou a gritar em desespero.
- Calma Jô, não precisa gritar.
- Não precisa? NÃO PRECISA! Você desmaiou Lisa, e EU não posso gritar?
Lisa se calou. Viu Joyce se erguer do sofá e andar de um lado ao outro na sala.
- Devia ter negado Lisa. Devia ter negado. Meu Deus!! - pôs a mão na boca. – Meu Deus! Lisa... não pode acontecer isso! Que faço? Meu Deus!
- Calma Jô. A mãe aceitou bem - Lisa tenta tranquilizá-la
- Bem? BEM? Agora sei por que ela foi grossa comigo ontem! Claro, receber a mulher da filha. A mulher da mulher que por acaso é filha dela. Puta que pariu!!! Tô fudida. Tamos fudidas.
- Calma Jô. Eu disse que ela aceitou porra. Fica calma.
Jô parecia não escutá-la. De repente se vira em direção a ela.
- Quem contou a ela? Diz Lisa, quem contou? - gritou agarrando-lhe os braços.
- Jô, você está me machucando. Me solta. - Lisa gritou, soltando-se com um safanão.
- A culpa é sua, Lisa! É sua! Sempre querendo assumir. Deve ter dado bandeira! Queria isso o tempo todo! Você me sacaneou. Só pensou em você!! Lisa a olhou em choque.
- Tá louca, Jô? Nunca faria isso! Não dei bandeira como diz e nem fiz nada por suas costas.
- Não quero isso! Não quero que me vejam como sapata!!!! Você devia ter desmentido até a morte, porra. Você é foda. Droga... não acredito nisso.
Lisa a olhou como que não acreditando no egoísmo de Joyce. Acabara de contar que sua mãe descobrira delas e tudo que a morena sabia pensar era que não queria ser vista como sapata. Sentiu uma tristeza enorme e respondeu desanimada à Joyce.
- Eu não tive como desmentir. Desmaiei.
Joyce a olhou em silêncio. Não queria acreditar que aquilo estava acontecendo. “Meu Deus, o que dona Paula devia estar pensando! Não quero isso. Isso não está acontecendo”.
- Lisa, você tem que desmentir. Diga que foi paranoia sua, sei lá, inventa algo.
- Impossível Jô. Já está feito. A questão agora é... você está nessa comigo?
Joyce a olhou assustada. Como assim nessa? Lisa só podia estar louca!
- Tá louca Li? Sou mãe! Tenho mãe! Não consigo nem imaginar elas descobrindo isso! E a faculdade?? E... e... as pessoas!! NÃO. Não posso. Deus Li, não posso... tá louca?
Sentou no sofá e cobriu a cabeça com as mãos. Lisa a olha sem acreditar nas atitudes da morena. Tentava assimilar o que ela dizia, mas tudo que lhe vinha à mente era. “Ela está me deixando só nessa.”
- Jô... onde esteve ontem à noite? Joyce ergueu a cabeça surpresa.
- Como?
- Onde esteve ontem à noite. Sei que saiu. Estive em sua casa.
Jô ergueu-se enfurecida. Inflou o peito e gritou.
- Quer saber o quê??? Me solta uma bomba dessa e vem me questionar onde estive? Vá à merda, Lisa. Vá à merda. Quero sair daqui.
Saiu revoltada da casa de Lisa batendo a porta. Onde estivera a noite passada era o de menos. O que não queria e não iria acontecer era ser apontada como a sapata do bairro. Começou a chorar em desespero. “Meu Deus, Lisa o que você fez? O que você fez comigo?” Sentia o coração bater descompassado. Lisa conseguira. Estragara tudo. Ela não nascera para ser apontada na rua como “a diferente”. Já prejudicara sua vida uma vez e não faria isso novamente. Começa a respirar fundo. “Bem Jô, vai calma. Para tudo existe saída”. Pensou em Carlos. Sentia-se bem com ele, adorava suas conversas seu jeito alegre e ao mesmo tempo responsável. Tentou analisar seus sentimentos. Gostava dele... na verdade, sentia atração por ele. Era seu maior conflito. Como se sentir atraída por uma mulher e por um homem? Isso existia? Passou a mão nos cabelos. “Claro que existe, né Joyce, songamonga. Você está!” Pensou, batendo a mão na testa. Mas... e o amor? Bom... amor se conquista com o tempo... é isso. Ergueu o queixo. Olhou para trás e viu a casa de Lisa ao longe. Baixou a cabeça. Mas... Meu Deus. Lisa em seus braços, seu toque cheio de paixão. Sentiu um frêmito dentro dela ao lembrar. Porra há quanto tempo não fazia amor com Lisa. Burra, fugindo dela estas semanas se privara do prazer de estar em seus braços. Balançou a cabeça energicamente. Para Jô. Volte aos prós e contras. Lisa te cobra mais que pode dar. A vida com ela seria sempre conflituosa, com pessoas olhando de lado, ouvindo criticas e sendo vítima do preconceito. Sua filha seria sempre hostilizada na escola e ela... ela seria sempre apontada como a sem vergonha que sempre fez as escolhas erradas na vida. Já vivera isso e as recordações não eram as melhores. Aliás, nunca mais queria sofrer como no passado. E Carlos... sentiu o coração aquecer. Carlos era a oportunidade de consertar todos os erros que cometera. Soltou o ar lentamente, pois sem o perceber prendera a respiração. Foi como se então colocasse para fora todas as incertezas. Com tristeza de quem sabe que não existe outra saída voltou o olhar para frente e virou a esquina em direção a sua casa. “Eu te amo, Li, mas não posso... e vou fazer o que é certo. Um dia me dará razão.”
Lisa estava sem ação. Joyce tivera uma reação que não esperava. Pôs a mão na testa e a esfregou. Sentou-se no sofá e sentiu lágrimas virem-lhe aos olhos. “Meu Deus, ela vai me deixar... ela vai me deixar!” A angustia tomou conta de todo seu ser. O que fazer? Como... que atitude tomar frente a tudo que estava acontecendo? Ela amava Joyce, não queria perdê-la. Escondeu o rosto com as mãos e sentiu lágrimas quentes entre os dedos. Soltou um gemido angustiado. Foi quando braços calorosos lhe abraçaram os ombros. Ergueu a cabeça e viu Junior a olhando solidário. Lisa resistiu de inicio. Depois, entregue, enlaçou a cintura do irmão e chorou. Ergueu a cabeça, triste.
- Desculpa Ju.
- Shiii... Tudo bem Li. Tudo bem.
Não disseram mais nada. Ali permanecem, unidos, pelos laços de sangue e de amor.

 “A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal de que somos feitos.”
 (George Bernard Shaw)

Um comentário: