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sexta-feira, 4 de julho de 2008

Capitulo IV

A semana passava rápido. Jô, a cada dia mais, se acostumava a ser mãe. Resumindo ser mãe: não dormir, comer mal, esquecer a vida social. Pena que não pôde parar de estudar pensou rindo. Automaticamente voltava seus pensamentos ao passado, quando descobrira sua gravidez.

- Como é? Grávida? Tu é burra garota? Como não se preveniu??? - Os dois estavam em um canto do estacionamento do shopping.
- Eu?? Eu Daniel? Você que vivia dizendo que sem camisinha sentia mais prazer, que eu não iria engravidar porque você tirava antes. Jô se sentia desesperada. Quando percebeu que sua menstruação estava atrasada, entrara em pânico. Ela era um reloginho e, com certeza, aquilo não era bom sinal. Após uma semana de atraso foi a uma farmácia e pediu o exame de gravidez. “AIIII positivo!” Ela deu um verdadeiro show de sapateado e gritos dentro do banheiro, a ponto de sua mãe apavorada invadi-lo. E daí... Outro show de sapateado e gritos no banheiro. Lúcia não acreditava que sua filha pudesse estar grávida. Acabara em prantos no banheiro e Jô desesperada pedindo perdão. A ficha ainda não caíra, mas tinha certeza que Daniel estaria ao lado dela. Que decepção!
- Olha gata, a gente resolve isso. Conheço um médico legal que vai dar um jeito nisso. Meu colega levou a namorada lá e tudo correu na boa.
- Aborto? - ela olhou horrorizada o namorado - Eu entendi bem? Você quer me por na mão de um açougueiro?
- Mas cara, você sempre exagerada, que saco! Claro que não é açougueiro, não acha que ia por esse corpinho gostoso nas mãos de qualquer um aí, hem! - e deu um sorriso safado enquanto passava a mão desrespeitosa nos seus seios. Naquele momento Jô sentiu nojo do toque do namorado. Lembrou o desespero de sua mãe no banheiro, as lágrimas e depois o abraço cheio de amor que ela lhe dera.
- Filha, eu estou com você. Vamos criar juntas essa criança.
- Mãe para! O Daniel vai ajudar, você vai ver. Ele não é o cara que vocês pensam. Ele é maravilhoso e não vai me deixar passar isso sozinha, você vai ver. "Burra, como sou burra." Olhou o namorado à sua frente. Tão bonito com seus cabelos loiros e olhos esverdeados, mas tão ridiculamente vazio por dentro. Como não notara isso antes? Todos a avisaram. E Lisa então! Nossa, ela cansou de brigar pedindo que abrisse os olhos, que Daniel só queria seu corpo.
- Olha Dani, não vou abortar. - O namorado a olhou assustado.
- Como não vai? Claro que vai. Tá pensando o quê? Quer me fazer de otário???? Não quero essa criança e pronto. - disse nervoso. Jô começou a chorar, o desespero tomou conta de seu corpo.
- Dani vamos ter esta criança. Olha, ela vai ser tudo de bom e...
- Cala a boca, sua vaga! Não quero, já disse. E quer saber? Ou você faz esse aborto ou a gente para tudo aqui, sacou? - Jô começou a chorar ainda mais e ele, vendo seu desespero, tocou-lhe os cabelos. Na verdade não queria terminar o namoro. Ela era linda, muito gostosa na cama e topava todas as suas loucuras.
- Olha, vai dar tudo certo, vou arrumar a grana e a gente faz isso junto - disse carinhoso. Jô ergueu os olhos e percebeu no olhar do namorado a certeza de sua escolha. Que garota em sã consciência iria deixá-lo? Bem, pensou essa garota aqui vai. Ergueu o corpo, passou as mãos no rosto, enxugou as lágrimas como pode e disse orgulhosa.
- Pois a gente para aqui, sacou Daniel! A partir de hoje você para mim é lixo. E que nunca queira ver esta criança, porque ela nunca, mas nunca mesmo, amará você. Me encarregarei disso. - Virou as costas e se afastou daquele que acreditara ser o amor de sua vida.
- Hei, pirou? - Daniel correu atrás dela e a segurou seu braço - Você vai me deixar por causa desse probleminha? Tu é doida, garota? A gente é bom junto.
- Me solta!!
- Não vou soltar você é minha, para com isso.
- Eu disse pra me soltar!!!
- É mesmo! Então me faz soltar - dizendo isso a agarrou fortemente e passou, com lascividade, as mãos em seus quadris puxando-a bruscamente ao encontro de seu corpo. - Vê o que faz comigo, gata. Vamos, desiste disso e vamos ficar na boa.
Jô se encheu de ódio. Percebendo-se presa nos braços que antes tantos prazeres lhe dera, ela começou a se debater desesperada.
- Me solta Daniel, me solta senão vou gritar!
- Você não teria coragem, para com isso.
- Vai querer pagar pra ver? - ele a soltou furioso.
- Quer saber? Pode ir embora. Você é uma piranha. Como você, acho várias por aí.
Jô lhe virou as costas e saiu andando de cabeça erguida. Vendo-lhe a postura orgulhosa ele lhe gritou bem alto, ferido em seu ego de macho pela rejeição, para que todos ouvissem:
- Vagabunda!! Com certeza já deu pra muitos e quer fazer o otário aqui assumir essa criança. Tem mesmo é que se fuder. Some de minha vida!
Sem olhar pra trás ela adentrou o shopping e andou calmamente até o toalete. Olhou-se no espelho e observou as lágrimas que lentamente começaram a escorrer de seu rosto. Percebeu algumas pessoas a lhe observarem e correu para um dos reservados. Fechou a porta e as lágrimas se transformam num pranto sentido. Desejava estar apenas com uma pessoa, que sua mente insistia em gritar: Lisa.
- Oh Lisa, como te queria comigo agora... - disse baixinho, entre soluços. Após a crise de choro se ergueu lentamente. Abriu a porta, saiu e lavou o rosto no lavabo.
- Filha, você está bem? - Jô ergueu o rosto para a senhora de semblante preocupado que lhe tocou o ombro, logo desviou seu olhar ao espelho. Seu rosto estava inchado e os olhos muito vermelhos. “Impossível mentir”, pensou.
- Eu... Não... mas vou ficar. - Respondeu erguendo os ombros e dirigindo um olhar agradecido à senhora que, ainda preocupada, lhe deu um sorriso encorajador e se retirou. Jô caminhou também para fora do toalete e, ao sair pela porta, imediatamente viu o telefone público. Tremeu, hesitou, aproximou-se do telefone, tirou a ficha do bolso colocou-a, em seguida discou o número...
- Alô? - Li... Lisa?
- Jô é você? Que houve? Que voz é essa? - Ela não conseguia responder, os soluços voltavam mais fortes.
- Jooo!!! Jô calma, onde você está??? Jô, fala comigo! Onde você está?
- Sho... sho... ping - conseguiu dizer entre soluços.
- Jô calma, olha fica aí perto do telefone entendeu? Fica aí. Eu já tô indo. Jô, calma eu tô indo. - Lisa desligou o telefone sem despedir.
Jô colocou lentamente o fone no gancho. Sentou no chão, em frente aos telefones, sem se importar com os olhares curiosos sobre si. Ela iria esperar. Iria esperar porque sabia que Lisa não lhe faltaria. Que Lisa era, e sempre seria sua amiga e estaria com ela, não importa o que acontecesse.. Porque sabia que Lisa a amava.

Jô voltou ao presente. Olhou ao redor e observou a escola em que estudava. Incrível como tudo lhe parecia tão igual, mas ao mesmo tempo tão diferente. Escutava os gritos vindos da quadra e via suas colegas jogando futebol. “Futebol?” Retorceu a boca em ironia. “Pelada, quer dizer... Aliás, será que não existe nenhum nome abaixo disso que possa definir aquele jogo? Ou melhor, isto que acontece à minha sua frente?” Observava a bola dar verdadeiros dribles nas colegas e não conseguiu segurar o riso quando viu Lisa deixar a bola passar por debaixo das pernas.
- Fecha a perna, muiééé!!! - Gritou da arquibancada, vendo o olhar assassino de sua amiga em sua direção. “Ainda bem que estou isenta das aulas de Educação Física”, pensou, rindo. Aos poucos seus pensamentos se distanciam do presente... O passado... Existiriam boas lembranças do passado, após descobrir sua gravidez? Novamente olhou para amiga. Abriu um sorriso maravilhoso. “Ah... sim... como existem”!

- Ergue a cabeça, Jô. Ninguém aqui tem nada a ver com sua vida.
- Mas Li, olha os olhares... todos sabem, eles... eu quero ir embora! - disse virando o corpo para o portão de saída da escola.
- Ora, para já! - Lisa lhe segurou pelos braços - Você tem que enfrentar. Lembra o que conversamos? Que você não teria vergonha dessa gravidez, que não deixaria que ninguém lhe atingisse? Além disso, estou com você pro que der e vier. Agora vamos!
A empurrou em direção ao corredor. Todos repararam sua entrada e se silenciaram. Jô lentamente começou a caminhar por entre os alunos. Sentia-se num corredor da morte. Olhares se dirigiam à sua barriga ainda reta e começavam a cochichar uns com os outros. Ergueu o queixo arrogante. Ao chegar à porta de sua sala, virou-se para todos que ainda lhe observavam.
- Que foi? Sou um ET? Tão vendo alguma antena? Parem de me olhar! E outra, me encham o saco que vou lançar praga pra cada um de vocês!! Saco! Até parece que fui a única sacaneada pelo fdp daquele merdinha! Babacas! - Seu tom de voz foi aumentando - Não sou a única adolescente grávida no mundo! - Terminou, em gritos.
- Terminou senhorita? - Jô se virou para a porta de sua sala e viu ali o professor de Geometria.
- Eer... sim, desculpe. - Entrou na sala seguida por uma Lisa roxa. - “Por que será que ela estava dessa cor?” E sentou-se em sua carteira. Aos poucos os colegas foram entrando na sala. Jô baixou a cabeça. Depois da explosão no corredor, tinha vontade de morrer. Os horários passaram lentos. A cada professor que entrava Lisa sentia olhares de reprovação. Faltavam 10 minutos para o recreio e ela foi chamada na diretoria. Olhou para Lisa desesperada e se levantou procurando não reparar o rosto de nenhum de seus colegas que ela acreditava estarem condenando-a. Bateu na porta da diretora.
- Entre.
- Mandou me chamar, senhora Marcela?
- Olá Jô. - Disse dirigindo, automaticamente, o olhar a sua barriga. – Sua mãe esteve aqui e me explicou a situação pela que está passando. - Ela sentiu um aperto na boca do estômago.
- Eu... Eu sei. - Abaixou a cabeça e, automaticamente, cruzou os braços por sobre a barriga, protetora. Sentiu um toque leve em seu ombro.
- Menina, não estou aqui para lhe julgar. O que quero é que entenda que não posso me responsabilizar pelas atitudes de algumas pessoas. Soube o que lhe fizeram hoje no corredor e já tomei algumas providencias em relação a isso. Mas ainda assim terá que ser forte. A mulher é sempre a responsável pelo seu corpo, que isso lhe seja uma lição.
Jô se controlou para não responder. Quem era ela para lhe passar algum sermão?
- Conversei com sua mãe e lhe disse que vocês devem sim, procurar o pai dessa criança. Você é menor e ele é responsável...
- Diretora sinto interrompê-la, mas é como você disse, sou a responsável pelo meu corpo e eu e minha mãe decidimos que esta criança estará melhor sem o merdi... - Engoliu em seco – sem a presença do... do... doador de esperma que me fez este favor. - Disse arrogante. A diretora arregalou os olhos ante as palavras da aluna, mas logo não segurou o riso.
- Meu Deus! Você realmente não muda Joyce. Bem, não irei interferir nas decisões que você e sua mãe tomaram, mas se você se sente tão apta a decisões sérias como esta, também espero que aprenda a lidar com toda esta situação sem conflitos na escola e com maior maturidade frente às pessoas. Compreendido?
- Sim, senhora.
- Pois bem, pode ir.
Jô se levantou e caminhou em direção à porta. Sentia nas costas o olhar que lhe acompanhava. Sentira claramente a desaprovação dela, mas agradecia o apoio que ainda assim lhe dava. Pois bem, ela seria forte, teria maturidade e jamais, jamais teria vergonha de seu filho. Levantou a cabeça, ergueu os ombros, abriu a porta e a fechou lentamente. Ao sair para o pátio, pois já soara o sinal do recreio, procurou por Lisa. Não a viu em lugar algum. Percorreu o olhar por entre os diversos alunos ali presentes e percebeu muitos desviarem os olhos quando estes se encontravam com os seus. Isso não lhe importava. Queria apenas a segurança da presença da amiga. Voltou-se para o corredor, agora vazio, e dirigiu-se à sua sala. A porta esta fechada. Quando a abriu foi envolvida por braços calorosos e afetuosos... Lisa - pensou. Mas, qual a sua surpresa, ao perceber que o abraço veio de Brenda, a CDF da sala.
- Jô - disse uma Brenda emocionada. – Queremos que saiba que não importa o que lhe aconteceu, não importa as pessoas e seus comentários. Todos nós estamos aqui e estamos com você. - Joyce ainda em choque observava a todos, mas todos os seus colegas ali presentes, alguns segurando faixas de apoio escritas em folhas de caderno, outros de mãos vazias, mas com sorrisos iluminados a lhe incentivarem o bom ânimo. Ao fundo, discreta, mas também sorridente... Lisa. As lágrimas começaram a lhe escorrer pelo rosto e ela escondeu-o com as mãos, foi quando todos se uniram numa roda em volta dela e a abraçaram. Ela não estava só.
 Os meses se passaram, as dificuldades foram muitas. O preconceito gritante de alguns professores, a maldade de muitos jovens da sua idade e de vários pais, transformou muitas vezes a vida de Jô em um verdadeiro inferno. Mas quando ela sentia os ânimos diminuírem, a coragem lhe faltar, lembrava-se do dia em que descobrira que as pessoas que realmente valiam à pena estavam ali, a seu lado, tocando sua barriga, contando estórias para o bebê, fazendo apostas bobas para saber qual seria o sexo do mesmo. Mas, principalmente, quando olhava para a sua frente e via aquela jovem loira com os olhos mais doces do mundo, sentia todo o medo ir embora. Ela tinha esse dom, de fazê-la se sentir melhor, segura, capaz.

- Ah, Lisa... - disse baixinho, voltando ao presente e vendo sua amiga correr desajeitada atrás da bola de futebol. - eu... amo você. Como eu amo você!

"As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável.”
Madre Teresa de Calcutá

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