Capítulo XX

Mariana dobra os joelhos e puxa a barra da camisola até os pés. Não conseguia dormir.

Não conseguia esquecer Lisa... suas palavras, seu rosto. Encosta a cabeça nos joelhos.

Queria poder perdoá-la. Porque a amava. Amava demais. Mas... não conseguia apagar da mente o fato dela e sua mãe um dia terem sido amantes. Era demais para sua cabeça.

Joga o corpo para trás e deita a cabeça no travesseiro olhando o teto.

Amava Lisa. Demais. Tinha nas mãos a oportunidade de finalmente ter a mulher de seus sonhos nos braços. E não conseguia dar o passo em direção a ela. Parecia fácil demais. Ser fácil demais. ‘Que vontade de ser fácil!’

Geme e coloca o travesseiro sobre o rosto. Solta um grito abafado. Odiava sentir essa impotência. Essa contradição de sentimentos. Suspira.

Meu Deus, mas Lisa é linda. O corpo dela naquela calça branca... as curvas, a cintura, os seios...

A mulher era um sonho! Geme baixinho. Seu sonho...

Porque não conseguiu dizer sim, que a amava, que precisava dela? Porque se permitiu dominar pela raiva, pelo orgulho, pelo rancor?

‘Porque no fundo eu queria que ela sentisse ao menos um pouco do sofrimento que passei... ’

Vira-se de lado e soca o travesseiro. Tanto Sheila, quanto Nádia tinham opiniões parecidas. Que ela deveria deixar o passado de lado e buscar a felicidade... mas será que era capaz de vencer seu próprio rancor? Sua mágoa? Sua dor? Seu orgulho? A sensação de ser sempre a segunda na vida de Lisa?

O telefone toca assustando-a. Quem seria a essa hora? Pega o celular desanimada, disposta a simplesmente desligá-lo, mas ao ver o número na bina sente o coração disparar.

- A... alô?

- Mari...

- Li...

- Eu... sei que disse que ia deixá-la em paz , mas... queria ouvir sua voz.

- Ouvir... minha voz? – Mariana não conseguia deixar de repetir abobadamente as mesmas palavras de Lisa.

- Sim... ela... é linda. Como você.

- Como... eu?

- Mari... ah Mari, que saudade de você!

- Li...

Mariana sentia a voz presa na garganta. Lisa lhe ligara mesmo depois do fora que dera. Percebia-lhe a voz tremula a ansiedade no tom. Fecha os olhos.

- Mari... sabe... estou aqui deitada... recordando. Recordando o dia que voltei para Minas Gerais e encontrei você aqui, nesta mesma cama. Lembra?

- Lembro...

- Você estava tão linda! Nossa...  maravilhosa. Eu não conseguia tirar os olhos de você.

- Mesmo?

- Mesmo. E... quando se levantou e vi que estava... praticamente nua... Ah Mari! Seus seios são lindos! Que vontade tive de tocá-los... – Abaixa o tom da voz – Que vontade tenho de tocá-los.

Mari sente o rosto avermelhar. Lisa a vira praticamente nua.

O tom de Lisa se torna mais aveludado, mais sedutor.

- Você ia querer que eu os tocasse Mari?

- Eu... eu... – Mari gaguejava sem saber exatamente o que fazer... o que dizer.

- Mari... imagino minha boca em seus seios... lambendo, beijando. Ia chupá-los com carinho até ouvir seus gemidos de desejo, querendo mais e mais... e mais.

Mari morde os lábios segurando o gemido que lhe vem da garganta. A voz de Lisa...

- Queria ter você nua em meus braços... queria poder beijar você todinha. Mari... você dá para mim?

Mariana sente o calor tomar conta de seu corpo. Uma vontade imensa de se entregar a Lisa se faz presente dentro de si. Aperta as pernas uma na outra.

- Li... eu... para... eu...

- Quer mesmo que eu pare Mari? Quer? Mas como parar amor? Se te desejo tanto? Estou aqui... louca para tê-la em meu braços, para fazer amor com você. Preciso...

- Li... - Mariana deita a cabeça novamente no travesseiro, instintivamente abrindo as pernas.

- Amor... quero você nua em meus braços... entregue, desejando, pedindo meu toque. – Suspira enlevada, cheia de desejo. – Quero beijar todo seu corpo, apertar seus seios, morder sua barriga. Quero subir meus lábios por seu pescoço e depois beijar sua boca... saciar-me em seu sabor.

- Ai...

O gemido sai baixinho. Mari instintivamente leva a mão a sua vulva.

- Mari... amor... quero descer meus lábios até seus seios e sugá-los até sentir os biquinhos tesos. Ah, amor, quero levar minha mão entre suas pernas e sentir você molhadinha... louca para dar para mim!

- Li! – Mari arregala os olhos e tira as mãos de entre suas pernas. Estava molhada. Muito molhada. - Eu... por que... por que está fazendo isso?

- Por que te amo amor... e quem ama quer dar prazer à outra.

- Eu... você...  eu...

- Mari...

Mariana arregala os olhos ao escutar um gemido.

- Li?

- Ah amor... estou me tocando como gostaria de fazer com você...

- Ah Deus! – Mari passa as mãos no cabelo tensa. Cada poro de seu corpo exalava seu desejo, sua paixão por Lisa. Saber que ela se tocava a deixa louca!

- Mari... minha boca em você... ah que vontade de devorar você... chupar você... seu clitóris... imaginá-lo durinho. Hum...

Mari geme alto. Que Lisa pretendia? Sente o desejo explodir dentro dela. A vontade de se tocar é imensa.

- Ah...

- Li... para... – A voz lhe sai fraca.

- Mari... Mari... se toca para mim... quero ouvir você...

Começa a tremer. Não sabia como lidar com essa Lisa que lhe falava. A paixão evidente na voz, o prazer presente...

- Li... eu... para! Eu... não sei... o que fazer. Porque está fazendo isso comigo???

A voz sai angustiada.

Não obtém resposta. Do outro lado tudo que se ouve são gemidos suaves, intercalados pelo sussurrar de seu nome. Em silêncio, tremula e cheia de desejo mudo escuta sua amada. Percebe-lhe a respiração acelerada, entrecortada. Ela se tocava. Onde? Onde? Onde ela se tocava?? Que fazia? Que vontade de gritar!

- Li? Li?

- Mar... Ma... Mari!!!

A morena pula da cama, os olhos arregalados. Tremula, caminha desesperada de paixão pelo quarto a gemer. Sua amada gozara a seus ouvidos. Lisa! Li!

- Li!!

A respiração do outro lado da linha acalmava aos poucos. Mariana senta na cama segurando a barriga. Uma dor latejava dentro de si. Aperta as pernas tentando amenizar o desejo exigente de ser satisfeito.

- Ah amor... que pena que não quis se tocar para mim... – A voz de Lisa era suave. – Mari... um dia farei isso com você. Vou te amar... te fazer minha. Não vou desistir de você.

- Eu... eu...

- Boa noite minha vida.

- Eu... eu...

O telefone é desligado, mas Mari permanece com ele no ouvido por longos minutos. Não conseguia acreditar no que acontecera. Lisa... se tocara para ela. Só o saber disso a enlouquecia. Joga o celular longe, tira a camisola e se toca, sem conseguir esquecer os gemidos amados. Estava inchada, tesa. Em segundos o orgasmo vem forte, enlouquecedor.

Após acalmar um pouco leva as mãos aos seios firmes e os aperta.

- Lisa...

Se de longe, por telefone, apenas gemendo, ela a levara a este estado de paixão, imagina com o corpo presente. Só o pensar nisso a leva a apertar com mais força os seios jovens.

‘Ah Lisa, desejo tanto seu toque, desejo tanto tocar você, ter você.’

Devagar, ainda nua, se vira de lado na cama.

Amar era tão difícil, tão complicado... Tão realizador.

Mariana caminha sonolenta por entre os caminhos rodeados de flores.

‘Que lindo!’

Arregala os olhos ao vislumbrar um belo lago e uma árvore frondosa com uma copa belíssima, como a convidar os transeuntes a se sentar e usufruir da paz reinante.

Aproxima-se do lago e impulsivamente ajoelha-se. Com as mãos em copa leva a água pura aos lábios. Sorrindo a passa pelo pescoço, sentindo vibrar sobre seu corpo uma energia forte e benéfica. Suspira feliz, encantada com a paz que sente em seu interior e olha a seu redor.

‘Que lugar é esse? Como cheguei aqui?’

Levanta-se com intenção de deitar e descansar debaixo da bela árvore e surpresa percebe a presença de uma mulher que lhe sorria.

Intrigada, mas surpreendentemente tranquila, aproxima-se da figura feminina. Qual não é sua surpresa ao reconhecer os traços fortes e marcantes de Luiza.

- Olá jovem Mariana. Como está linda!

Estende-lhe as mãos a convidando a sentar sobre a grama no seu lado.

Ainda surpresa Mariana olha a bela morena.

- Mas... como? Você... Você...

- Sente-se Mariana. – A voz era imperativa, o tom de comando.

Imediatamente Mariana se senta irritada pela obediência imediata e instintiva diante do tom autoritário da outra.

‘Putz a arrogância ainda é a mesma!’

Luiza sorri divertida.

- Posso ter desencarnado, mas minha arrogância continua intacta querida Mari.

A jovem retribui o sorriso um pouco sem graça, sentindo dentro de si brotar a antiga simpatia que, há anos trás, na festa de seus quinze anos, Luiza lhe despertara.

- Sim, foi uma linda festa. E a simpatia foi mutua querida.

- Eu... eu... que lugar é esse... Luiza?

Lu olha a seu redor.

- Lindo não é? Sempre admirei a natureza e sua beleza. Aqui é meu recanto favorito para refazer minhas energias quando me sinto fragilizada.

Mariana a observa, admirada com a beleza forte da morena.

- Eu... Aqui é o céu?

Luiza sorri, o semblante se iluminando.

- Mari, aqui é um Oasis do céu. Aqui espíritos diversos buscam a energia das águas, o acalento da sombra amiga. Aqui é um recanto de paz onde almas amigas, separadas pelos planos matérias e espirituais se encontram para amenizar a saudade, fortalecer laços de amor e fraternidade.

Mari engole em seco.

- Her... legal. Eu... bom... Eu e você... estamos matando saudades?

Luíza não consegue conter uma gargalhada.

- Linda Mari, nossa simpatia mutua não veio da existência atual. Meu carinho por você é sincero. Muitas são as almas afins. Um dia entenderá nosso elo espiritual. – Sorri sem conseguir conter um pouco da antiga arrogância. –Mas nosso encontro hoje tem um objetivo maior. O grande amor que sentimos por Lisa.

O coração de Mari dispara. Lisa? Que Luiza queria dizer com isso? Será que queria tirar Lisa dela? Que ia... levar Lisa?

- Não! Lisa é minha!

Luiza sorri em silêncio.

- Você... você... Ela... eu... Você não pensa em... Trazer ela pra cá. Não pode!

- Menina, seus pensamentos vão longe, hem! – Luiza a toca suavemente no rosto. – Tranquiliza querida. Lisa ainda terá muito que viver. – A olha sorrindo. – Viver a seu lado... assim que aceitar definitivamente que ela é o amor de sua vida.

Mariana constrangida com o ataque de pânico demonstrado, abaixa a cabeça triste.

- Lu... Ela pode até ser meu amor, mas o dela... foi você.

- Mari... ah Mari. Você tem conhecimento suficiente para entender que nós temos diversas almas afins. Pessoas que amamos e que nos acompanham em nossa existência, seja no plano espiritual ou material. Esse é o bem maior da vida. A capacidade que temos de amar. – Sorri um pouco mais triste – Eu amo Lisa. Sempre vou amá-la. Por muitas vidas, juntas vencemos obstáculos, provações. Comemoramos vitórias e redenções. Nosso amor é eterno.

Mariana engole em seco e a dor se faz presente em seu peito. Um amor tão grande... Seria ela capaz de tamanho amor também?

- Mari... não desmereça seus sentimentos. Você veio ao mundo para estar ao lado de Lisa. Por toda sua vida dedicou-se a ela, por ela. Como ousa menosprezar seu próprio sentimento?

Delicadamente posta a mão acima do seio esquerdo de Mariana.

- Não sofra querida. Não vê? O amor só acrescenta. Eu e Lisa tivemos nossa linda história de amor, mas... não nos era destinadas uma vida juntas no plano terrestre.

Mariana treme e sente o peito oprimir.

- E... e aqui?

- Ah Mariana, que medo bobo é esse? O amor maior é universal. Com ele surge a renuncia, a abnegação, a aceitação. Querida, existem em nossas vidas várias almas afins, mas apenas uma é destinada a ser a dona de nosso coração. – O olhar de Luiza era triste e conformado. - Lisa mora em meu coração, mas a alma que a completa não sou eu. Você é esta alma na vida de Lisa.

Mariana abaixa a cabeça pensativa.

- Eu... não entendo isso.

- Mari, está na hora de você permitir que este amor dentro de você se expanda para além de Lisa. Olhe a seu redor. O amor está sempre presente em nossas vidas. Através dos pais, dos filhos, dos amigos, da companheira... Não percebe? O mundo é tão maravilhoso, com milhões de almas que o habitam. Acredita mesmo que em nossos corações só caiba o amor puro, sincero, verdadeiro a uma única pessoa? Acredita mesmo que em seu coração só exista Lisa?

Mariana a olha revoltada.

- Está dizendo que Lisa não é meu amor? Não é minha alma gêmea?

- Você quem esta dizendo isso Mariana. – Luiza a olha arrogante, mas divertida.

- Cara, mesmo desencarnada você é... é...

- Coerente? Lógica?

- Arrogante!

Luiza suspira e balança a cabeça conformada.

- É... Fazer o que? Faz parte de meu charme.

Mariana abre a boca e fecha sem nada pronunciar. A mulher era demais!

- Mas Mariana, que queria que eu pensasse? Sei que Lisa a procurou, buscou uma maneira de aproximar de você, ciente do grande amor dentro dela e ainda assim a renegou.

- Ela me renegou primeiro!

- Querida, o que importa é o amor que as une. Lisa nunca a trairia. Seu amor é sincero. O que deseja para sua vida? Não percebe a grandiosidade do que tem nas mãos? Vale mesmo à pena deixar que o orgulho domine seu espírito e afaste de si a alma que lhe completa?

Luiza abaixa a cabeça e suspira. Quando a ergue seus olhos estavam cheios de lágrimas.

- Mari, ilumine seu coração. Eu trocaria meu lugar com você, se isso significasse os anos que tive com ela multiplicados por dez, vinte, trinta anos.

Mariana engole em seco.

- Se... a ama tanto porque a deseja a meu lado?

- Justamente por amá-la tanto a desejo a seu lado. Desejo sua felicidade. Não jogue isso fora Mariana. Pode não ter uma nova chance.

- Eu... eu... Luiza... eu amo Lisa.

- Então... Faça-a feliz querida. E seja feliz.

Luiza se ergue, levantando Mariana junto.

- Está na hora de irmos.

- Eu...  Lu... Eu...

- Olhe o horizonte Mariana.

Mariana acompanha o olhar de Luiza.

- Vê? O sol está nascendo. Assim é a vida. Uns dias nublados, outros cheios de sol. Parece que hoje teremos sol.

Sorri alegre para a jovem.

-Vai ser um lindo dia.

Mariana lhe sorri e volta o olhar para o nascer do sol. Fecha os olhos a proteger os olhos da claridade forte.

Uma musica suave toma conta do ambiente. Abre os olhos e percebe o despertador tocando ao lado da cama. Ainda sonolenta estende a mão e o desliga.

Suspirando fecha novamente os olhos. Ela sonhara...

Sonhara com Luiza!

Ergue o corpo surpresa. Ela sonhara com Luiza! Tenta lembrar o que conversaram. Fragmentos lhe veem a memória. Luísa lhe dizia para amar Lisa, porque poderia não ter nova chance. Que o amor delas era único. E que devia ser feliz. Se dar a chance que ela não tivera!

Respira fundo sentindo uma energia nova dentro de si. Não importa realmente o que elas conversaram. Sabia o que tinha que fazer. Sua alma sabia. Põe a mão sobre o coração. No mesmo local que Luiza a tocara.  Sorri em expectativa.

- Luiza... Não foi a toa que gostei de você... Mesmo sendo muito metida. Obrigada.

Lisa respira fundo. Que perfume delicioso... suave . Cheiro que lhe lembrava a Índia... A flor de Lótus!

- Bom dia minha amada...

Lisa arregala os olhos surpresa e emocionada. Luiza lhe sorria docemente, linda numa túnica clara, e trazia a altura do seio esquerdo uma linda flor de Lótus na qual toca suavemente.

- Amei o presente querida. Tenho-o sempre comigo.

- Lu... – Lisa sente os olhos se encherem de lágrimas.

- Lisa... Eu a amo, amada. - Luiza a observa com os olhos repletos de amor - Não desista da felicidade. Lute por ela. Você merece.

- Lu... Você está bem? É feliz?

- Lisa... Sim, sou muito feliz. Reencontrei pessoas amadas, almas amigas. Eu estou bem Lisa. E está na hora de você também ficar bem.

- Eu... – Lisa começa a soluçar. – Eu a amo Lu.

- Eu sei querida. Eu sei. E também sei que tem outra pessoa neste mundo que ama muito.

- Mari...

- Sim minha amada. Mariana. Lute por ela. Ela veio para você. Cuide de sua flor como cuido da minha.

- Ah Lu...

Sorrindo Luiza se inclina e beija-lhe a testa. Lisa, emocionada, fecha os olhos, sentindo a suavidade dos lábios queridos. Quando os abre o sol se fazia presente no quarto.

Começa a chorar suavemente, o coração leve.

O dia prometia ser lindo.

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.
 (A Hora da Estrela)

Clarice Lispector