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quarta-feira, 29 de julho de 2009

Capítulo VIII

O Shopping não estava cheio. Era domingo e Deise caminhava lentamente observando as vitrines sem grande interesse. ‘Aff... ninguém merece esse tédio’ sussurra baixinho.
- Não acho que esta blusa ficará bem em você.
Assustada com a voz inesperada perto de seu ouvido Deise vira-se para trás e dá de cara com Lisa sorrindo. Volta o olhar para a vitrine rapidamente reparando a blusa em exposição e sorri. Era mesmo horrorosa.
- Com certeza que não. Estava só olhando.
Começam, como que em comum acordo a caminharem juntas. Deise, meio cautelosa e surpresa com a presença da loira que praticamente a ignorara a semana toda, a olha disfarçadamente. Lisa parecia cansada, com olheiras profundas.
- Está tudo bem Lisa?
- Tudo Deise – sorri, mas o mesmo não chega a seus olhos. Passa a mão nos belos cabelos e esfrega a testa. – na verdade nem tanto.
- Quer falar? Lisa olha Deise e para de caminhar. Gostava realmente dela. Passava algo de positivo, uma energia boa, suave, sincera.
- Gostaria sim. Que tal um lanche?
Já sentadas na praça de alimentação Deise pede um chope. Com certo enjôo Lisa torce o nariz e pede uma limonada suíça.
- Não quero por álcool na boca tão cedo.
- Hum... andou abusando?
- Abusando e ‘burrando’ muito por causa dele. Mas na verdade não é isso que realmente me aflige. – Poe a mão sobre o queixo e respira fundo. – Sabe quando você sabe que deve tomar certa atitude, mas não quer tomar por conta de um passado que ainda te atinge?
- Hã? Bom... não entendi bem, mas... tem algo de seu passado que te incomoda é isso? Lisa observa Deise atentamente. Como a ruiva era bonita com seu rosto meio infantil e um corpo de mulher. Os olhos verdes estavam claros, profundos... sérios. Ela lembrava tanto alguém que Lisa chegava a sentir aperto no coração. Arregala os olhos e novamente encara Deise nos olhos. Ela lembrava... Mari!!!
- Meu Deus! – Põe a mão sobre a boca.
- Que foi Lisa? Parece que viu fantasma!
- Não... é que agora, só agora percebi quem você me lembra.
- Nossa! Deve ser alguém bem assustador pela sua cara.
- Pelo contrário. É alguém que amo muito. Na verdade é o meu problema.
- Cada vez mais confuso... e interessante. Toma um gole do chope e sorri – Fala mulher!! Não me mata de curiosidade.
- Ei!! Você é minha paciente. Modere o tom, diz rindo.
- Nunca fui sua paciente. E para sua informação nem o sou mais lá na clínica. Recebi alta na sexta, diz meio triste.
- Sério? Mas isso é muito bom.
- É... acho que sim. Minha mãe está toda feliz. Por ela iríamos hoje mesmo pro sul, mas temos que resolver ainda alguns problemas pendentes. Recebi a noticia sexta à tardinha.
- Hum... não fiquei sabendo.
- Foi a Doutora Luiza quem me chamou. Na verdade eu e ela conversamos um pouco a tarde. Um pouco depois ela mandou me chamar novamente junto com minha mãe. Disse que havia conversado com a equipe que me acompanhava e juntos concluíram que eu já estava apta a receber alta. Agora é comigo. – Deise a olha meio desamparada. – Foi tipo um choque sabe. Não esperava.
- Nem eu... Lisa a olha pensativa – nem eu Deise. Sobre o que conversaram à tarde? A ruiva a olha acuada e sente o rosto esquentar.
- Na verdade foi um pouco pessoal. Eu... falei de algumas duvidas minhas.
- Sobre? Deise toma todo o chope de uma vez.
- Sobre... bissexualidade. Acredita? Falei disso com aquela... amazona!
- Deise... falou do que aconteceu entre nós?
- Eu... eu... não lembro... acho que... não...
Lisa sente o rosto acalorar. Luiza sabia dela e Deise... sabia e planejara cada passo da noite anterior. ‘Vou eliminar aquela mulherzinha!’
- Lisa! Não falei nada que te comprometesse! Não fiz nada!
- Calma Deise. Luiza não é minha chefe. É minha colega de trabalho. Alem que ela não diria nada. Tenha certeza.
- Bom... que bom né.
Mas Lisa parecia distante, o olhar perdido. Deise ergue os dedos e pede mais um chope. Depois estala os mesmos no rosto de Lisa.
- Olha eu não queria envolver ninguém. Mas ela estava ali... se mostrou tão amiga que quando vi estava desabafando.
- Deise tranqüiliza. Luiza pode ser arrogante, mas é uma pessoa de índole. – ‘Índole a porra’ pensa revoltada, mas mantém as palavras.
- Sabe... pensei muito quando perguntou se eu era bissexual. Não acreditava nestas coisas. Mas agora... vejo bastante sentido nisso. Gosto de namorar, gosto de homens, mas me atraio por mulheres também. O que me parecia absurdo antes agora é algo natural. – Deise a olha séria. – Doutora... Lisa... é natural.
- Também acho Deise. Veja bem, eu sou lésbica. Não preciso mais te esconder isso. Mas omito. A sociedade não permite sermos nós mesmos. É cruel, falsa. Uma grande maioria é frustrada, não aceita e reprime seus desejos. Conheço mulheres que seriam felizes assumindo sua condição de lésbicas, mas preferem casar, ter filhos, dar satisfação a uma sociedade que não está nem aí para elas, suas tristezas, suas frustrações. É revoltante a falsidade dos supostos conservadores. Os mesmos que não hesitam de trair as próprias esposas. Odeio falsos valores.
- Verdade...
O silencio impera entre as duas. Cada uma perdida em seus pensamentos. Lisa observa a ruiva sorrir para o garçom que chega à mesa. Simpática e delicada ela não tinha nada de menina como ela pensava. Era uma mulher jovem e maleável, aberta a novos conhecimentos e persistente no que acreditava. Seu olhar se suaviza ao vê-la ‘bicar’ o chope com uma expressão de prazer.
- Que foi? Tá me encarando.
- Hum... Você só se parece com alguém que conheço, mas o gênio é bem diferente.
- Quem é ela?
- Uma menina ainda. Lisa sorri nostálgica – menina, mas com muita atitude. Seu olhar se perde no passado. – Mari... Mariana. Tem alguns anos que não a vejo. Ela é linda alegre... mas tem um gênio terrível!! Como a mãe. O olhar endurece – Como a mãe.
Deise permanece em silêncio. Percebe que aquele momento pertence só a Lisa. Aguarda pacientemente que esta continue falando. Lisa balança a cabeça como em uma negativa e a olha
- Você tem olhos parecidos com os de Mari. Verdes, calorosos, meigos. Passam sinceridade. Na verdade Mari é meu grande problema.
- Por que Lisa?
- Daqui um mês ela faz quinze anos e me convidou para sua festa.
- E...
- E eu e a mãe dela não nos falamos mais... já há uns dez anos. Foi uma grande... amiga minha. Mari é afilhada de meus pais e eu... bem a adoro muito. Sempre que posso a vejo. – Olha Deise séria – Sempre na casa de meus pais.
- Ela parece ter carinho por você né.
- Demais! E eu por ela. Amo demais aquela menina.
- Onde é?
- Minas Gerais. Sou mineira. Belo Horizonte.
- Acho que devia ir. De boa, se você é de lá, seus pais moram lá, sempre teve contato com ela. Porque você vai deixar de dar atenção a alguém que sempre te teve carinho por causa de um conflito que pertence a você e a mãe dela?
- Colocado assim é bem simples – Lisa sorri meio irônica.
- É simples Lisa. Você deve simplificar a vida não complicá-la. – Põe a mão no rosto rindo. – e fui eu que disse isso! As duas riem
- Você me faz bem Deise sabia?
- Lisa... porque me evitou tanto na clinica? A loira a olha séria.
- Deise. Ali sou a profissional. Não posso me envolver com pacientes. Alem que percebi sua confusão com toda a situação e... bem... simpatizo muito com você Deise... eu... jamais aproveitaria de um momento de conflito seu.
- Conflito... é sou conflitante... mas Lisa... se acontecesse algo é porque eu queria. Você realmente me vê como criança né.
- De forma alguma! Ou talvez... justamente por que você me lembra Mari.
- Uma adolescente!
- Exato. Uma adolescente. Sinto muito.
- Tudo bem... mas não sou adolescente. - E como a querer provar isso dá um longo gole na bebida. – Ahhhh!! Delícia!
Lisa sorri e olha para os lados. Vê o cinema e o filme que iria passar.
- Hum... que tal um cinema?
- Menina! Adorei! Vamos fechar com chave de ouro meus dias na Grande São Paulo!
As duas se encaram. Lisa sente uma tristeza ao sentir que não verá mais a ruiva que tanto a cativava. Deise, porque sabia que deixaria para trás aquela que poderia enriquecer e muito a sua existência e suas descobertas. Já dentro do cinema se sentam lado a lado. Deise ciente da presença loira a seu lado sente o coração disparar. Recorda o beijo que trocaram e geme baixinho.
- Tudo bem Deise?
- Hã? Tô... claro... eu to. Lisa... eu...
- Você?
 - Lisa... eu... gostei do beijo. Do nosso beijo.
- Deise... – Lisa diz baixinho - Você não que falar disso.
- Quero! Eu quero! Lisa... eu quero.
Lisa sente a mão da ruiva tocar a sua no escuro do cinema. Delicadamente a aperta e suspira. Vira o rosto e a encara.
- Deise...
- Me beija de novo... beija.
Mesmo pedindo, Deise não espera a ação de Lisa. Segura seu rosto delicadamente e a beija. Um beijo tímido e inseguro. O coração de Lisa se enternece. Segura as mãos delicadas com as suas e aprofunda o beijo.
O escuro do cinema oculta o proibido. O filme segue seu curso até o final inesperado que surpreende a platéia. Alheias a tudo isto duas belas mulheres trocam beijos molhados repletos de ternura e vontade. Buscam uma na outra as respostas do que temem, as respostas do que desejam. Ao final sorriem e se separam.
Sem respostas e sem um final.  

"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente..."
(Soren Kierkegaard)

Um comentário:

  1. ola...
    legal essa postagem foi rapida em...hehe
    to adorando cada vez mais...
    nao vejo a hora de chegar o niver da mary..
    beijao..
    parabens

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