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domingo, 29 de março de 2009

Capítulo ll

- Hummm... Lisa espreguiça, alongando os músculos doloridos. “Nossa, que dor é essa?” pensa antes de arregalar os belos olhos cor de mel ao se ver em um quarto totalmente desconhecido. Curiosa, observa o ambiente até se dar conta das estranhas que dormiam um sono profundo na mesma cama que ela. Abafa um grito com a boca e lentamente seu cérebro, ainda anestesiado pelo excesso de bebida, começa a registrar os fatos da noite passada. ‘ Puta que pariu! O que fiz? Porra! Merda! Caralho! Perdi mesmo a noção da realidade’. Ergue-se da cama sem fazer movimentos bruscos e, sem olhar os rostos das mulheres adormecidas veste a roupa. Nas pontas dos pés caminha em direção a porta até que ouve um suspiro profundo. Olha para trás e vê dois belos olhos castanhos a observarem. A bela morena... alias belíssima, lhe dá um sorriso meio triste... Viviane... sim este é o nome dela, parece conformada ao observar sua fuga silenciosa e lhe manda um beijo silencioso acompanhado de uma deliciosa piscada. Lisa observa-lhe séria, vira-lhe as costas e sai.
Viviane vê a bela loira sair sem nem um movimento de hesitação e fechar a porta, como que finalizando os momentos de prazer que passara naquele quarto desconhecido. Controla sua ânsia de ir atrás dela. Sua intuição lhe diz que isso só a faria sofrer. Sente um aperto no coração, um vazio inexplicável dentro de si. ‘ Uma pena... tão linda... ’ se aconchega mais à bela morena em seus braços e fecha os olhos. Mas não consegue dormir.
Lisa sai para rua se apercebendo que se encontrava na mesma boate que entrara na noite passada. Uma loucura. Saíra de um barzinho onde estava com amigos e quando passara pela boate sentira uma inexplicável vontade de entrar. Passa a mão na testa. "Meu Deus eu trepei com duas mulheres ao mesmo tempo. Eu fiz isso!!" Olha para os lados desorientada. "Aff, onde deixei o carro?"
Já ao volante começa a relembrar cada momento da noite e um sorriso irônico começa a despontar em seu rosto. ‘Que loucura!’ Fora bom... mas não iria repetir a experiência. Não gostava de dividir a mulher que tinha em seus braços. Respira fundo e sorri, agora já sem ironia. Ainda guardava vestígios da adolescente possessiva que fora.
Sem saber bem porque Lisa começa a pensar no passado. Joyce... balança a cabeça vigorosamente. Aquela... coisa! Não vou pensar nela! Deixa então sua mente vagar à procura de Juliana. Ahh Juliana... A cura de sua mágoa, o começo de sua vida adulta. A bela jovem esteve com ela em seus momentos mais difíceis. Foi ela quem abraçou seu corpo quando, mesmo contra sua vontade, lagrimas caíam por seu rosto. Foi para ela que sorriu em sua formatura, mas também foi ela que lhe virou as costas e partiu sem olhar para tras. “Lisa você é linda! Mas é fria. Quero mais que um corpo quente ao meu lado. Quero um coração apaixonado, Um sorriso verdadeiro. Sei que me aproximei de você com todas as intenções safadas do mundo, mas convivendo com você percebi que preciso de mais que apenas a safadeza. Coloca a mão em seu peito acima do coração. Eu sei que aqui, em algum lugar, está aquela jovem mulher que um dia conheci na biblioteca. Calorosa, esquentada, de olhos expressivos e sinceros. Espero de coração que um dia a reencontre.”
Nunca mais a vira. Mas as lembranças, estas, permaneciam em seu coração, sempre em agradecimento por ela ter lhe mostrado um mundo novo, de pessoas descomprometidas e fugazes. Ali ela se satisfazia, sem cobranças, entre corpos femininos diversos. Homens? Apenas amizades. Não se atraia pelo corpo masculino. Nem mesmo tinha intenção de tentar descobrir algo neles... Desnecessário. Não lhe serviam e pronto.
Chega a casa e silenciosa caminha em direção a cozinha. O apartamento era pequeno, mas funcional. Começava a colher lentamente os louros de toda sua dedicação à profissão que escolhera. Após formar na faculdade, fizera pós graduação e com afinco batalhara para conseguir uma bolsa para o mestrado no Canadá. Acabara por ficar por lá e trabalhando em uma clinica especializada em sua área, investiu também no doutorado. Antes mesmo de terminá-lo, fora chamada por uma das maiores clinicas de fisioterapia de São Paulo para integrar o quadro de excelentes profissionais, com um salário mais que satisfatório. A vida lhe corria bem profissionalmente. Após fazer o chá senta-se lentamente na poltrona da sala. Observa o telefone fixadamente com o pensamento vazio e assusta-se quando este toca.
- Lisa? Olá filha. Como está?
- Mãe? Eiiii, que saudade! Estou bem, hã... cheguei a pouco da clinica, estava numa emergência. Já ia dormir.
- Você anda trabalhando muito.
- Não, nada da velha ladainha.
Lisa sorri meio que nostálgica. Mas porque me liga tão cedo?
- Filha... Lisa... É aniversario de 15 anos de Mariana. Ela veio trazer o convite pessoalmente e bem... pediu que eu a convencesse a vir. Lisa sente um baque no coração. Mariana, sua Mari. Respira fundo
- Mãe... você sabe que não posso.
- Meu Deus filha. Depois de tanto tempo ainda guarda essa magoa? Nem mesmo por esta jovem que lhe dedica tanto carinho você não pode passar por cima de seu orgulho?
- Orgulho? Orgulho mãe? Tá doida!!! É a pior época de minha vida!
- É porque você quer. Porque você escolheu lembrar somente as partes ruins. Tudo na vida são opções filha. Lisa abafa um palavrão. Sua mãe sempre lhe tirava todos os argumentos. Que droga!
- Olha mãe vou pensar. Eu... vou pensar.
- Tem três meses para se acostumar à idéia Lisa. Você já é uma adulta. Esta na hora de se portar como tal.
- Que???? Mãe, você esta falando com uma doutora... acha mesmo que sou criança? Responde arrogante
- Bem filha, se é esta sua resposta, ela já nos mostra que título não torna as pessoas melhores que as outras. Ao contrario né. Aliás, se título fosse exemplo de maturidade e lucidez nosso mundo não seria a tristeza que é. Não acha? As pessoas seriam mais tolerantes e sensatas. E sim, antes que fale, foi a indireta mais direta que pude lhe dar. Tenho que desligar, seu pai chama e a ligação é muito cara. Beijos e te amo.
Lisa olha o telefone em suas mãos de boca aberta. Sua mãe era um ó. Dissera tudo sem puxar fôlego uma única vez e, sem nenhuma chance de resposta ainda lhe desligara o telefone na cara. Põe o telefone no gancho e esconde o rosto nas mãos. Mariana... como lhe doía decepcioná-la. Evitara ao máximo ir vê-la por todos estes anos, mas agora... O que fazer? Ter que ver ...Joyce? Quinze anos... como o tempo passa rápido. Respira fundo e então sente um cheiro característico de sexo exalar de seu corpo. Banho... preciso de um banho.
Era a fuga dos pensamentos que não queria ter. Dos amores que queria esquecer. Da vida que já não lhe pertencia mais. Dos fantasmas do passado... Do seu passado.  

"Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo de plantamos"
(Provérbio chinês)

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